Quando o frio bate à porta em tempos de crise energética, torna-se um grande desafio aquecer as habitações sem receber uma factura de electricidade com três dígitos. O PÚBLICO procurou respostas para este problema e recorda algumas soluções económicas de aquecimento. Porém, antes de qualquer conselho, aqui fica também uma verdade inconveniente: se as construções não estão preparadas para o Inverno e escasseiam políticas públicas que protejam aqueles que estão mais expostos à pobreza energética, as sugestões que aqui damos remedeiam, mas não resolvem o problema. Para uma grande parte dos problemas nesta matéria há só uma solução: gastar dinheiro.
A minha casa é muito fria. O que posso fazer antes de ligar o aquecimento?
“Se a casa não estiver preparada, ou seja, se tiver uma baixa eficiência energética, infelizmente não existem muitas soluções passivas além de usar mais roupa dentro de casa ou tirar partido da exposição solar”, explica ao PÚBLICO a arquitecta Aline Guerreiro, do Portal Construção Sustentável.
Esta é, infelizmente, a realidade de 19% dos portugueses, segundo dados do Eurostat. São pessoas que vivem em contexto de pobreza energética, ou seja, passam frio dentro das próprias casas. A crise energética fomentada pela guerra na Ucrânia, que fez disparar os preços tanto do gás como da electricidade, só veio agravar este cenário.
Uma enorme fatia das casas portuguesas não foi construída ou adaptada para oferecer bem-estar térmico às famílias. Catarina Pereira, da cooperativa Coopérnico, recorda que 69,5% das habitações avaliadas em Portugal obtiveram as classificações energéticas menos eficientes (C e F).
Como posso tirar partido da luz solar?
Se a habitação tiver janelas voltadas para o sul, é possível tirar partido do sol. Aline Guerreiro sugere que os estores exteriores sejam levantados quando há luz solar, permitindo que a casa aqueça, e baixados antes do anoitecer. Para quem não dispõe de sistemas inteligentes que permitam controlar a casa à distância – a domótica ainda será um privilégio de poucos –, este conselho será mais útil e exequível para as pessoas que ainda estão em regime de teletrabalho. Se já chegamos a casa pelas 20h, por exemplo, o calor acumulado durante o dia pode já se ter dissipado.
No caso das janelas que não têm uma orientação privilegiada, ou seja, estão voltadas para o norte, o ideal é manter os estores exteriores descidos durante o dia. “Se possível, activar ainda uma protecção interior, como um cobertor junto ao vidro, para evitar maiores trocas térmicas”, explica a arquitecta.
Como posso aumentar a eficiência energética da minha casa?
Um dos passos mais importantes e menos valorizado é o isolamento térmico, afirma Catarina Pereira, gestora do projecto Powerpoor da cooperativa Coopérnico. Há várias medidas que garantem ao mesmo tempo maior conforto térmico e menos consumo de energia – mas que exigem investimento financeiro. Entre as medidas estão o isolamento térmico de paredes, coberturas e caixas de estores ou a instalação de janelas e portas que reduzam trocas térmicas.
Há quem prefira pôr uma segunda janela junto à actual. E há quem substitua a existente, com fraco desempenho energético, por outra dotada de caixilharia eficiente (seja em fibra de vidro, seja em alumínio com corte térmico). Aline Guerreiro desaconselha as opções em PVC, um material derivado do petróleo que “não é sustentável nem tem durabilidade”. O que importa é manter o frio o máximo possível “do lado de fora” e evitar que o calor acumulado no interior não se dissipe.
E se não tiver dinheiro para obras?
Programas governamentais têm vindo a oferecer apoios para tornar os imóveis mais eficientes, mas já terminou o prazo de candidatura para o mais abrangente deles, o Edifícios +Sustentáveis. Ainda está em vigor o Vale Eficiência, para o qual estão elegíveis proprietários que beneficiem da tarifa social de electricidade. Este apoio consiste em “cheques” que são entregues a famílias em situação vulnerável para que possam pagar obras que tornem as habitações mais eficientes. Porém, fica já o aviso: é uma solução que pode resultar numa poupança, mas implica tempo e muita paciência para ultrapassar os obstáculos da burocracia.
Especialistas consideram que as candidaturas ao programa Edifícios +Sustentáveis eram difíceis de preencher, excluíam aqueles que não têm literacia digital ou rendimento disponível para avançar com os custos das intervenções. É preciso conseguir suportar o custo da obra para poder receber (ou não) um apoio mais tarde. Por outras palavras, ficaram de fora os grupos vulneráveis, que moram muitas vezes em casas geladas e húmidas.
“Os apoios deveriam ter ido para os que mais precisavam, mas isto não aconteceu. As candidaturas eram feitas unicamente online e não era nada fácil preencher aquilo. Tive mesmo de ajudar pessoas instruídas a preencher”, conta Aline Guerreiro.
A cooperativa Coopérnico criou um gabinete local de apoio nergético “para fazer face às necessidades dos consumidores vulneráveis ou em insuficiência energética, contribuindo para aumentar a literacia energética da população”. Os cidadãos que beneficiam da tarifa social de electricidade podem recorrer gratuitamente a este serviço lançado no âmbito do projecto europeu Powerpoor, que ambiciona retirar 22 mil famílias europeias da pobreza energética até 2023.
“Para a nossa surpresa, o projecto não teve muita procura até agora”, afirma Catarina Pereira, gestora do projecto Powerpoor em Portugal, desenvolvido e coordenado pela Coopérnico. Este apoio não é financeiro, consistindo antes numa visita ao domicílio seguida de aconselhamento e consultoria técnica.
Vêm aí novos programas de apoio?
É possível que sim, mas não houve até ao momento um anúncio oficial. “Acredito que os apoios do PRR [o Plano de Recuperação e Resiliência] devem reabrir. Portugal tem de descarbonizar uma grande quantidade de edifícios até 2030”, afirmou ao PÚBLICO Catarina Pereira.
Se houver apoios para eficiência energética em 2023, onde devo investir?
Para aqueles que já se estão a preparar para o Inverno do próximo ano, na esperança de que novos programas de apoio sejam anunciados ou para os que estão dispostos a fazer umas poupanças com este destino, a arquitecta Aline Guerreiro tem na ponta da língua quais são as melhores apostas para uma melhor eficiência energética:
- Apostar em isolamento térmico, substituindo janelas e portas antigas por caixilharias eficientes. Não sendo possível, pôr uma segunda janela ou porta;
- Forrar as caixas de estores com lã de vidro ou cortiça;
- Instalar painéis solares que garantam energia limpa para aquecer a casa;
- Se desejar sistemas de aquecimento, optar por tecnologias eficientes, como a bomba de calor.
Uma das questões mais comuns: como aquecer o quarto do bebé durante o Inverno?
É recomendado que a temperatura do quarto do bebé se situe entre os 20 e os 22 graus Celsius, uma vez que as crianças pequenas podem ser mais vulneráveis ao frio. Se não possuir um termóstato nesta divisão, pode recorrer a um termómetro portátil para monitorizar a temperatura interior.
“Uma temperatura interior igual ou superior a 18 graus Celsius pode ser necessária para grupos vulneráveis, incluindo idosos, crianças e pessoas com doenças crónicas, particularmente as cardiorrespiratórias”, refere um relatório da Organização Mundial da Saúde sobre saúde e habitação.
Considerando que Portugal é o quinto país da União Europeia onde as famílias têm menos condições para aquecer as habitações, não são raras as vezes em que é necessário recorrer a aquecedores para garantir conforto térmico. “Nestes casos, o ideal é colocar um recipiente com água junto ao aparelho para o ar não ficar muito seco”, recomenda Aline Guerreiro.
Qual é o melhor sistema de aquecimento?
Depende do tipo e tamanho da habitação, assim como do perfil do consumidor. Um adulto que more num apartamento pequeno, um estúdio, com bom isolamento térmico terá necessidades energéticas distintas de uma família com um bebé que vive numa casa grande, com um pé-direito duplo e janelas ineficientes.
A tal pessoa que mora sozinha num espaço pequeno talvez atravesse bem este Inverno com um aquecedor portátil, ao qual dá um uso pontual, quando chega a casa do trabalho. O mesmo não vale para a família, que terá de garantir conforto térmico à criança ao longo do dia e, ao mesmo tempo, arcar com a factura da luz ao fim do mês. Para este agregado familiar, sendo impossível recorrer a obras de isolamento, será melhor esquecer de vez os termoventiladores e radiadores a óleo, que são baratos, mas implicam um consumo incomportável em tempos de crise energética. Assim, o ideal é apostar num sistema de aquecimento eficiente. Qual? Veja a resposta seguinte.
Qual é então o sistema de aquecimento mais eficiente?
O ar condicionado e a salamandra a pellets seriam, segundo a revista Deco Proteste, os mais económicos. Se forem escolhidos os modelos mais eficientes, também podem ser os mais sustentáveis em termos de produção de gases de efeito de estufa, assegura a mesma fonte.
“O ar condicionando garante uma redução de 316 quilos de CO2 anuais face ao termoventilador. Já a salamandra tem emissões neutras, porque se considera que o CO2 libertado na queima dos pellets é recuperado pelas árvores durante o seu ciclo de vida”, refere a publicação.
Os pellets não são, contudo, uma opção consensual, quando se fala de sustentabilidade. A associação ambientalista Zero acusa o sector dos pellets de explorar os recursos florestais de forma pouco ecológica: em 2021, foram necessários 15 milhões de toneladas de madeira para produzir 815 mil toneladas de pellets em território nacional. E discorda da argumentação de que as emissões resultantes da queima de biomassa são neutras.