Mais jardins que sejam bacias naturais para a retenção de águas, mais pavimentos permeáveis, rever os índices de construção de zonas em leito de cheia. Para o Bloco de Esquerda na Câmara de Lisboa, o Plano Geral de Drenagem será um “importante avanço na capacidade de drenagem” da cidade, mas “não é suficiente”. É preciso ir mais além e “aumentar a permeabilidade” de uma Lisboa muito urbanizada, através de soluções “baseadas na natureza”. Depois da precipitação intensa dos últimos dias, a vereação bloquista vai propor ao município a criação de um programa municipal para tornar a capital uma “cidade esponja”, como, por exemplo, está a ser trabalhado na China.
“Com a urbanização rápida e as mudanças climáticas, as cheias urbanas tornaram-se dos maiores desastres naturais em várias cidades do planeta, com enormes custos económicos e sociais”, nota o partido, que no executivo é representado por Beatriz Gomes Dias. Assim, a ideia dos bloquistas é criar mais infra-estrutura verde, obras com menor impacto — em termos de construção — na cidade, mas que consigam reter boa parte da precipitação.
“Precisamos de pensar na forma como estes fenómenos são recorrentes. Esta proposta visa apresentar uma solução que se vai associar ao plano de drenagem. Sabemos que a impermeabilização dos solos em Lisboa, principalmente numa cidade com tantos rios e ribeiras, acaba por impermeabilizar os leitos de cheia”, com todas as consequências que tal provoca no deficiente escoamento das águas pluviais, enquadra a vereadora Beatriz Gomes Dias, lamentando as duas mortes directamente relacionadas com o mau tempo e os danos materiais e económicos causados à população.
Para tornar Lisboa uma “cidade esponja”, será necessário criar mais bacias de retenção natural, como se criou no parque da renovada Praça de Espanha, com pavimentos permeáveis, rain gardens, ou seja, jardins projectados para que o seu solo e vegetação ajudem na absorção da chuva, ou reutilização de águas.
A ideia é que esta rede natural à superfície seja capaz de reter “entre 70% e 90% da precipitação média anual através de infra-estruturas verdes, reduzir o risco de cheias, melhorar a qualidade da água, reduzir o impacto nos sistemas naturais e construídos e reduzir os efeitos das ilhas de calor”, explica o partido na proposta.
Está em curso a obra do Plano Geral de Drenagem de Lisboa, aprovado em 2015, e que deverá estar concluído em 2025. Terá como obra de maior dimensão a construção de dois túneis de drenagem que permitam o transvase das águas pluviais sempre que o sistema de escoamento não tiver capacidade de as reter. Segundo o município, este plano “vai resolver entre 70% e 80% dos problemas” de inundações na cidade.
Estes dois túneis vão recolher águas em dois pontos altos da cidade: Monsanto e Chelas. Terão 5,5 metros de diâmetro e o mais longo vai iniciar-se em Campolide e terminar em Santa Apolónia, num percurso de cerca de cinco quilómetros, que passará pela Avenida da Liberdade, pela Rua de Santa Marta e pela Avenida Almirante Reis até chegar a Santa Apolónia para recolher também as águas provenientes das ribeiras que correm por baixo destas vias.
Depois de concluído este túnel, iniciar-se-á a construção do túnel Chelas-Beato. Será mais curto, com um quilómetro, e servirá para recolher águas do caneiro que atravessa a Avenida dos Estados Unidos da América e colectar água das zonas de Telheiras e Campo Grande.
Rever o PDM e travar construções em leito de cheia
Na última semana, especialistas alertaram para que esta obra, por si só, não seja suficiente para evitar mais cenários de inundações se o resto da cidade não se adaptar também. Numa entrevista ao PÚBLICO, a arquitecta paisagista Aurora Carapinha, discípula de Gonçalo Ribeiro Telles, considerou que seria “muito mais interessante promover a infiltração da água de algumas ribeiras, criando várias bacias de retenção, pequenos lagos artificiais, de maneira que os pontos de enchente sejam retardados”, para evitar um cenário de inundação como o que se registou na noite da passada quarta-feira.
“Em algumas cidades no Norte da Europa e até mesmo no Brasil, esta água não é metida dentro de um cano para ser despejada num rio, vai sendo gerida a olhos vistos em canais abertos. Vai para lagoas, para um conjunto de situações em que pode vir a ser utilizada em momento de falta de água”, disse ainda a arquitecta paisagista, levantando dúvidas quanto ao custo-benefício de uma obra imensa como o plano de drenagem de Lisboa.
Aurora Carapinha lembrou também a necessidade de fazer “planos de gestão do ciclo da água” em vez de planos de drenagem, e de haver “políticas de ordenamento que percebam que os territórios não podem aguentar uma construção infinita”.
É nesta linha que o Bloco de Esquerda acredita que algumas das medidas que apresenta nesta proposta “adicionam resiliência ao Plano Geral de Drenagem de Lisboa”. Mas, a par disso, o partido defende ser também “fundamental” alterar as regras urbanísticas.
“É preciso mudar as regras de construção e mudar o Plano Director Municipal (PDM) e impedir a construção em zonas de leito de cheia. É fundamental deixá-los não impermeabilizados para que a água possa infiltrar-se. É preciso devolver à natureza as áreas de protecção, como os leitos de cheia, e renaturizá-los com vegetação típica dessas zonas”, nota a vereadora.
A proposta dos bloquistas defende ainda a criação de mais telhados verdes em Lisboa para ser mais um lugar para absorção de água da chuva, mas também de gases que provocam efeito de estufa.
A proposta deverá ser entregue aos serviços para agendamento nesta segunda-feira. Seguir-se-á depois a sua discussão, que a vereadora espera que ocorra "o mais rápido possível". Se for aprovada, o programa municipal “Lisboa, Cidade Esponja” deverá ser criado, “usando soluções baseadas na natureza para enfrentar as cheias e outros fenómenos climáticos extremos”. A própria câmara e a Agência de Energia e Ambiente (Lisboa E-nova) deverão, no prazo de seis meses, realizar o estudo preliminar deste programa.