Acelerar a transição agroecológica

Com 8 mil milhões de pessoas no planeta, aumenta a pressão para uma agricultura mais eficiente, resiliente às alterações climáticas, e mais amiga das pessoas e da Terra.

Decorre em Montreal a 15ª Conferência das Partes (COP15) da Convenção sobre a Diversidade Biológica. Aguarda-se a adoção de um roteiro para a atual década - "o quadro global de biodiversidade pós-2020" -, destinado a travar a perda de biodiversidade, apostando num programa e numa visão de longo prazo ("viver em harmonia com a natureza" - Visão 2050), uma estratégica de justa correspondência entre as metas para a biodiversidade e a neutralidade carbónica.

O texto do acordo identifica 22 objetivos para a presente década, sendo mais conhecidos os que dizem respeito ao compromisso para proteger 30% dos ecossistemas do planeta (terra e mar) ou restaurar pelo menos 20% de áreas degradadas. Mas o acordo deverá abrir a porta a outros objetivos relevantes para a conservação da biodiversidade, destacando a limitação da utilização de pesticidas e aditivos tóxicos na agricultura, e o propósito de reduzir o desperdício alimentar e o consumo.

É a desejada e indispensável transformação do sistema alimentar global, que enfrenta crescentes desafios sociais, ambientais e de saúde pública. Com 8 mil milhões de pessoas no planeta, aumenta a pressão sobre a produção alimentar, ao mesmo tempo que se impõe uma mudança urgente para uma agricultura mais eficiente, resiliente às alterações climáticas, e mais amiga das pessoas e do planeta.

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Produção de ervas aromáticas biológicas. Jose Sarmento Matos /Arquivo

Reconhecendo a necessidade de acelerar a transição para sistemas alimentares sustentáveis, mais seguros e mais saudáveis, e prevenir a perda de biodiversidade, surgiram vários programas políticos europeus, destacando-se o acordo ecológico europeu, em particular a iniciativa “Do prado ao prato”, com o objetivo de reduzir em 50% a utilização de pesticidas até 2030 (a que se associam outras metas importantes, como a redução em 20% do uso de fertilizantes ou 25% de solos em agricultura biológica). Estas orientações políticas europeias são transpostas para os planos estratégicos nacionais no âmbito da política agrícola comum (PAC) e serão desejavelmente indutoras da mudança sistémica.

Nas últimas décadas, a produção agrícola tornou-se muito dependente de aditivos, incluindo fertilizantes sintéticos, particularmente nos sistemas de produção em larga escala. Os impactos ambientais e sociais desta agricultura são insustentáveis, pelo que a mudança de paradigma agrícola é inexorável. A agroecologia é a abordagem alternativa e sistémica; baseia-se no conhecimento local e ecológico, respeita e valoriza as comunidades, e confronta a proliferação de agroquímicos.

A agroecologia é ao mesmo tempo uma ciência, um movimento social e uma prática. Na sua origem, na década de 1930, a ciência começou a aplicar os princípios ecológicos à agricultura, sendo que a escala e a dimensão foram crescendo. Na década de 1960, as preocupações sociais com o ambiente e a oposição à agricultura industrializada atribuíram à agroecologia a identidade de movimento social, em particular na América Latina.

Mais tarde, na década de 1980, a agroecologia foi finalmente descrita como um conjunto de práticas agrícolas, visando alternativas a fertilizantes e pesticidas sintéticos, e privilegiando técnicas de conservação do solo e da biodiversidade. Com um enfoque inicial na pequena propriedade, a agroecologia estendeu-se mais tarde ao agroecossistema e, mais recentemente, a todo o sistema alimentar, incluindo a totalidade das cadeias de abastecimento agrícola, e os consumidores.

Hoje podemos dizer que se afirma uma agroecologia que coexiste como ciência, movimento e prática. Os praticantes, os cientistas, os ativistas e os produtores, contribuem coletivamente para que a agroecologia se estruture numa abordagem à produção, transformação e consumo de alimentos, incluindo preocupações ambientais, sociais e económicas, desenvolvendo-se desta forma os processos e os quadros de referência de apoio à transição para sistemas alimentares mais agroecológicos.

É preciso apoiar contextos mais favoráveis à proliferação das práticas agroecológicas e incentivar a sua apropriação progressiva pela generalidade da agricultura nacional. A formação nesta área é um grande desafio para as escolas técnicas e para o ensino superior, e também para a administração que acompanha o sector agrícola. O consumidor é cada vez mais atento ao impacto do sistema alimentar no ambiente e na saúde, e está disponível para a adoção de práticas sustentáveis, racionais e ecológicas no consumo e na produção de alimentos.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico