A energia de fusão pode ajudar a combater as alterações climáticas?

Uma equipa de cientistas anunciou um importante avanço na energia de fusão após décadas de investigação. Mas, há ainda um longo caminho até produzir, em grande escala, energia desta forma.

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Câmara de vácuo onde fica um miniforno nas instalações de investigação federal do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia, Estados Unidos Reuters/Lawrence Livermore National Labo

Cientistas norte-americanos anunciaram na terça-feira um avanço na energia de fusão nuclear. Este passo passo pode fazer com que um dia se consiga aproveitar o processo usado pelo sol para produzir energia para obter electricidade sem carbono, o que seria decisivo na luta contra as alterações climáticas.

Aqui estão algumas das principais questões em torno da energia de fusão:

O que é a energia de fusão?

A fusão nuclear ocorre quando dois átomos leves, como os de deutério e trítio, dois isótopos (formas) de hidrogénio, são aquecidos a temperaturas extremas de 150 milhões de graus Celsius (uma temperatura dez vezes superior à do coração do Sol) para os obrigar a fundirem-se num átomo mais pesado. Nesse processo, liberta-se grandes quantidades de energia térmica. É diferente do que se passa nos reactores de fissão nuclear, em que são disparados neutrões contra um átomo de urânio, para que se divida em elementos mais pequenos, libertando igualmente uma enorme quantidade de energia nesse processo.

A energia de fusão é mais limpa do que a energia de fissão nuclear?

Sim, porque se produzem muito menos resíduos, dado que a quantidade de combustível necessária para fazer uma reacção de fusão é mesmo muito mais pequena do que a exigida por um reactor nuclear tradicional. No tokamak experimental ITER, uma experiência internacional que está a ser construída em França, da qual Portugal faz parte (e que usa o método do confinamento magnético para tentar produzir reacções de fusão) usar-se-á duas a três gramas de combustível (deutério e trítio). Um reactor de fissão, de dimensões equivalentes, necessitaria de cerca de 200 toneladas de urânio ou plutónio como combustível.

O que é que os cientistas conseguiram agora?

Utilizando tecnologia avançada, os cientistas do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia (EUA), focaram os feixes de um dos maiores lasers do mundo em isótopos de hidrogénio mais pequenos do que uma ervilha, produzindo uma reacção de fusão que, por um instante, gerou mais energia do que a energia usada pelo laser.

No total de todo o processo, continua a gastar-se mais energia do que aquela que é produzida pela fusão, pois os lasers precisam de energia da rede eléctrica, e depois a energia do laser é que é transformada em energia de fusão. “Ainda não se conseguiu produzir mais energia do que a energia gasta para fazer funcionar o próprio laser. O laser transforma a energia da rede eléctrica em energia do laser e isso é ineficiente, porque é tecnologia dos anos 80”, explica Marta Fajardo. “Como ainda não se produziu mais energia do que aquela que fomos buscar à rede eléctrica, ainda não temos um excesso total de energia para pôr na rede eléctrica”, disse ao PÚBLICO Marta Fajardo, do Departamento de Física do Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, e que trabalha na área de fusão nuclear a laser.

Alguns cientistas que não participaram neste projecto já disseram que se os resultados preliminares forem exactos, isso representa um progresso importante no trabalho que tem vindo a ser desenvolvido há décadas, mas que a fusão ainda não está nem perto de produzir energia à escala comercial.

Tony Roulstone, um especialista em energia nuclear da Universidade de Cambridge (Reino Unido), disse que a experiência parece ser um sucesso porque a energia libertada pela reacção foi mais do que a energia fornecida ao alvo pelo laser. Mas a produção de energia da experiência foi apenas 0,5% da vasta quantidade de energia necessária para fazer disparar o laser. "Um objectivo de engenharia para a fusão seria recuperar grande parte da energia utilizada no processo e obter um ganho de energia do dobro da energia que foi para os lasers", disse Roulstone.

A fusão ajudará a combater as alterações climáticas?

Possivelmente. Mas, além de aumentar enormemente a energia das reacções de fusão, os cientistas precisam ainda de as produzir várias vezes por segundo, numa base constante.

A expansão desse processo até termos uma central eléctrica e a construção de instalações suficientemente grandes para cobrir uma parte significativa da crescente procura mundial de electricidade exigirá esforços importantes. Isto, por sua vez, implicaria materiais, terrenos e regulamentos claros para a indústria. A verdade é que sabemos que os políticos que apoiam os combustíveis e infra-estruturas existentes podem ser resistentes a mudanças rápidas deste tipo.

À medida que a procura de energia de fusão se desenvolve ao longo de uma década ou potencialmente por muito mais tempo, os países devem continuar a apostar fortemente na energia eólica e solar, armazenamento de energia, incluindo baterias, energia de fissão da próxima geração e outras alternativas para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, defendem cientistas e ambientalistas.

Que outros tipos de fusão estão a ser desenvolvidos?

De acordo com a Associação da Indústria de Fusão (registada nos EUA), empresas privadas angariaram cerca de cinco mil milhões de dólares de investidores, de particulares a empresas petrolíferas, e financiamento público. Oito empresas, incluindo a Focused Energy e a First Light Fusion, têm como objectivo a utilização de lasers para iniciar reacções de fusão.

Cerca de 15 empresas, incluindo Commonwealth Fusion Systems e TAE Technologies, pretendem utilizar ímanes poderosos para confinar o combustível de fusão (como na experiência do ITER) sob a forma de plasma, um quarto estado da matéria que contém partículas com carga eléctrica. Cerca de uma dezena de empresas estão a tentar outros métodos, incluindo uma combinação de ímanes e lasers.