100 Igual: o azal como “nervo” de um projecto de vinhos cheio de charme
Em Meinedo, Lousada, o projecto Sem Igual tem uma moderna adega onde é possível fazer várias provas e um alojamento local encantador que é a cara dos anfitriões, João e Leila.
João e Leila Camizão são a alma e a paixão dos vinhos Sem Igual, que nasceram há dez anos com uma proposta então rara na região dos Vinhos Verdes: fazer vinho “sem gás adicionado ou açúcar residual”, com azal, na sub-região do Sousa.
Têm 47 e 37 anos, respectivamente. Ele nasceu no Porto, ela em Angola, são cidadãos do mundo e em 2017 resolveram fixar-se em Lousada, terra onde a família dele fazia vinho desde 1780. João é engenheiro de telecomunicações e trabalha a partir de casa para uma grande multinacional, Leila é formada em Gestão Hoteleira. Conheceram-se em Lisboa em 2005 e quatro anos depois o trabalho dele levou-os à Índia, onde viveram durante dois anos.
“Foi nessa passagem que surgiu a ideia de fazermos alguma coisa nos vinhos quando regressássemos. Na nossa óptica, o Vinho Verde estava a ser muito maltratado. Tínhamos um terroir para fazer algo com mais valor”, conta João Camizão. Esse algo teria de fugir “ao básico” e passar por trabalhar com uma das castas de maior expressão ali. Para além do azal, nos 10 hectares de vinha que gerem – e que ainda são da família de João –, há arinto, vinhão, touriga nacional e baga. “Estamos na sub-região menos considerada e mais conhecida por um estilo que nós não queríamos.” Claro que a região evoluiu, e muito, mas, entretanto, passaram-se dez anos.
Na primeira colheita, 2012, engarrafaram 600 garrafas, “proof of concept” do Sem Igual, “o do rótulo azul”, 30% azal e 70% arinto, em que a primeira casta “é o nervo, o carácter” do vinho. Só em 2017 surgiriam outras referências, depois de perceberem que já havia mais produtores a seguir caminho idêntico. Uma delas, o Ramadas Metal 2017, mereceu 94 pontos pelo crítico de vinhos Robert Parker. Na mesma altura, o casal decidiu “criar um lado ancestral e cultural do portefólio, o Sem Mal”. A designação vem de “sem ácido málico”: Como a fermentação maloláctica acontece na garrafa, a transformação de ácido málico – em que a casta azal é rica – em láctico vai até ao fim (ao contrário do que acontece quando, no final da fermentação alcoólica, os enólogos adicionam sulfitos ou outros conservantes para impedir a maloláctica).
Visitar, provar, ficar
É Leila quem, normalmente, conduz as provas Sem Igual. “O hobby começou a ficar mais complicado de gerir” e, há três anos, dedicou-se a tempo inteiro ao projecto. Num antigo beiral onde outrora se secava milho, transformado em loja e sala de provas, há cinco provas disponíveis e sempre quatro colheitas da mesma referência à venda. O portefólio pode dividir-se em três grupos de vinhos. Os clássicos, aqui provados até 2016 e que são vinhos a que em prova cega ninguém lhes adivinha a idade: Sem Igual, Sem Igual Ramadas Metal e Sem Igual Ramadas Wood.
As “bolhas com história”: Sem Mal – o tal que “quer explicar como eram os Vinhos Verdes de há 50, 70 anos” e que, segundo João Camizão, estariam a cair no esquecimento –, Sem Igual Espumante Bruto Natural – com dégorgement feito só quando a colheita anterior esgota e que tem a ambição de ser “um dos melhores espumantes portugueses” – e Sem Igual Pét-Nat – touriga nacional e baga, numa combinação que está a vender tão bem que a produção passou de 1500 para 5000 garrafas este ano.
E, finalmente, os vinhos de castas tintas: Sem Igual Blanc de Noirs, Sem Igual Rosé, Sem Igual Rosé das Barricas – todos de de touriga nacional e baga – e Sem Igual Tinto, que às duas variedades junta 10% de vinhão. “Tenho um lema na vida que é transformar problemas em oportunidades. A baga é a minha casta favorita”, conta João. “Escolhemo-la quando não consegui instalar alvarelhão.”
Em 2021, inauguram a nova adega e um alojamento local, que nasceu da recuperação de uma casa de lavoura datada de 1783. Tem cinco quartos com nomes de vinhos Sem Igual: dois na ala dos lagares antigos, que ainda são usados para pisar o vinhão, das cubas de cimento e da cozinha velha – onde, com alguma sorte, visitantes e hóspedes podem fazer uma refeição de fogo (disponível sob consulta e em ocasiões especiais) – e três nas antigas cortes dos animais. Estes dão directamente para a piscina e a sala de refeições, onde são servidos os pequenos-almoços.
Quando há interesse e os hóspedes ficam mais noites, Leila e João conseguem levá-los a conhecer a vinha em ramada, um hectare com “70, 90 anos” ali perto. Uma curiosidade e um testemunho do passado da região. Lado a lado com um presente tecnológico e moderno: a nova adega está coberta por 40 painéis fotovoltaicos que já alimentam “praticamente todo o sistema de frio” e, nas cubas, a fermentação “está digitalizada”. “O nosso vinho tem gás carbónico natural e termos a nossa curva de fermentação digitalizada ajuda-nos a perceber as nossas leveduras”, partilha João. “Estudamos muito.”
Em 2021, a Sem Igual produziu 15 mil garrafas, este ano a produção dobrará. Só usam uva própria e não vêem isso a mudar, até porque ainda vendem 50% da sua uva a outras marcas e têm, por isso, margem para crescer. João e Leila têm o negócio todo na ponta da língua, mas o enólogo da Sem Igual é, desde o início, Jorge Sousa Pinto. Pedro Bravo, da sua equipa, tem ajudado com a enologia do pét-nat.
Desde 2017 que não há herbicidas nestas vinhas situadas a 280 metros de altitude, e no portefólio já há dois vinhos sem sulfitos; 2023 será o ano da conversão ao “biológico ou biodinâmico”. Para lá da vinha, há uma linha de água, mata e um eucaliptal que a vista alcança desde a sala de provas. Uma paisagem que emoldura impecavelmente um projecto com paixão e nervo.
Sem Igual
Estrada da Ferradura, 1150, Meinedo (Lousada)
Tel.: 914902736
Web: 100igual.pt
Provas a partir de 15 euros (3 clássicos)
Quarto duplo a partir de 84 euros por noite (inclui pequeno-almoço)
Este artigo foi publicado no n.º 7 da revista Singular.