Mau tempo: o filme do dia, área a área
No dia em que choveu de mais na zona de Lisboa, houve escolas e estradas encerradas, caves inundadas, muros destruídos, transportes em falta. Uma tragédia impossível de precaver, disse Carlos Moedas.
Lisboa acordou "líquida", como escreveu Manuel Carvalho numa crónica sobre a aventura de chegar à redacção do PÚBLICO, em Alcântara, nesta terça-feira. Mas não foi só na capital do país que o mau tempo fez estragos. Em Cascais faltou a luz, na Marinha Grande faltou água, caíram muros em Algés, os transportes foram suspensos, não houve comboios e o futebol jogou-se sem adeptos no estádio. A situação nos diferentes distritos foi melhorando ao nível dos alertas da Protecção Civil e do IPMA, mas a bonança não veio logo a seguir à tempestade.
O primeiro impacto: estradas cortadas
Os primeiros efeitos do mau tempo que se abateu pela zona da Grande Lisboa, e não só, sentiram-se ao nível da rede viária e dos transportes. Antes das oito da manhã, já havia notícia de várias estradas cortadas em Loures, Odivelas, Oeiras, Torres Vedras e Lisboa por causa de inundações, quedas de árvores e de muros ou pontões colapsados.
A Autoridade Nacional de Emergência e de Protecção Civil (ANEPC) divulgou uma primeira lista que incluía no conjunto de vias intransitáveis os túneis do Campo Pequeno, Campo Grande, Avenida João XXI e Avenida de Berlim, e outras vias que servem de acesso à cidade.
Constrangimentos nos transportes
Os condicionamentos de trânsito provocados por inundações ou quedas de muros e árvores afectaram a circulação dos transportes públicos. Como havia falta de táxis, de TVDE e até de trotinetes, os poucos autocarros da Carris circulavam cheios.
O Metropolitano anunciou as primeiras restrições nas estações do Jardim Zoológico e Chelas. Em comunicado, também a Infra-estruturas de Portugal informou que suspendeu a circulação em várias vias e troços das Linhas do Norte, Sintra e de Cascais. A Linha do Norte, por exemplo, esteve interrompida nas quatro vias entre Sacavém-Bobadela Sul e Alverca.
Mais tarde, a Transtejo acabou por anunciar a suspensão da ligação fluvial entre Trafaria, Porto Brandão e Belém por motivos técnicos e por tempo indeterminado.
Escolas e universidades fechadas
Isaltino Morais foi o primeiro autarca a anunciar o encerramento das escolas no concelho de Oeiras e a pedir aos encarregados de educação para irem buscar os seus educandos até à hora de almoço, antes de as condições meteorológicas voltarem a agravar-se.
Em Lisboa, não houve nenhuma decisão no sentido de encerrar as escolas, mas o Instituto Espanhol de Lisboa suspendeu as aulas por causa das inundações na zona do Dafundo. O mesmo sucedeu com o Liceu Pedro Nunes e com o Filipa de Lencastre. Saldanha, Benfica, Alvalade, Olivais e Parque das Nações são alguns dos bairros lisboetas onde muitas escolas começaram o dia com aulas, revertendo, entretanto, a decisão.
Também não houve aulas em algumas universidades, como a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa ou o Instituto Superior de Agronomia, na Ajuda.
O apelo: “Fiquem em casa”
Tal como Isaltino Morais, em Oeiras, também Carlos Moedas foi cedo para o terreno para a acompanhar a evolução do temporal que se abateu sobre Lisboa. “Uma situação de tragédia impossível precaver”, disse. À boleia de uma carrinha da Protecção Civil, o autarca viu árvores e muros caídos, estradas cortadas, algumas ainda inundadas, carros avariados um pouco por todo o lado e viaturas dos bombeiros em emergência a atravessarem as ruas permanentemente.
Passou pela Azinhaga da Torrinha, na freguesia de Santa Clara (perto do Lumiar), onde um deslizamento de terras impediu uma dezena de pessoas de saírem de casa, antes de seguir para a Rua de Pedrouços, quase colada ao concelho de Oeiras. Aqui, duas equipas dos Bombeiros Sapadores de Lisboa retiravam a água que inundava uma escola local e um restaurante. Esteve também em Belém e em Alcântara.
Nas suas intervenções ao longo do dia foi repetindo sempre o mesmo apelo: “Fiquem em casa.”
Urgências condicionadas
O mau tempo também teve impacto nos serviços de saúde, públicos e privados. No sector privado, houve notícia de consultas adiadas pontualmente na CUF e na Luz Saúde. No sector público, o caso mais paradigmático foi o do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca (Amadora-Sintra) que acabou por restabelecer durante a tarde o serviço para o atendimento de doentes urgentes, depois de ter solicitado, de manhã, o seu reencaminhamento, confirmou o gabinete de comunicação. A Urgência do Hospital foi afectada pelo mau tempo que se fez sentir durante a noite e madrugada.
Já fonte do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, que integra os hospitais de S. Francisco Xavier, Egas Moniz e de Santa Cruz, confirmou que durante a noite houve pequenos constrangimentos com a entrada de água em algumas zonas do S. Francisco Xavier, rapidamente ultrapassados.
Cortes de electricidade
Alguns pontos da cidade de Lisboa debateram-se com cortes de electricidade (Campo de Ourique ou Rato) e o mesmo aconteceu em vários bairros de Cascais abastecidos pela Subestação da Abóboda.
A E-Redes, empresa responsável pela distribuição de electricidade na generalidade do território continental, teve “registo de centenas de casos de falhas de iluminação de norte a sul" do país. Apesar da gravidade da situação provocada pelas cheias em Lisboa e nos concelhos adjacentes, as falhas de serviço não se concentraram apenas nesta região, disse fonte oficial da E-Redes, acrescentando que, “num universo de mais de seis milhões [de pontos de consumo]”, o problema “é residual”.
Cortes de água
No distrito de Leiria, várias zonas da Marinha Grande tinham luz, mas não tinham água devido ao mau tempo. “Na sequência do mau tempo dos últimos dias, a Câmara Municipal informa que o abastecimento de água em alguns lugares da Marinha Grande, nomeadamente nas zonas de Picassinos e Comeira, está a ser afectado”, referiu a autarquia numa publicação na rede social Facebook.
O furo de captação localizado na Rua António Maria da Silva, em Picassinos, é o principal para o abastecimento de água naquelas zonas, mas, nos últimos dias, constatou-se que a sua coluna de revestimento “apresenta sinais de rotura interior, que está a originar água turva nestas zonas”. A situação obrigou à interrupção temporária do abastecimento.
Alertas em mudança
Ao longo do dia, o país foi oscilando entre alertas amarelos e laranja do IPMA. A situação mais complicada verificou-se a meio do dia, altura em que todos os distritos de Portugal continental, à excepção de Bragança, estavam sob aviso laranja.
A meio da tarde, perante uma melhoria das previsões, Lisboa e Setúbal deixaram de estar em alerta laranja e passaram a alerta amarelo. O mesmo aconteceu com Faro e Beja.
Ao nível dos rios, foram emitidos avisos para eventuais inundações nas bacias do Tejo, do Minho (Caminha, Monção e Valença), do Lima (Arcos de Valdevez, Ponte da Barca e Ponte de Lima), do Cávado (Braga, Barcelos e no rio Este-Braga), do Ave (Santo Tirso), do Douro (Foz do Douro, Peso da Régua e Pinhão) e do Vouga.
Aumento dos caudais do Tejo
A Comissão Distrital de Protecção Civil de Santarém accionou o Plano Especial de Emergência para Cheias na Bacia do Tejo, no nível Amarelo, devido ao "aumento considerável dos níveis hidrométricos e caudais do rio Tejo, especialmente nos provenientes de Espanha". Há risco "muito significativo" de o rio galgar as margens.
A subida do nível da água, devido à forte precipitação dos últimos dias em Portugal e Espanha, levou à submersão de parte do parque de estacionamento de Constância, junto ao rio Zêzere, e do cais de Tancos, no concelho de Vila Nova da Barquinha.
O maior número de ocorrências devido à forte ocorreu no concelho de Coruche (14), seguindo-se Abrantes (11), num total de 87 ocorridas no distrito de Santarém.
Futebol à porta fechada
Os estragos do temporal não chegaram aos estádios de futebol, nem impediram o confronto entre o Sporting e o Marítimo, mas o estádio José Alvalade não terá adeptos.
Em comunicado, o Sporting, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) e o Marítimo, “em articulação directa com a protecção civil”, confirmaram a realização do jogo, tal como previsto, às 20H45, no recinto ‘leonino’. No entanto, e de acordo com o mesmo comunicado, este, “por razões de segurança, será realizado sem adeptos nas bancadas, tendo em consideração as condições meteorológicas na cidade de Lisboa e em linha com as várias recomendações das mais variadas autoridades durante o dia”.
Inundações em Évora e Campo Maior
Os efeitos do mau tempo não se verificaram só em Lisboa. Até às 11h30, a chuva intensa provocou 36 inundações no distrito de Évora, em vias públicas e habitações, tendo deixado quatro pessoas desalojadas no concelho de Estremoz (onde ocorreram 13 das 36 inundações).
Em Campo Maior, a água dentro de algumas casas subiu mais do que um metro e meio e chegou “quase até ao tecto”. Inundações em garagens e em vias públicas ou automóveis submersos são alguns dos danos que o mau tempo causou naquela região, de acordo com fonte camarária. Entretanto, as autoridades anunciaram que vai ser accionado o Plano Municipal de Emergência de Protecção Civil.
Ilhas pouco afectadas
Na Madeira, houve problemas para quem chegou de avião e, nos Açores, os problemas foram para quem chegou de barco, pelo menos à Ilha das Flores. No Funchal, além da forte agitação marítima, o vento intenso colocou dificuldades nas chegadas e seis voos foram cancelados, de acordo com o Diário de Notícias da Madeira. Houve ainda três aviões que foram desviados para outros destinos antes de aterrarem.
Nos Açores, o porto das Lajes das Flores anunciou que permanecerá encerrado devido às condições meteorológicas. A forte agitação marítima "fez com que fossem arremessadas", para o interior da baía do porto, "pedras que constituíam o antigo quebra-mar". com Daniela Carmo, Carolina Amado, Luciano Alvarez, Ana Maia e Inês Chaíça