Foram anunciados nesta sexta-feira os detalhes daquele que vai ser o primeiro corredor de hidrogénio com produção verde da União Europeia, depois de um mês de trabalho entre equipas técnicas e ministérios. Baptizado como H2Med, na prática são troços de gasoduto que só vão permitir a passagem de hidrogénio, com 2030 como horizonte de construção: Celorico da Beira a Zamora (CelZa), com 248 quilómetros, e Barcelona a Marselha (BarMar), com 455 quilómetros de extensão.
A ideia é que por este corredor passe, no final da década, 10% do consumo de hidrogénio (H2) na União Europeia, cerca de dois milhões de toneladas por ano, sendo que o CelZa estará apto a transportar 750 mil toneladas. Para viabilizar o projecto de interesse comum europeu e fazer chegar o hidrogénio dos centros de produção a Celorico da Beira e de Zamora a Barcelona, parte da rede de gás natural actualmente existente na Península Ibérica vai ter de ser reconvertida.
Na parte portuguesa, estudados já pela REN, está em causa o troço da Figueira da Foz a Celorico da Beira, com maior potencial e que terá um custo de reconversão a rondar os 120 milhões de euros, estando também prevista a reconversão da tubagem de Monforte a Celorico. Na parte espanhola, a rede reconvertida prosseguirá pelo Norte até à Catalunha. Sines ficará, por enquanto, de parte graças à melhor localização na rede da Figueira da Foz. Segundo o Ministério do Ambiente e Acção Climática, estão já previstos projectos para esta cidade.
Os operadores de rede de Portugal, Espanha e França, no caso português a REN, devem chegar a um memorando de entendimento na próxima segunda-feira e a proposta deverá dar entrada em Bruxelas na quinta-feira. Segundo fontes ligadas ao processo, o financiamento europeu na fase de construção do H2Med pode chegar aos 75%. De Celorico a Zamora estão previstos ser gastos 300 milhões de euros e o subaquático gasoduto entre Barcelona e Marselha dispara os custos para os 2,5 mil milhões.
Na cidade valenciana de Alicante e em conferência de imprensa conjunta, os líderes de Portugal, Espanha e França e a presidente da Comissão Europeia juntaram-se para apresentar à Europa a energia “game changer”. O objectivo para o final da década é, segundo Ursula Von der Leyen, a produção de dez milhões de toneladas na União Europeia e a importação de outros dez milhões de toneladas: “Queremos que o hidrogénio seja parte essencial da política energética.” Por pressão dos franceses, o hidrogénio não será apenas “verde”, mas também “nuclear”, uma vez que de França veio o pedido de que a utilização das centrais nucleares francesas para produção de H2 não inviabilize o financiamento europeu.
A cumplicidade entre os líderes europeus também ficou presente na curta apresentação à imprensa, levando Macron a destacar o “papel activo” do primeiro-ministro português para se alcançar um acordo. António Costa fala de um projecto que satisfaz “não só o interesse de Portugal e Espanha, mas de toda a Europa”, sendo este “um excelente exemplo de cooperação entre países”. Para quem, em Portugal, questiona a aposta do Governo neste projecto, o primeiro-ministro fez questão de deixar claro que o país é “beneficiário líquido” do investimento porque tem “dificuldade de chegar ao resto da Europa sem ser com [o apoio de] Espanha e França”.
O presidente do Governo de Espanha, Pedro Sánchez, defendeu a aposta que “reforça a autonomia estratégica da União Europeia e reafirma a determinação europeia para com a neutralidade carbónica”, querendo “Espanha a liderar, com Portugal e França, a transição energética”. Depois de anos de veto ao MidCat, Emmanuel Macron admitiu que “atravessar os Pirenéus era complicado”, daí a opção pelo novo traçado BarMar, que permitirá cumprir três objectivos: o climático – reduzindo emissões e abandonando os combustíveis fósseis –, industrializar o continente europeu de forma competitiva e aumentar a autonomia estratégica e a independência energética.
Do acordo de 2015, mantêm-se também quatro interligações eléctricas para reforçar a conectividade entre a península e o centro da Europa, cuja interligação actual é muito baixa: duas estão em execução – Portugal-Espanha (via Galiza), a concluir até 2024, e Espanha-França pelo golfo da Biscaia, a terminar em 2027 –, depois há outras duas ligações pelos Pirenéus em ainda em projecto.