“No Cinema Batalha, as pessoas todas choraram quando apareceu o fresco do Júlio Pomar”
Co-autor, com Sérgio Fernandez, do projecto de renovação do Cinema Batalha, no Porto, Alexandre Alves Costa faz o balanço de uma intervenção que se revestiu de particular “intensidade emocional”.
Alexandre Alves Costa partilhou nos últimos anos com Sérgio Fernandez os altos e baixos do projecto de reabilitação do histórico Cinema Batalha, no Porto, cuja reabertura, passados três anos de obras, está marcada para o próximo dia 9 de Dezembro. “O Cinema Batalha é a minha vida”, diz o arquitecto.
Está a aproximar-se a reabertura do Batalha. É certamente um projecto com um significado especial para si, pela ligação ao edifício e ao cinema.
O Batalha é a minha vida. Frequento-o desde a minha infância. Era o sítio para onde eu ia brincar e onde eu estava sempre que quisesse. Fui crescendo com isso. Há o Cineclube [do Porto], há o meu pai [Henrique Alves Costa, crítico de cinema e figura de referência do cineclubismo] e a minha família. Tudo.
Como tem vivido a experiência de reabilitação desta casa?
Com muita intensidade emocional. A verificação de que aquilo era um projecto revolucionário, que juntava um grupo muito importante de artistas ligados ao PCP. O aparecimento dos frescos do [Júlio] Pomar; a tentativa de remover as porcarias que lá fizeram entretanto… Tudo isso nos tem dado emoções muito grandes. Quando apareceu o fresco do Pomar, as pessoas todas choraram, desde os operários, o que é uma coisa extraordinária. Estava lá toda a gente frente ao bocadinho que tinha aparecido, de lágrimas nos olhos.
Surgiram problemas inesperados?
Surgiram. Pensávamos que o edifício estava mais ou menos preservado, e não estava. A estrutura estava completamente podre, era uma péssima construção que estava escondida com reboco, e o que estava por trás era uma porcaria de mistura de materiais, pedra, tijolo, cimento… Nada cumpria as regulamentações actuais e, portanto, tivemos praticamente de desfazer tudo e voltar a fazer, o que foi muito difícil. Porque nós temos uma certa paixão pelo Batalha e vimos aquilo destruído, a céu aberto.
A obra agora pronta corresponde ao que tinham imaginado?
Corresponde, excepto algum excesso programático, ainda que compreensível. Mas foi um bocadinho “meter o Rossio na Betesga”. Aquele espaço tinha uns foyers muito generosos. Saía-se da sala e ia-se para um sítio muito aberto, relacionado directamente com a cidade. Era esse o seu carácter mais revolucionário, do ponto de vista conceptual: ser uma câmara escura directamente aberta à cidade. Isso foi um bocadinho prejudicado, agora, pela necessidade de espaço da Ágora, que tomou conta do Batalha, para meter os seus 20 funcionários – mesmo se nós entendemos que isso seja necessário num projecto de reabilitação. Querem ter uma pequena biblioteca, uma loja, uma casa de chá, um bar, bengaleiros para pôr os casacos de toda a gente… Além disso há as rampas, o elevador… Parecia que ia ser só chegar lá e dar uma pintadela, mas foi um dos projectos mais difíceis da nossa vida.
Qual é o filme da sua vida?
É difícil responder. Depende do momento. Neste momento é o Roma, Cidade Aberta [Roberto Rossellini, 1945]. E não me pergunta qual é a actriz da minha vida?
No livro que agora vai lançar, fala de Maria Lalande [1913-1968, actriz de Lisboa que surgia em Crónica Anedótica e A Rosa do Adro, entre outros].
Das portuguesas, sim. Mas essa esteve ligada à minha família. A nível internacional, é a… Anna Magnani [a protagonista de Roma, Cidade Aberta]. Não conhece a história do [Yuri] Gagarine, quando foi para o espaço? Ele dirigiu de lá três saudações. Uma ao Partido Comunista da União Soviética, a outra não sei a quem, talvez ao comité central, e a terceira à Anna Magnani. É uma mulher absolutamente extraordinária, como personalidade, como pessoa; linda, maravilhosa, com uma saúde física e mental incrível…
E do cinema português? No livro fala do Belarmino [Fernando Lopes, 1964].
Dos filmes portugueses, continua a ser o meu preferido. Sendo um documentário, era também uma metáfora da situação portuguesa na altura.
E das suas obras de arquitectura, qual prefere?
É uma que não é minha. É a minha casa de Moledo; é a obra de arquitectura no mundo de que mais gosto. É completamente do Siza, mas eu também trabalhei imenso lá.