Quase metade das crianças e jovens em acolhimento frequenta o ciclo escolar abaixo da sua idade

Menos de 40% dos jovens entre os 15 e os 17 anos frequentam o ensino secundário. “Muitas das competências necessárias para a escolaridade ficaram comprometidas pela situação de perigo.”

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Há assim 1301 alunos que podiam estar no secundário mas ficaram retidos abaixo do 10º ano tiago lopes

Na capítulo da escolaridade, em relatórios anteriores sobre as crianças e jovens a viver em instituições era dada especial atenção a uma vigilância da escolaridade obrigatória. Já o Relatório CASA – Caracterização Anual da Situação de Acolhimento de 2021, divulgado esta sexta-feira, revela em maior detalhe o percurso educativo, e o seu potencial de insucesso no contexto de menores à guarda do Estado.

Apenas 55% das crianças acolhidas frequentam o ciclo a que corresponde a sua idade, de acordo com os dados do Relatório CASA, e relativos a todos os ciclos (da educação pré-escolar ao secundário, passando pelos três ciclos do básico).

Em cada um deles há uma discrepância, que se acentua no secundário. “Dentro da escolaridade obrigatória, face ao ciclo de estudos em que se situam, constata-se que 88% das crianças, entre os seis e os nove anos de idade, encontram-se no 1.º ciclo, mas apenas 39% dos jovens entre os 15 e os 17 anos frequentam o ensino secundário”, lê-se no documento. Há, assim, 1301 alunos que podiam estar no secundário mas ficaram retidos abaixo do 10.º ano.

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Catarina Marcelino, presidente do Instituto da Segurança Social, garante que as crianças à guarda do Estado “estão a ter as mesmas oportunidades” que as crianças que vivem nas suas famílias, nuclear ou alargada, de acolhimento ou de adopção.

A responsável atribui estas diferenças não ao sistema de acolhimento, mas ao que vem antes dele. Ou seja, aos contextos da família em perigo que lhes terão criado "atrasos nas oportunidades".

"As crianças, durante o seu percurso de vida, já estão, muitas vezes, em abandono escolar, a viver processos difíceis. Quando chegam ao acolhimento, já estão em atraso relativamente às outras crianças”, justifica. "Mas quando entram no sistema, nas casas de acolhimento, são crianças que têm as mesmas oportunidades", diz, fazendo também alusão à existência do Plano CASA, como um instrumento pensado com esse objectivo.

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Este projecto – que, segundo o relatório, chegou a 2469 crianças em 215 casas de acolhimento envolvidas –​ "visa dar resposta específica às problemáticas" destes menores, como por exemplo "no reforço dos seus processos de formação escolar (...) mediante a afectação de docentes para apoio pedagógico nas casas de acolhimento". Houve 302 docentes afectos a este plano, refere o documento.

Seja como for, as discrepâncias são significativas também em idades intermédias e não apenas no ensino secundário: para o conjunto de 1133 crianças e jovens acolhidos entre os 12 e os 14 anos de idade, apenas 674 (59%) estão no ciclo escolar respectivo; entre as crianças acolhidas de dez e 11 anos, que são no total 441, apenas 198 (ou seja, 45%) estão numa turma do ciclo a que corresponde a sua idade.

Para a professora da Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto Maria Barbosa Ducharne, estes indicadores revelam sobretudo o impacto das experiências na infância no percurso escolar. Muitas das competências necessárias para a escolaridade ficaram comprometidas pela situação de perigo na família, diz.

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“Quem trabalha em acolhimento tem esta preocupação de encontrar percursos alternativos, de não fechar os jovens na exigência de seguirem o ensino regular que, sabemos, seria votar ao fracasso muitas crianças e obrigá-las depois a sair da escola sem competências nenhumas”, salienta Maria Barbosa Ducharne sobre a maior predominância do ensino profissional nos jovens a partir dos 15 anos, reflectida nos dados do relatório.

"Agora, eu acho que este panorama traduz bem aquilo que a investigação tem vindo a mostrar. Haver experiências de adversidade na infância compromete o desenvolvimento das crianças. A investigação na área das neurociências é muito clara ao mostrar como as estruturas cerebrais e o seu próprio funcionamento ficam comprometidos (...) pelo impacto dos níveis elevados de stress, a experiência de stress crónico e tóxico" a que estão expostas estas crianças.

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