Cedendo à pressão, Festival de Angoulême cancela exposição de Bastien Vivès
Direcção reagiu às ameaças ao autor francês, acusado nas redes sociais de promover a pornografia, o incesto e a pedo-criminalidade.
Afinal, o celebrado autor francês de banda desenhada Bastien Vivès já não vai beneficiar da “carta-branca” que lhe tinha sido oferecida pelo Festival Internacional de Banda Desenhada de Angoulême. A exposição monográfica dedicada à sua obra que estava a projectar não integrará, portanto, a 50.ª edição do certame, que vai decorrer de 26 a 29 de Janeiro próximo nesta cidade do Oeste de França.
A direcção do festival viu-se obrigada a retirar-lhe o convite, perante a vaga de protestos nas redes sociais. Desde o fim-de-semana que vinha crescendo a contestação ao foco que Angoulême pretendia dar a um autor acusado por muitos de promover a pornografia, o incesto e a pedo-criminalidade.
Após as “ameaças físicas” a Bastien Vivès, a organização considerou ser seu dever não “colocar em risco um autor e mesmo, possivelmente, dentro de algumas semanas, os próprios participantes no festival”, segundo anunciou num comunicado, citado pela imprensa francesa.
A polémica em volta deste "autor particularmente fecundo" que é actualmente um dos mais cotados nos meios da BD francófona – e que o próprio Festival de Angoulême ajudou a descobrir, tendo-lhe atribuído, em 2009, o Prémio Revelação pela obra Le goût du chlore – surgiu assim que o certame anunciou a sua participação no programa da 50.ª edição.
A exposição prevista para Angoulême, intitulada Nos olhos de Bastien Vivès, pretendia dar palco e visibilidade acrescida a “uma obra que explora temas e motivos que muitas vezes se sobrepõem, como o corpo que ele mostra em todo os seus estados – da nudez à hipertrofia –, e que desenha sempre em movimento: a dançar, a nadar, a fazer amor e mesmo a desenhar…”, diz o texto de apresentação da mostra, que deveria decorrer entre o final de Janeiro e 12 de Março, e que teria como curadores Antoine Guillot e Cathia Engelbach.
Mas esta obra que a direcção do festival enquadra como uma manifestação de liberdade autoral foi, ao invés, classificada como uma apologia da pornografia e da pedo-criminalidade pelos mais de cem mil subscritores da acção promovida pelo movimento Be Brave France e lançada nas redes sociais.
O crescimento exponencial do movimento desde o fim-de-semana acabaria por levar a direcção do festival a ceder, cancelando o programa previsto, apesar de, em comunicado, reiterar que a obra de Bastien Vivès se insere “no âmbito da liberdade de expressão”, e que “cabe à lei traçar os limites neste domínio e à Justiça fazê-los cumprir”.
Nascido há 38 anos em Paris, Bastien Vivès obteve os seus sucessos editoriais inaugurais na primeira década do século, publicando desenhos e clips animados na Internet. Após o Prémio Revelação em Angoulême em 2009, a sua cotação foi subindo progressivamente, mas com ela surgiram igualmente os primeiros sinais de polémica, nomeadamente após a publicação, em 2011, da BD erótica Les melons de la colère.
Na sua já extensa bibliografia, além de mais de duas dezenas de novelas gráficas e da participação em obras colectivas, avultam também as adaptações cinematográficas de Polina (2011), levada ao grande ecrã em 2016, com o subtítulo Danser Sa Vie, numa realização de Valérie Müller e Angelin Preljocaj e com Juliette Binoche no elenco; e Une soeur (2017), que cinco anos depois foi também passada a cinema por Charlotte Le Bon, sob o título Falcon Lake.
Estas duas obras tiveram também já edição em português, em 2017, pela Levoir: Uma Irmã, com tradução de Margarida Mesquita; e Polina, com tradução de João Miguel Lameiras. Em 2021, Bastien Vivès viu ser também cá publicada a sua incursão nas aventuras de Corto Maltese, Oceano Negro, segundo Hugo Pratt, em co-autoria com Martin Quenehen.