Trabalhadores afectados pelas cheias têm falta justificada
Advogados explicam que quem não foi trabalhar por ter sido afectado pelas cheias ou por não conseguir chegar ao emprego tem o dia justificado, sem perder retribuição.
As fortes chuvas e as inundações que se fizeram sentir nesta terça-feira um pouco por todo o país impediram muitos trabalhadores de chegar ao emprego, e a falta, defendem os juristas consultados pelo PÚBLICO, deverá ser justificada e sem perda de remuneração.
O Código do Trabalho não se refere directamente a situações em que as condições meteorológicas impedem o trabalhador de prestar a sua actividade, mas o artigo 249.º considera justificada a falta “motivada por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação medicamente assistida, doença, acidente ou cumprimento de obrigação legal”.
Por outro lado, a lei também parte do pressuposto de que as faltas justificadas não afectam qualquer direito do trabalhar, em particular a retribuição (excepto em casos enumerados na lei, como é o caso das faltas por doença, mas que dão lugar a uma prestação social).
É com base nestes dois artigos que Fausto Leite, advogado especialista em direito do trabalho, defende que as pessoas que não foram trabalhar nesta terça-feira por terem sido directamente afectados pelas cheias ou por não conseguirem chegar ao emprego têm o dia justificado, sem perderem retribuição.
Entendimento semelhante têm Ana Gradiz Correia e Inês Beato, advogadas na Gómez-Acebo & Pombo, lembrando que o temporal que tem afectado com especial gravidade algumas regiões do país, onde se têm verificado cheias, alagamentos, supressão de transportes públicos ou encerramento de estradas, “não pode ser imputável a quem quer que seja, designadamente ao trabalhador que, por este conjunto de circunstâncias extremamente adversas, se vê involuntariamente impossibilitado de se deslocar para o seu local de trabalho ou de o fazer com as condições de segurança que se impõem”.
Também Pedro da Quitéria Faria, coordenadora da área de direito do trabalho da Antas da Cunha Ecija, considera a falta como justificada e sem perda de remuneração.
“Sem prejuízo de nos encontrarmos no âmbito de uma recomendação do IPMA ou de presidentes de câmara, atendendo aos interesses e direitos constitucionalmente consagrados em presença, na minha interpretação, a falta é justificada nos termos do artigo 249º, n.º 2, alínea d) do Código do Trabalho porque motivada por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador. Tal entendimento emerge do facto de o elenco de motivos previsto nesta norma não ser taxativo, o que permite considerar atendível nas actuais circunstâncias o fenómeno meteorológico atípico e extremo como justificação para faltar ao trabalho”, sublinha.
Ainda assim, e contrariamente ao que defende Fausto Leite, este advogado recomenda que o trabalhador justifique a falta assim que possível, “provando a impossibilidade de deslocação, ainda que tenha de solicitar declaração de entidade administrativa competente que ateste o fenómeno atmosférico severo”.
O advogado Pedro Furtado Martins nota que o artigo em causa pode ter leituras diferentes, mas, em termos práticos, considera que “dificilmente estas faltas são injustificadas com efeitos disciplinares”. “Até perante os apelos das autoridades para que as pessoas fiquem em casa, não se pode sancionar os trabalhadores por não se apresentarem ao trabalho”, defende.
Já quanto ao pagamento do dia, este advogado dá conta de algumas dúvidas relacionadas com a forma como o Código do Trabalho está redigido, mas nota que na “maioria dos casos” os empregadores vão considerar as faltas justificadas e remuneradas.