O caso dos abortos em massa na Nigéria

Uma reportagem da Reuters indica que, alegadamente, desde pelo menos 2013 que o exército militar tem levado a cabo um programa secreto, sistemático e ilegal de abortos, acabando com 10 mil gravidezes.

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Nigéria Reuters/CHRISTOPHE VAN DER PERRE

A Nigéria é um dos países com mais restrições ao aborto, sendo permitido somente em casos em que a mãe corre perigo de vida, excepção que está presente em apenas um dos dois códigos penais que regem o país. No entanto, uma recente reportagem da agência Reuters indica que, alegadamente, “desde pelo menos 2013 que o exército militar nigeriano tem levado a cabo um programa secreto, sistemático e ilegal de abortos no nordeste do país, acabando com, no mínimo, 10 mil gravidezes entre mulheres e raparigas”.

Muitas destas gestações são resultado de violações por parte de “soldados insurgentes”, e o facto de as mulheres que se recusaram às interrupções da gravidez sofrerem ameaças de “agressões, terem armas apontadas e serem drogadas até à complacência” é de uma desumanidade aterradora.

Estas revelações servem não só para demonstrar mais uma vez o tipo de cenários execráveis que proliferam em zonas de guerra, como também a hipocrisia de uma política sobre o aborto que tem como objectivo o controlo sobre o corpo feminino e sobre sua autonomia. A clivagem entre o desrespeito pela vida das mulheres e os valores preconizados a nível governamental torna-se mais evidente tendo em conta de que Muhammadu Buhari, presidente da Nigéria desde 2015 e líder militar da reserva do exército, sendo que este último cargo dificulta bastante a sua desculpabilização por eventual ausência de conhecimento de uma operação desta escala, permite que estes actos aconteçam há vários anos.

Somos levados a pensar que afirmações como “a Nigéria apela à acção colectiva global através de um tratado que termine com todas as formas de violência para mulheres e raparigas de todas as idades”, proferidas pelo presidente na 76.ª Assembleia Geral das Nações Unidas, não surgem da vontade genuína de mudar o rumo de um país fortemente conservador, mas sim como meros instrumentos de ilusão política.

Um estudo do Instituto Guttmacher, em parceria com a Organização Mundial de Saúde (OMS), revela que os países africanos são os que têm uma maior taxa de gestações não planeadas, número que felizmente tem vindo a descer nos últimos anos. No entanto, a percentagem de abortos não seguros, ou seja, não realizados por profissionais devidamente treinados e com os meios necessários tem vindo a aumentar.

A Nigéria não é excepção. Pelo contrário, as políticas vigentes, ineficazes no que toca à segurança das mulheres, fazem com que a prevalência de contraceptivos seja bastante reduzida. Outro estudo do Instituto Guttmacher revela que mais de 77% das interrupções de gravidez realizadas na África subsariana são feitas de forma clandestina e que esta é das principais causas de morte maternal.

É evidente que o aborto é um tópico sensível e a sua implementação um assunto sério. Porém, é evidente também que bani-lo cegamente, na esperança de terminar assim o debate sobre o tema, não tem como foco principal a vida humana, especialmente a das mulheres. O problema começa pela falta de educação sexual, dificuldades económicas graves e cenários de guerra que tornam perigosa a vida dos habitantes.

O papel do Governo não deveria de ser o de ilegalizar a última, inevitável e dolorosa decisão que algumas mulheres são forçadas a tomar. Ao invés disso, deveria fornecer soluções para os problemas que levam a este desfecho, que, quando inevitável, merece ser feito de forma digna, sem perigo de vida para a pessoa que o optar por fazer.

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