Brasil lidera saída de negociações da Cimeira da Biodiversidade para pedir novo fundo
Impasse na COP15, em Montreal, com países com grande diversidade biológica a exigir um pacto para a mobilização de recursos inspirado no acordo para perdas e danos obtido na Cimeira do Clima.
Com o Brasil à frente, um grupo de países com grande diversidade biológica abandonou em bloco as negociações que decorrem em Montreal, no Canadá, de um novo Quadro Global para a Biodiversidade na madrugada de quarta-feira. Estão em curso tentativas de harmonizar posições em torno da exigência dos países desenvolvidos de que seja criado um novo fundo para a conservação e uso sustentável da biodiversidade, a ser financiado pelos países mais ricos.
Esta crise surge quando está prestes a iniciar-se o segmento de alto nível da 15.ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica – a COP15 –, entre 15 e 17 de Dezembro. Não são esperados chefes de Estado ou de Governo, mas sim ministros e secretários de Estado – Portugal será representado pelo secretário de Estado da Conservação da Natureza e das Florestas, João Paulo Catarino. A cimeira tem data prevista de encerramento a 19 de Dezembro.
“Enfatizamos, da forma mais forte que seja possível, que a adopção de um novo Quadro Global para a Biodiversidade deve ser acompanhada da aprovação de um pacote proporcionalmente robusto sobre mobilização de recursos”, lê-se numa declaração apresentada pela delegação brasileira à 15.ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica – a COP15 – e divulgada na terça-feira pela organização. Os serviços de comunicação do secretariado da Convenção explicam que este documento “feito pelo Brasil em nome de um grupo de outros países, está na base da retirada das negociações nesta madrugada”.
Durante o dia de quarta-feira, tem estado a decorrer uma reunião promovida pelo secretariado da Convenção para tentar conciliar as posições, anunciou o porta-voz do secretariado, David Ainsworth.
Os países dos quais o Brasil dizia ser porta-voz são os do grupo africano, Antígua e Barbuda, Argentina, Bolívia, Cuba, República Dominicana, Equador, Guatemala, Haiti, Índia, Indonésia, Malásia, Paraguai, Filipinas e Venezuela. Mas cerca de 70 protagonizaram a saída das negociações desta madrugada, diz a Reuters.
É citado como inspiração para a exigência deste novo financiamento o principal resultado da Cimeira da Convenção das Alterações Climáticas, a COP27, que decorreu em Sharm el-Sheikh, no Egipto, em Novembro – a decisão de criar um fundo para as perdas e danos relacionados com os efeitos das mudanças do clima, como furacões e secas, por exemplo, deixando as questões do seu funcionamento e dotação financeira para estabelecer nos próximos tempos.
Pelo menos 100 mil milhões de dólares anuais
“Igualando a decisão histórica tomada há algumas semanas na COP27 (…), a COP15 pode dar este passo e iniciar um processo para detalhar os procedimentos e estrutura [deste fundo], que seriam concluídos na COP16”, na Turquia, daqui a dois anos, diz a declaração feita pelo Brasil.
O Mecanismo Internacional para o Ambiente (GEF, na sigla em inglês), supervisionado pelo Banco Mundial, é o principal financiador de acções para a preservação da biodiversidade, mas também é dedicado a outras áreas, como a poluição química e resíduos, alterações climáticas, águas internacionais e degradação dos solos.
Estes países pedem um fundo dedicado apenas ao financiamento de acções de conservação da biodiversidade. “Seria um fundo de ‘segunda geração’, no sentido em que tiraria as lições necessárias dos sucessos e limitações dos fundos existentes, para garantir o acesso rápido, directo e consoante as necessidades dos países desenvolvidos”, lê-se no documento.
China, Brasil, Índia, México e Indonésia têm sido os maiores beneficiários do GEF, diz o jornal britânico The Guardian e deverão continuar à frente no próximo ciclo de financiamento, de 2022 a 2026. Mas muitos países africanos, da América Latina e da Ásia consideram que deviam receber mais ajuda da comunidade internacional para preservar a sua biodiversidade.
Havia já preocupação com a lentidão no progresso das negociações, este é um motivo de preocupação adicional. "Nota-se uma falta de ambição política, embora nada esteja ainda perdido", disse Florian Titze, da WWF Alemanha, na conferência de imprensa diária que esta organização tem mantido durante a COP15.
“Não há dúvida de que os brasileiros estão a dificultar o trabalho em conjunto, e talvez estejam a tentar activamente derrubar todo o processo”, disse uma fonte em Montreal ao Guardian. “O argumento brasileiro para um novo fundo é motivado em parte por uma tentativa de conceber um novo sistema que garanta que o país nunca terá de ser um financiador”, completou.
A União Europeia, o maior doador do GEF, tem-se posicionado contra a criação de um novo fundo para a biodiversidade, sublinhando que se perderia tempo com esse esforço. "Temos de ver como tornar mais acessíveis os mecanismos que já existem", disse Ladislav Miko, enviado especial para a biodiversidade da Comissão Europeia, numa conferência de imprensa esta semana, transmitida online.
E estamos a falar de que valores? Este grupo de países propôs que os países desenvolvidos se comprometam a mobilizar subsídios de pelo menos 100 mil milhões de dólares anualmente ou equivalentes a 1% do Produto Interno Bruto (PIB) global até 2030. Uma avaliação feita em 2019 por várias instituições de conservação da natureza apontava para que a lacuna de financiamento anual para a protecção da biodiversidade fosse de cerca de 711 mil milhões de dólares anuais, recorda a Reuters.
Este é o ano de referência para o novo Quadro Global para a Biodiversidade que está em negociação: o objectivo é que os países signatários da Convenção da Diversidade Biológica se comprometam com medidas que permitam travar a perda da biodiversidade até 2030. O montante em causa seria renegociado para o período 2030-2050, sublinha a declaração feita pelo Brasil.