Portugal entre os piores países da OCDE nas cirurgias da anca e do joelho

Estes são indicadores que o ministro da Saúde já assumiu que é fundamental melhorar. Portugal é um dos países da OCDE que menos cirurgias fazem para substituição da anca e do joelho.

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O decréscimo das cirurgias à anca em 2020, quando comparado com 2019, foi de 16% em Portugal Manuel Roberto

A pandemia provocou a diminuição do número de cirurgias para colocação de próteses da anca e do joelho em 2020 em comparação com o ano anterior. Portugal não foi excepção, apesar de ter voltado entretanto aos níveis de 2019, refere o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) Health at a Glance, divulgado esta segunda-feira.

Mas isso não significa que o país ficou bem posicionado no tratamento destas patologias, que estão entre as que mais contribuem para limitar a autonomia das pessoas idosas. Para que se possa falar em recuperação para o decréscimo registado em 2020, o número de cirurgias vai ter de aumentar pelo menos 5% durante três anos consecutivos. E o problema é que, nestes dois indicadores, Portugal já estava abaixo da média da OCDE antes da pandemia de covid-19.

Tendo em conta os dados de 23 países da União Europeia (UE), o decréscimo das cirurgias à anca em 2020, quando comparado com 2019, foi em média de 14%. Mas Portugal registou uma diminuição superior: - 16%. As reduções foram ainda mais expressivas nas cirurgias ao joelho. Enquanto a média da OCDE foi de - 24%, no nosso país, ascendeu a - 27%.

Para atenuar os efeitos das cirurgias canceladas ou adiadas, a maioria dos governos avançou com incentivos para a realização de actividade adicional Portugal também o fez. Mas esse reforço “não é uma garantia de que a oferta aumentará e se traduzirá em menores listas e tempos de espera”, enfatizam os autores do relatório.

Ainda são poucos os países com dados relativos a 2021, frisam, referindo que no ano passado o número de cirurgias para colocações de próteses da anca e do joelho realizadas em Portugal voltou aos níveis de 2019. No entanto, esse acréscimo não evitou “o aumento do tempo de espera” para os doentes inscritos nas listas para cirurgia. Segundo o documento, foi em Portugal e na Polónia que se registaram os maiores aumentos dos tempos de espera em 2020.

O problema é que já antes da pandemia o número de cirurgias para colocação de próteses da anca e do joelho em Portugal estava bem abaixo da média dos 23 países da União Europeia com dados analisados. Aliás, na cirurgia da anca, Portugal apresentava o terceiro valor mais baixo de intervenções por 100 mil habitantes. Na cirurgia do joelho, era o quarto mais baixo.

Mesmo que a evolução para níveis pré-pandémicos seja positiva, não se pode dizer que houve recuperação, como se explica no relatório. Por exemplo, se um país tiver uma redução de 15% das cirurgias à anca, o volume de operações nos três anos seguintes tem de ser pelo menos 5% superior para ser possível recuperar dos atrasos. E isto partindo do pressuposto de que a procura permanece a mesma ao longo do tempo.

Aliás, estes são dois indicadores em que Portugal historicamente não tem ficado bem na fotografia, como reconheceu recentemente o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, referindo-se ao tratamento da fractura do colo do fémur. A meta é “chegar ao final de 2014 com 70%” das cirurgias realizadas nas primeiras 48 horas após a entrada no hospital, recomendadas como sendo a boa prática.

O governante especificou na altura que esta taxa está nos 48%. A preocupação sai reforçada com este relatório da OCDE, que assinala que a média dos países da União Europeia, em 2019, foi de três em cada quatro doentes com 65 anos operados dois dias após a admissão no hospital por fractura da anca.

Longe das recomendações de actividade física

Este é um relatório ainda muito marcado pelos efeitos do primeiro ano da pandemia e pelas medidas que foram sendo tomadas pelos diversos países para atenuar o impacto da covid-19. E os jovens não foram esquecidos nesta análise, com destaque para a diminuição da actividade física, que é “um factor protector para uma boa saúde mental”.

E isto partindo de “um nível já baixo que se registava antes da pandemia”. Em muitos países, apenas um em cada sete adolescentes com 15 anos dizia praticar pelo menos uma hora de actividade física moderada a vigorosa todos os dias, tal como é recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Portugal está entre os piores. Dados relativos a 2018, destaca o relatório, mostravam que Portugal, Itália e França “tinham a menor proporção de rapazes e raparigas a cumprir as recomendações da OMS”.

O encerramento das escolas e dos ginásios e as restrições de mobilidade levaram à redução “substancial” da actividade física entre as crianças e os adolescentes em vários países. Estudos realizados em Portugal, em Itália e em Espanha revelaram que a proporção de crianças e adolescentes de três a 18 anos que não cumpriam a recomendação da OMS “aumentou acentuadamente durante o primeiro confinamento em Março e Abril de 2020: subiu de 53% para 85% na Itália, de 34% para 86% na Espanha e de 46% para 86% em Portugal”.

Portugal inverteu tendência de decréscimo de mortalidade por AVC e enfarte

Outro reflexo da pandemia foi a inversão da tendência para o decréscimo das taxas de mortalidade hospitalar por acidente vascular cerebral (AVC) e por enfarte agudo de miocárdio que se verificava desde há anos em Portugal. Entre 2019 e 2020, destacam os os autores do documento, as taxas de mortalidade por AVC e enfarte agudo de miocárdio aumentaram em Portugal. No AVC, no período de 30 dias após o internamento hospitalar, a mortalidade ascendeu em Portugal a 9,8%, em comparação com 6,6% na média dos países da OCDE, enquanto no enfarte agudo de miocárdio foi de 7,3% contra 6,6% na média da OCDE.

Uma evolução que não foi semelhante em todos os países. No enfarte agudo de miocárdio, na mortalidade a 30 dias após admissão hospitalar, observou-se um aumento em Portugal, na Áustria, na Lituânia e na Polónia, indica o relatório, que assinala, porém, que outros países como a Islândia, a Letónia e a Eslováquia mantiveram esta taxa estável.

De igual forma, no AVC, na janela a 30 dias após o internamento hospitalar, as taxas de mortalidade aumentaram em Portugal, na Lituânia e na Roménia, enquanto se mantiveram estáveis na Áustria, na Islândia, na Eslováquia e no Reino Unido.

A OCDE volta a lembrar que, durante o primeiro ano da pandemia, o número de pessoas admitidas nos hospitais por enfarte agudo de miocárdio e por AVC diminuiu na maior parte dos países, mas destaca que isso se verificou com particular acuidade em Portugal.

Um fenómeno que tem sido explicado por vários motivos, desde logo pela redução do recurso dos doentes aos hospitais por receio de se infectarem com covid, ou porque a emergência pré-hospitalar não terá funcionado tão bem e tão prontamente como seria desejável por causa dos picos de procura devido à covid-19.

De resto, e como já se tornou hábito, Portugal surge na tabela dos piores países da OCDE no que toca à prevalência de diabetes, com mais 9%, a par da Croácia e da Finlândia. Também é dos que menos gastam em prevenção – menos de 2%. Em sentido inverso, está bem colocado nas taxas de mortalidade por causas evitáveis e tratáveis. O mesmo acontece na vacinação, em que Portugal exibe mesmo as melhores taxas.

Muitos adultos em risco de depressão na Primavera deste ano

A saúde mental é outra das áreas a que o relatório da OCDE dá destaque, voltando a enfatizar o significativo impacto da pandemia, a que este ano se somou a incerteza associada ao aumento do custo de vida e à guerra da Rússia contra a Ucrânia.

O relatório da OCDE recorda, a propósito, os resultados de um inquérito feito pelo Eurofound (Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho) que permitiu perceber que, na Primavera deste ano, mais de uma em cada duas pessoas (55%) estava em risco de depressão na média dos países da UE. A percentagem oscilava entre os 40% na Eslovénia, Dinamarca e os Países Baixos e os 65% na Polónia, Grécia e Chipre. Portugal surgia logo a seguir, em quarto lugar, com mais de 60%.

Os dados disponíveis em alguns países sugerem que, na primeira metade deste ano, os sintomas depressivos eram já mais reduzidos do que durante os picos da pandemia em 2020 e 2021, mas mantiveram-se mais elevados do que antes da pandemia.

O risco de depressão durante a pandemia era mais elevado entre as mulheres, os desempregados, as pessoas com dificuldades financeiras e os jovens. Este risco era de aproximadamente 60% entre as mulheres, em comparação com 50% entre os homens, de quase 70% entre os desempregados e de 75% nas pessoas com dificuldades financeiras.

Médicos e enfermeiros são mal pagos

Nos recursos humanos, a remuneração de médicos e de enfermeiros volta a ser notícia e pelas más razões. Portugal foi um dos poucos países analisados em que a remuneração dos médicos caiu em termos reais entre 2010 e 2020 e foi aquele em que a queda foi maior.

Quanto aos enfermeiros, em paridade de poder de compra, em 2020 Portugal era o terceiro país que menos pagava por mês a estes profissionais. Menos do que Portugal só a Letónia e a Lituânia.

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