As cápsulas de detergente fáceis de usar tornaram-se omnipresentes nos lares americanos, contendo a combinação e quantidade certas de agentes de limpeza para deixar a roupa fresca ou a louça a brilhar. Mas, agora, está a estalar o debate sobre se estas cápsulas podem contribuir para um aumento do problema da poluição por plásticos, que ameaça a saúde humana e o ambiente.
Uma empresa amiga do ambiente que vende produtos de limpeza e grupos de defesa solicitaram esta semana à Agência de Protecção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês) que tomasse medidas contra a utilização da “película de plástico” que envolve as cápsulas de detergente, argumentando que este material não se decompõe completamente na água, tal como anunciado.
A petição pede à agência que exija testes de saúde e de segurança ambiental para o álcool polivinílico, também conhecido como PVA ou PVOH, que encasula as cápsulas. A Agência de Protecção Ambiental dos EUA é também instigada a remover o composto das suas listas de “Escolha Mais Segura” e “Ingredientes Químicos mais Seguros” até que os testes sejam realizados e até que se prove que o PVA é seguro.
A Blueland, uma empresa que vende uma pastilha de detergente para a roupa “em forma seca”, liderou o esforço de submeter as cápsulas a um maior escrutínio federal. As suas acções exaltaram os principais agentes da indústria de produtos de limpeza, incluindo uma influente associação comercial, e o fabricante da película utilizada nas pastilhas de detergente.
“O álcool polivinílico é um polímero, portanto, por definição, trata-se de um plástico — é um plástico sintético proveniente de petróleo”, explicou a co-fundadora da Blueland, Sarah Paiji Yoo.
Yoo acrescentou que ela e outras pessoas da empresa sediada em Nova Iorque vêm as populares cápsulas e as novas folhas de detergente de roupa que usam PVA como “indiscutivelmente piores do que as palhinhas”.
“Pelo menos com uma palhinha, pode olhar-se para ela e saber ‘está bem, isto é lixo, devia pôr isto no caixote do lixo”, afirmou. “Já estas cápsulas e folhas são plásticos que são concebidos para descer pelos nossos esgotos até entrarem nos nossos sistemas de água e acabarem por ser despejados no ambiente natural.”
Questionada sobre este assunto, uma porta-voz da EPA disse que a agência “irá rever a petição e responder em conformidade”.
O PVA, que também é utilizado na indústria têxtil, tem sido amplamente considerado como seguro. Além de estar incluído na lista da EPA de “Ingredientes Químicos Mais Seguros”, o composto é aprovado pela agência reguladora dos EUA para os medicamentos e alimentação (FDA, na sigla em inglês) para utilização em embalagens alimentares, suplementos dietéticos e produtos farmacêuticos. O Grupo de Trabalho Ambiental norte-americano também classificou o PVA como um ingrediente de baixo risco em produtos de higiene pessoal.
Além disso, as cápsulas de detergente de utilização única que utilizam PVA são frequentemente consideradas como uma alternativa mais amiga do ambiente do que os produtos líquidos tradicionais que vêm em recipientes de plástico.
Parece “mais ecológico do que realmente é”
A investigação divulgada pelo Instituto Americano de Limpeza, ou ACI, um grupo comercial, indica que pelo menos 60% da película de PVA biodegrada-se em 28 dias e 100% da película em 90 dias. O grupo diz que a água contendo a película dissolvida segue para estações de tratamento de águas residuais, onde bactérias e outros microrganismos decompõem o material “através da biodegradação natural”.
Mas a Blueland solicitou e ajudou a financiar um estudo revisto por pares no ano passado que contesta essa afirmação. A sua petição, que é apoiada por várias organizações dedicadas ao combate à poluição plástica, cita a estimativa do estudo de que cerca de 75% do PVA das cápsulas de lavagem da roupa e da loiça permaneceram intactas após passarem pelo tratamento convencional de águas residuais.
“É agora urgente que a comunidade científica concentre a sua atenção nestes novos poluentes em crescimento”, disse Stefano Magni, professor assistente de Ecologia na Universidade de Milão, que estudou a possível toxicidade do composto, mas não esteve envolvido no estudo encomendado pela Blueland. “De facto, uma enorme quantidade de PVA é produzida anualmente, colocada no mercado e depois utilizada e libertada no ambiente”, sobretudo nos ecossistemas aquáticos.
Charles Rolsky, co-autor do estudo financiado pela Blueland e cientista de investigação sénior do Instituto Shaw, no Maine (EUA), revelou que a investigação anterior, que dava a entender que o PVA não deixava vestígios ao longo do tempo, envolvia muitas vezes condições que, normalmente, não existem no mundo real. Estes resultados poderiam levar os consumidores a acreditar que um produto em cápsula que utilize película de PVA pode “parecer mais ecológico e biodegradável do que realmente é”, acrescentou.
Sarah Paiji Yoo revela que, “neste momento, há provavelmente milhões de consumidores que estão a comprar estas folhas ou cápsulas a pensar que estão a fazer uma coisa realmente fantástica para o planeta. Estão a converter-se a produtos devido às mensagens de sustentabilidade, devido à comunicação de um produto sem plástico, mas, sem que tenham conhecimento, estão na realidade a deitar partículas de plástico pelos canos abaixo”.
Para que o PVA seja totalmente biodegradável, é necessária a presença da espécie certa e da concentração certa de microorganismos, que também têm de ser treinados para decompor a substância, esclarece Rolsky. E não existe “uma única estação de tratamento de águas residuais nos Estados Unidos onde a água fique com esses micróbios durante qualquer coisa próxima dos 28 dias”, continua. “No máximo, pode ser uma semana; mas, mais realisticamente, vai de dias a horas.” Embora seja necessária mais investigação sobre os possíveis efeitos do PVA nos seres humanos e no planeta, a preocupação é que a película seja “muito semelhante aos plásticos convencionais que vemos regularmente”, disse Charles Rolsky. Mas há uma grande diferença: O PVA “é apenas solúvel em água”.
O investigador comparou a capacidade do PVA de se dissolver com o acto de deitar sal na água. “O sal vai desaparecer, mas ainda se pode muito bem saborear o próprio sal, mesmo que não se consiga ver.”
Um conjunto cada vez maior de investigação sobre o tema indica que a poluição plástica pode ter graves efeitos na saúde e no ambiente, incluindo aqueles que surgem através da capacidade que as pequenas partículas de plástico têm de absorver produtos químicos, contaminantes e metais pesados e de manter essas substâncias nocivas para a cadeia alimentar.
Ainda estamos “no ano zero”
As provas dos potenciais efeitos do PVA “são escassas”, observa Magni, que foi co-autor de um estudo que não encontrou efeitos tóxicos associados ao composto em embriões de peixe e numa espécie de pulga de água. O investigador acrescenta que os testes ambientais do PVA são “necessários urgentemente”.
Tanto MonoSol, a empresa com sede na Índia que fabrica o invólucro, como o Instituto Americano de Limpeza rejeitaram o pedido de funcionários federais para regulamentar a utilização da película em bens de consumo.
Num comunicado, o vice-presidente de assuntos corporativos da MonoSol, Matthew Vander Laan, chamou à petição uma “manobra publicitária” e acusou a Blueland de “explorar a credibilidade da EPA na prossecução dos seus próprios objectivos comerciais”.
“Há décadas de estudo, incluindo avaliações pela EPA, FDA, organismos reguladores e de certificação em todo o mundo que provam a segurança e sustentabilidade do PVA”, disse Vander Laan.
Entretanto, a ACI emitiu uma longa declaração que destacou os benefícios da película de PVA e apoiou os resultados da investigação. A associação comercial também reiterou as suas críticas à investigação encomendada pela Blueland, dizendo que o estudo “apresenta um modelo defeituoso baseado em pressupostos teóricos e utiliza dados com lacunas nesse modelo”.
“Tendo em conta que a química permitiu a existência destes formatos inovadores de produtos de lavandaria e lavagem automática de louça, é extremamente decepcionante saber da existência da desinformação que está a ser difundida sobre o PVA/PVOH”, lê-se na declaração da ACI. Mas Rolsky afirma que ele e outros peritos estão a pedir mais investigação. “O PVA não deve ser vilipendiado.”
“Não podemos especular”, acrescentou. “Temos as ferramentas para fazer a análise. Deveríamos fazer a análise e aprender como [é que esta substância] reage realmente.”
Magni concorda. A investigação sobre este e outros polímeros solúveis na água está “no ano zero”, afirmou. “Ainda está tudo por fazer.”
Exclusivo The Washington Post/PÚBLICO