#ClimateScam. Cépticos das alterações climáticas estão a invadir o Twitter
Numa “resistência crescente à acção climática”, o número de tweets de cépticos passou de três para 100 mil publicações mensais este ano. Vários cientistas estão a abandonar a plataforma.
Uma fraude climática. É o que diz, como se fizesse uma acusação, a hashtag que tem vindo a ser disseminada no Twitter, associada a publicações de utilizadores que não acreditam que a Terra está a aquecer. #ClimateScam é, regularmente, o primeiro resultado quando se escreve “climate” (o inglês para “clima”) na barra de pesquisas da rede social, consequência de uma explosão de publicações. A esta invasão soma-se uma debandada de cientistas que abandonaram as suas contas nesta rede social. E, assim, acabam por dar ainda mais espaço aos cépticos e negacionistas.
Até Junho deste ano, a hashtag não chegava às três mil publicações mensais, mas este número foi rapidamente ultrapassado nos meses seguintes. Agora, mensalmente, ultrapassa as 70 a 100 mil publicações. Os dados foram citados por Jem Bendell, fundador do Instituto de Liderança e Sustentabilidade (IFLAS, na sigla em inglês) da Universidade de Cumbria, durante a COP27. No discurso, o investigador comparou o seu uso com o da hashtag #ClimateJustice ( “justiça climática” ), afirmando que, para cada publicação que menciona “#ClimateJustice”, existem duas publicações e meia a mencionar “#ClimateScam”.
“Estas tendências no Twitter são um indicador da resistência crescente à acção climática”, acrescentou, na altura.
Contudo, o crescimento denunciado por Jem Bendell durante a COP27 não é assim tão recente. Um estudo realizado pela City, da Universidade de Londres, que analisou o discurso no Twitter durante as conferências do Clima entre 2014 e 2021, revelou que, já durante a COP26, no ano passado, houve uma maior “polarização ideológica” – isto é, mais utilizadores com opiniões contrárias à norma. Os autores apontam ainda que, desde 2019, críticas e acusações de hipocrisia são assuntos mais prevalentes na discussão climática.
Cientistas em fuga e efeito Elon Musk
O fenómeno está a levar investigadores da área do ambiente a desistir do Twitter, segundo relatou o The Guardian há uma semana. Twila Moon, cientista do National Snow and Ice Data Center, nos Estados Unidos, está a deixar a rede social e aponta o facto de Elon Musk ter assumido o controlo e despedido várias equipas, incluindo moderadores de conteúdo, como um factor decisivo para a disseminação de opiniões que contrariam as provas científicas. Michael Mann, investigador da Universidade da Pensilvânia, seguiu os mesmos passos: não tendo ainda apagado a conta do Twitter, criou uma no Mastodon [nova rede social com o mesmo conceito], em que “há debates interessantes a acontecer”, conta ao Guardian.
E esta desistência é “compreensível”. Em entrevista ao PÚBLICO, João Miguel Dias, investigador do Departamento de Física e membro da coordenação do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (Cesam) da Universidade de Aveiro, afirma considerar que “era melhor” os cientistas manterem-se na rede para “ajudar a disseminar a informação correcta”. Contudo, o investigador reconhece que é “desgastante” estar num contexto em que a partilha de uma opinião leva a “comentários insultuosos” – porque “os cientistas são humanos e não estão para aturar certas coisas”, remata.
“As pessoas não percebem o que é o clima”
Basta ficar cinco minutos a navegar pelas publicações com a hashtag #ClimateScam para dar de caras com uma variedade de opiniões. Se, por um lado, existe um ponto em comum – o cepticismo ou o negacionismo –, por outro, esta descrença não precisa de ser necessariamente sobre alterações climáticas. Uma minoria fala das elites. São os mais ricos, os “grandes culpados” pelas emissões de gases de efeito de estufa, ou os políticos, que “cobram impostos e nada fazem”.
“A televisão disse-me que, se comer insectos e der mais dinheiro ao governo, o tempo vai estar melhor”, pode ler-se, em tom irónico, num dos tweets com mais interacções.
Para João Miguel Dias, esta descrença nas medidas governamentais é natural e expectável. “As pessoas estão cansadas. Às vezes, fala-se demasiado no clima. Há muitas medidas, e as pessoas não acreditam que vão resultar. A verdade é que já houve várias COP e o resultado delas é sempre abaixo do que é a expectativa. Há algum descrédito e desânimo face aos políticos”, diz ao PÚBLICO, acrescentando que estes debates se geram mais facilmente nas alturas em que decorrem conferências do clima.
Já o negacionismo em relação às alterações climáticas propriamente ditas tem origens muito concretas, segundo o membro da coordenação do Cesam. Em primeiro lugar está a “falta de literacia científica da população”, que leva a uma percepção distorcida da realidade. O investigador reconhece que grande parte dos cidadãos não consegue distinguir entre tempo e clima.
“As pessoas não percebem o que é o clima. Têm uma percepção do estado do tempo e daquilo que as afecta, mas têm muita dificuldade em perceber que o clima é algo que se reporta a três décadas, no mínimo, de estados de tempo consecutivos”, afirma.
Dizer, por exemplo, que a temperatura média do ar está a subir não quer dizer que o último Verão foi necessariamente mais quente. Por outro lado, é possível dizer que estão a ocorrer, em média, mais cheias e, ao mesmo tempo, estar-se em ano de seca em Portugal. Falar em alterações climáticas é, segundo João Miguel Dias, “falar em médias de longo termo e não do imediato”.
Uma outra origem está na comunicação – ou na falta dela. Se, por um lado, “os cientistas não têm a capacidade de chegar ao público geral”, por outro, “a informação vem, muitas vezes, de notícias que têm tendência a disseminar mais vezes o que é catastrófico”, opina o cientista do Cesam.
Mais informação gera mais desinformação?
A disseminação de informação que vai contra as provas científicas nas redes sociais é dependente de uma série de variáveis, e o dilema começa com a distinção entre actividade orgânica e actividade não orgânica.
Inês Narciso, investigadora do Instituto Universitário de Lisboa com estudos em desinformação nas redes sociais, inclusive em tempo de pandemia, explica que actividade orgânica é a criada por “campanhas de influência”, isto é, “quando existem interesses económicos, as entidades, “de forma deliberada ou organizada”, promovem esse conteúdo. Com perfis falsos ou sistemas automáticos de partilha, “é fácil enganar os algoritmos”, que passam a considerar que devem mostrar o conteúdo a vários utilizadores.
Por outro lado, a actividade não orgânica nasce das interacções humanas. Inês Narciso é da opinião de que quem acredita em teorias “que questionam o paradigma da sociedade e das instituições”, como é o caso da negação das alterações climáticas, vive essa crença “de forma muito intensa”, acabando por interagir mais com o conteúdo que as promove, o que alimenta o algoritmo. As reacções e comentários de desaprovação numa determinada publicação têm o mesmo efeito, visto que o sistema “reage à interacção humana”, independentemente de qual for. Assim, combater a desinformação nas redes sociais passa por não interagir com ela.
A investigadora do Instituto Universitário de Lisboa admite que pode existir “alguma responsabilidade por parte das plataformas”, mas, cientificamente, é impossível descobrir o seu impacto. Inês Narciso defende que há uma falta de “transparência” das redes sociais, no sentido em que não partilham o que está por trás dos algoritmos que usam.
“É muito difícil termos a certeza de qual é o peso e o impacto que tem a mão humana ou de qual é o peso de outras variáveis que podem estar a ser programadas dentro do algoritmo. Nós não temos acesso a esse algoritmo”, diz ao PÚBLICO.
O facto de “#ClimateScam” ser o primeiro resultado quando se pesquisa por “climate” no Twitter é, para Inês Narciso, uma incógnita. Não se sabe se os resultados são ou não “promovidos pelo algoritmo”, nem se os utilizadores são “genuínos”, o que não permite tirar conclusões. Ainda assim, a investigadora não considera surpreendente a ascensão recente de cepticismo nesta rede social.
“Esta não é uma narrativa nova. É uma narrativa em que, simplesmente, existem períodos históricos, como foi agora a COP27. Ela surge, porque existe uma maior atenção e pesquisa por parte da população em geral. E, obviamente, existe também um maior empenho por parte de quem tem este tipo de teorias em passar a sua mensagem. Produz-se mais informação sobre aquele tema e, automaticamente, mais desinformação”, conclui.
Texto editado por Andrea Cunha Freitas