Hungria deixa cair ameaça de veto e UE reduz sanção por violação do Estado de direito

Negociações no Conselho da UE terminam com acordo sobre apoio à Ucrânia e tributação das multinacionais. PRR húngaro recebe luz verde, mas suspendem-se 6,35 mil milhões de euros em fundos de coesão.

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Viktor Órban, primeiro-ministro da Hungria EPA/ZOLTAN FISCHER / HUNGARIAN PM OFFICE / HANDOUT

Em mais uma ronda negocial que se prolongou noite dentro, e que o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, dificilmente poderá reclamar como uma vitória política, os Estados-membros da União Europeia conseguiram fechar um acordo para avançar um pacote de apoio macro-financeiro à Ucrânia, no valor de 18 mil milhões de euros, adoptar uma nova taxa mínima de 15% de IRC para as empresas multinacionais, aprovar o Plano de Recuperação e Resiliência húngaro e aplicar, pela primeira vez na história, o regime de condicionalidade, com a suspensão das transferências para Budapeste de 6,35 mil milhões de euros de fundos estruturais.

“Mega acordo!!”, anunciou a Representante Permanente da República Checa na UE, Edita Hrdá, numa mensagem publicada no Twitter depois de encerrar a discussão que durou mais de cinco horas. “Estamos todos exaustos, mas conseguimos”, desabafou a embaixadora ao Politico.

Ao contrário do habitual desfecho das negociações em Bruxelas, desta vez nem todos os participantes podem dizer que houve um “compromisso” para o qual todos contribuíram com alguma cedência para alcançar um resultado que é “positivo” para todos. Sem dúvida, foi Bruxelas que alcançou todos os seus objectivos, enquanto Viktor Orbán viu gorada a sua estratégia de bloqueio: desta vez não houve qualquer quid pro quo para salvar face.

No fim-de-semana, o Conselho já tinha acertado agulhas para aprovar um plano B que permitia financiar o pacote de assistência financeira à Ucrânia durante o ano de 2023 sem a participação da Hungria. Mas esse plano vai ficar na gaveta. Encurralado, o Governo húngaro deixou cair a sua ameaça de veto sobre a proposta original da Comissão, para o financiar o apoio à Ucrânia com garantias do orçamento comunitário, e também sobre uma decisão para a transposição, pelos 27, do acordo relativo à tributação mínima das empresas multinacionais alcançado pela OCDE.

Budapeste manteve estes dois dossiers (cuja aprovação exige um voto por unanimidade no Conselho da UE) como reféns durante meses, numa tentativa de pressionar o executivo comunitário e os restantes Estados-membros a dar luz verde ao seu PRR — com uma componente de 5,8 mil milhões de euros de subvenções, cerca de 3% do Produto Interno Bruto nacional.

Este é dinheiro que o Estado húngaro precisa absolutamente de receber para enfrentar a grave crise económica com que o país se confronta. Em Novembro, a inflação na Hungria ultrapassou os 22%, e a pressão dos mercados financeiros ameaça a sustentabilidade das finanças públicas. Se o PRR não fosse aprovado até ao final deste ano, a Hungria perderia o acesso a 70% do valor do programa, segundo o regulamento.

No entanto, Budapeste só poderá avançar com o primeiro pedido de desembolso depois de cumprir integralmente um conjunto de “super” metas e marcos, relacionados com a independência do sistema judicial, o aparelho de combate à corrupção e a transparência dos procedimentos de contratação pública, entre outras.

Estas medidas coincidem com a lista de “remédios” prometidos pelo Governo de Viktor Orbán à Comissão Europeia no final do Verão, na sequência da notificação de Bruxelas da aplicação de uma sanção financeira de 7,5 mil milhões de euros, no âmbito do mecanismo de Estado de direito.

O executivo comunitário concedeu um prazo até 19 de Novembro para Budapeste executar as acções previstas para eliminar as “irregularidades” e corrigir as “deficiências” detectadas no seu. Findo o prazo, a Comissão considerou que a acção de Budapeste não produziu os resultados esperados, e recomendou ao Conselho da UE que aprovasse a sua proposta de penalização, que passava pela suspensão de 65% das verbas de três programas operacionais da Política de Coesão.

Sem grande margem para alterar a proposta, os Estados-membros acabaram, ainda assim, por mitigar ligeiramente o golpe, reduzindo o valor da sanção de 65% para 55% do valor do envelope nacional húngaro, ou seja, 6,35 mil milhões de euros. Como comentava uma fonte europeia, a táctica da Hungria não produziu a habitual compensação, mas sim uma invulgar humilhação no fim das negociações.

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