E se aproveitássemos a produção de plástico para tirar carbono da atmosfera?
Sector do plástico pode ter papel positivo na mitigação das alterações climáticas até 2100, mas teria de usar biomassa vegetal em vez de combustíveis fósseis. Ainda assim, o “mais eficaz é reduzir”.
Das profundezas do oceano ao sangue humano, o plástico tornou-se um problema de poluição ubíquo, que além de tudo acelera as alterações climáticas. Em 2015, este sector gerou 4,5% das emissões mundiais de gases com efeito de estufa, um valor superior ao da aviação. Se nada for feito, as emissões poderão mais do que triplicar até ao fim do século. No entanto, uma equipa de cientistas da Universidade de Utrecht, nos Países Baixos, avançou com um cenário completamente diferente.
Os combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão, são a principal matéria-prima na produção do plástico. Mas, se em vez deste material de origem fóssil for usada biomassa vegetal, seria possível chegar a 2100 com emissões negativas de CO2, adiantam os investigadores. Ou seja, o sector do plástico, com ajuda de outras medidas como o aumento de preço do carbono e a economia circular, passaria a ajudar a retirar dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, podendo ter um papel positivo na mitigação das alterações climáticas. O estudo foi publicado esta quarta-feira na revista Nature.
“As plantas retiram CO2 [da atmosfera] enquanto crescem. Se usamos estas plantas para produzir plástico, o CO2 acumulado nos produtos de plástico causa emissões negativas, desde que sejam mantidos a uso e não sejam incinerados”, diz Paul Stegmann ao PÚBLICO, primeiro autor do artigo Futuros do Plástico e as Suas Emissões de CO2.
Montanhas de plástico
Desde que se inventou o plástico, a sua evolução foi imparável. De dois milhões de toneladas, produzidas em 1950, passaram-se para 390 milhões de toneladas em 2021. Isto faz com que este seja o material sólido “com o maior crescimento de produção a nível mundial”, lê-se no artigo.
Todos os anos, uma boa parte do plástico produzido é deitada para o lixo – principalmente o que é usado para embalagens e em produtos de pouca duração, como as garrafas. Mas cerca de 17% é plástico de longa duração, usado em material de construção e em edifícios. Por isso, de ano para ano, a quantidade de plástico na Terra vai aumentando. A equipa estimou que em 2050, o stock total de plástico será de 7,7 mil milhões de toneladas, uma subida de 4,5 mil milhões de toneladas face a 2020. E de 2020 até 2100 serão produzidas ao todo 100 mil milhões de toneladas de plástico.
Apesar de “o plástico poder oferecer benefícios ambientais, como reduzir o consumo de combustível ao tornar os veículos mais leves, o aumento do seu consumo está a ter impacto no ambiente”, resume o artigo.
Estas montanhas de plástico produzidas e descartadas traduzem-se em emissões de CO2. Se a evolução da produção de plástico não for travada, o sector poderá emitir cerca de 56 mil milhões de toneladas de CO2 até 2050. Este valor equivale a entre dez e 13% da quantidade de CO2 que o mundo pode ainda emitir se quiser que o aquecimento global fique abaixo dos 1,5 graus Celsius.
A maioria daquelas emissões surge “por causa da energia usada nos processos químicos ou nas perdas de conversão quando se transformam combustíveis fósseis, como o petróleo e o gás, em químicos e plásticos”, explica Paul Stegmann ao PÚBLICO. “A incineração do plástico que vai para o lixo é outra fonte importante de emissões de carbono”, acrescenta.
Quatro cenários
Perante este panorama, a equipa da Universidade de Utrecht foi observar o que aconteceria à produção de plástico e às emissões de CO2 até 2100 em quatro cenários diferentes. Os cenários serviram-se de um modelo que a equipa já tinha desenvolvido para o sector do plástico e que tem em conta não só o ciclo de plástico, com a extracção da matéria-prima, a produção, a reciclagem e o descarte do plástico, mas também as ligações deste sector com outros – como o da energia e o da agricultura –, e com o ambiente.
Por isso, o modelo “reage a mudanças do nosso sistema energético ou à disponibilidade e custos da biomassa para a produção de plástico”, afirma o investigador.
No primeiro cenário, a produção de plástico continua a ser maioritariamente baseada em combustíveis fósseis, atingindo um pico de emissões em 2090, com 5,7 mil milhões de toneladas de CO2 emitidas nesse ano. Nos restantes cenários, a equipa aplicou estratégias de mitigação. Todos os três cenários incluem um aumento do preço das emissões de carbono para evitar o aumento da temperatura média global além dos dois graus Celsius. Além disso, o primeiro dos três não tem mais nenhuma estratégia específica, o segundo aposta principalmente na economia circular e o terceiro aposta principalmente na bioeconomia circular.
“O cenário da economia circular apenas aumenta a reciclagem dos plásticos, mas não altera os recursos usados para a produção de plástico virgem, que se mantém e que é baseada em grande parte em combustíveis fósseis como o petróleo e o gás”, explica o investigador. “Um cenário de bioeconomia circular combina a reciclagem com um maior uso de biomassa.”
O aumento do preço das emissões de carbono tem um efeito importante. “Todos os três cenários de mitigação atingem o pico das emissões por volta de 2030 entre os 2,8 e três mil milhões de toneladas de CO2”, lê-se no artigo. Depois, as emissões decaem. “O aumento do preço de CO2 leva à descarbonização da produção eléctrica. […] Além disso, favorece uma mudança em direcção à biomassa e ao gás natural, provocando assim uma eliminação progressiva do uso de carvão e uma diminuição do uso de petróleo”, explica o artigo, revelando como modelo reage aos cenários propostos pelos investigadores.
Vantagens e desafios
Mas a partir dali há divergências. No primeiro dos três cenários de mitigação, o pico das emissões acontece um pouco depois de 2030. No final do século, embora as emissões de CO2 sejam negativas – já que o cenário também contempla o uso da biomassa vegetal – isto acontece porque deixa de haver incineração do plástico devido ao aumento do preço pago pelas emissões de CO2.
Como consequência, há “uma acumulação drástica de plástico nos aterros”, lê-se no artigo, subindo de 6,4 mil milhões de toneladas em 2020 para uns estimados 66 mil milhões de toneladas em 2100. Nos aterros, o “plástico e o seu carbono ficam sequestrados durante séculos”, adiantam os autores.
No cenário da economia circular a grande aposta é na reciclagem do plástico descartável. Apesar de haver uma grande diminuição do plástico a ir para o aterro, as emissões de CO2 em 2100 acabam ainda por ser positivas, já que os combustíveis fósseis continuam a ser uma parte importante da matéria-prima na produção de plástico.
O melhor dos cenários é, por isso, o da bioeconomia circular. “Ao combinar medidas da economia circular e aumentando o uso de biomassa [vegetal], a estratégia da bioeconomia circular alcança a maior redução de emissões cumulativas de todos os cenários analisados, ao mesmo tempo que elimina progressivamente os aterros e reduz a necessidade final de energia do sector do plástico”, conclui o artigo.
Mas há desafios: não só esta tecnologia tem de ser desenvolvida para que se torne mais rentável do que o uso de petróleo, como a necessidade de área agrícola para se produzir a biomassa pode ter consequências ambientais e de sustentabilidade alimentar. “Pode reduzir a biodiversidade e causar emissões de gases com efeito de estufa se florestas naturais como a Amazónia são destruídas para se obter a biomassa”, exemplifica Paul Stegmann. “É por isso que é importante ter padrões altos de sustentabilidade e um bom sistema de monitorização da produção de biomassa.”
Carbono na tecnosfera
O estudo, mais do que tudo, “sublinha a magnitude do desafio que está pela frente”, lê-se num comentário ao artigo científico, dos peritos Sangwon Suh, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e André Bardow, do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça.
Os autores falam, no comentário, sobre a tecnosfera, o universo de objectos produzidos pelos humanos a partir do seu conhecimento tecnológico: “O quinto compartimento onde o carbono pode ser armazenado”, depois da atmosfera, da biosfera, da hidrosfera e da geosfera. O plástico fará parte dessa quinta esfera. E apontam que o novo trabalho tem o “valor real” de colocar o foco nas condições socioeconómicas e tecnológicas que poderão permitir que isso aconteça.
“Parece plausível que o plástico se possa tornar num sumidouro de carbono no futuro”, reflectem os autores. “Mas será que se tornará nisso? Na nossa opinião, a resposta depende maioritariamente da capacidade da sociedade de criar uma paisagem socioeconómica e política que facilite essa transição, e não tanto no desenvolvimento das tecnologias necessárias.”
Além disso, este avanço teórico não responde a toda a poluição que o plástico tem vindo a produzir quando se transforma em lixo e vai parar aos ecossistemas. “A chave é evitar quaisquer perdas de plástico para o ambiente. Por via de uma gestão de lixo drasticamente melhorada e mudanças no design dos produtos, uma grande parte do lixo poderia ser evitado”, refere Paul Stegmann, que não deixa de defender um outro passo que hoje parece ser o mais radical.
“A solução mais eficaz é reduzir a necessidade de plástico e reduzir as emissões e a poluição. No entanto, isto só resulta se todo o serviço providenciado pelo plástico for reduzido. Se, por exemplo, apenas saltarmos do plástico para o vidro, as emissões de gases com efeito de estufa poderão ser ainda maiores.”