Para quando uma capital à prova de água?
Sempre que há uma desgraça pública como a das cheias de Lisboa e de municípios vizinhos, o país não só se entrega à sua veneração a Santa Bárbara (da qual só se lembra quando há prejuízos com o mau tempo), como se empenha a fundo a encontrar culpados para o que aconteceu. É fundamental que se façam perguntas e encontrem respostas sobre a forma como as autoridades lidaram com as inundações; mas já não é normal que se aceite sem protesto a repetição ano após ano, cheia após cheia, do adiamento de uma série de obras para evitar os seus maiores danos.
Perante tudo o que se passou, podemos já perceber que houve falhas na avaliação do poder do temporal e houve erros e omissões no aviso do perigo aos cidadãos. Bem sabemos que com tantos avisos, em grande medida inconsequentes, há o risco de as pessoas se habituarem a desvalorizá-los.
Mas em Lisboa havia já dados do IPMA a alertar para uma situação anormal; e as chuvas intensas do final da tarde confirmavam-nos. Face a este contexto, custa a perceber como o IPMA só elevou o aviso para vermelho às 22h30. E não se entende como foi possível que esse aviso não levasse a Protecção Civil a fazer um alerta geral.
Um alerta atempado tinha permitido à polícia entrar no terreno mais cedo, teria evitado que muitas pessoas não se arriscassem nos túneis, teria concedido mais tempo a moradores de zonas mais sensíveis para se precaverem contra a destruição. Quando a situação estava perto do caos, a resposta das polícias e de todos os agentes da protecção civil foi notável. Convém perceber o que se passou antes de ser necessário irem para a rua.
Convém, no entanto, não acreditar em milagres. Uma articulação perfeita entre os serviços meteorológicos e a Protecção Civil não evitaria nunca os riscos e os danos das cheias. Os agentes da autoridade falham como todas as pessoas e, mesmo que não falhem, uma elevada concentração de chuva em tão pouco tempo causará sempre graves problemas numa cidade densa e construída ao arrepio dos cursos de água, como Lisboa.
É neste capítulo que entra o planeamento. As obras que a autarquia anda a anunciar há anos e que Carlos Moedas prometeu lançar jamais serão consensuais. Mas têm de avançar. Uma capital europeia não pode permanecer vulnerável a picos de pluviosidade. Não se fazendo nada, na próxima inundação, continuaremos a duvidar da limpeza de sarjetas, a criticar a Protecção Civil e a protestar contra a indecisão ou o imobilismo das autoridades. Já morreu gente a mais e já houve prejuízos a mais para que tudo continue na mesma.