Seca está a levar elefantes do Quénia até às aldeias. Quem paga os danos?

A seca está a criar um conflito entre as pessoas e os animais selvagens que procuram água e comida, mas deixam um rasto de destruição. Seguros podem proteger os agricultores e também a vida selvagem.

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Os elefantes estão a afastar-se do Parque Nacional Tsavo, no Quénia, porque não encontram alimento DANIEL IRUNGU/EPA

Quando Josephine Kisero se mudou com a família para uma nova casa com um pedaço de terra maior, na aldeia de Mwankoma, no sul do Quénia, planeou cultivar plantações suficientes, incluindo milho, girassóis e mandioca, para sustentar os seus seis filhos.

O que ela não considerou foram os elefantes que vagueiam frequentemente do Parque Nacional Tsavo, atingido pela seca, para a sua aldeia à procura de comida e água.

“Sempre que fazemos culturas, os elefantes aparecem e alimentam-se da maioria delas, enquanto pisam as que não comem”, disse Kisero, de 50 anos, enquanto passeava pela sua quinta de oito hectares [o equivalente a cerca de 306 campos de ténis] com terrenos vazios de solo vermelho solto e salpicada de árvores murchas.

Os animais estão a afastar-se do parque seco porque não encontram lá nada para comer ou beber. Os elefantes famintos atacam, por vezes, as pessoas que estão entre eles e a sua próxima refeição, levando frequentemente os aldeões a matar os animais como vingança ou para proteger as suas culturas, acrescentou Josephine Kisero.

O conflito entre as pessoas e a vida selvagem está a aumentar em todo o Quénia, segundo alertam os conservacionistas, uma vez que as populações humanas em crescimento se espalham cada vez mais para o território animal. As temperaturas mais quentes estão a matar a vegetação e a secar as fontes de água, intensificando a competição entre os dois lados devido à diminuição do fornecimento de alimentos.

Em resposta, um novo projecto, reunindo o governo e as companhias de seguros locais, visa abordar o problema crescente ao ajudar a proteger os meios de subsistência e, por sua vez, a vida selvagem.

Desenvolvido pelo International Institute for Environment and Development, sediado em Londres, o plano consiste em proporcionar uma rápida compensação aos agricultores cujas culturas são destruídas por elefantes e outros animais selvagens, aliviando o impacto financeiro e encorajando-os a coexistir.

“Esperamos que o plano proporcione uma almofada às comunidades (...) que são forçadas a pagar o preço máximo por viverem perto da vida selvagem”, disse Barbara Chesire, directora executiva da AB Consultants, que está a trabalhar para estabelecer a fase piloto do projecto nos condados de Kajiado e Taita Taveta.

O esquema de seguros, que também está a ser experimentado no Sri Lanka e na Malásia, é o primeiro projecto deste género no Quénia, onde pretende inscrever pelo menos mil agricultores para começar.

Se for bem-sucedido, o esquema poderá ser implementado em todo o país, bem como em outras nações africanas onde o conflito entre homem e vida selvagem é um problema, acrescentou Chesire.

Pagamentos mais rápidos do que as compensações governamentais

Nos 30 anos desde que se mudou, Kisero tentou afugentar os elefantes da sua quinta batendo em latas, acendendo fogueiras e pendurando folhas de metal à volta da sua terra para fazer barulho quando o vento sopra – mas nada os afasta por muito tempo.

De acordo com os últimos dados do Kenya Wildlife Service (KWS), de 2014 a 2017, animais selvagens – principalmente elefantes, mas também hipopótamos, cobras e outros – causaram mais de cinco mil casos relatados de danos a culturas ou propriedades, mataram mais de 450 pessoas e feriram outras 4555.

Alfred Mwanake, chefe da Taita Taveta Wildlife Conservancies Association (TTWCA), relata que o conflito entre os seres humanos e a vida selvagem na região de Tsavo, no sudeste do Quénia, está a ser exacerbado pelo agravamento das condições de seca que estão a secar os pastos, a vegetação e as panelas de água nas reservas locais de vida selvagem.

“Os mamíferos maiores, tais como os elefantes e búfalos, deslocam-se destas áreas protegidas para as áreas comunitárias, e os elefantes destroem tanques e condutas em busca de água”, disse Mwanake.

Chesire, da AB Consultants, explica que, após um ataque, os chefes de área utilizarão os seus telemóveis para comunicar o incidente com o local e um código atribuído ao tipo de dano – perda de gado, colheitas ou propriedade, bem como ferimentos ou morte. Os membros da comunidade verificarão então a queixa, visitando a quinta e tirando fotografias das consequências, que apresentarão através de uma aplicação juntamente com testemunhos dos chefes, vizinhos e oficiais locais da KWS.

Se a reclamação for considerada legítima, uma companhia de seguros pagará a indemnização “esperemos que num prazo máximo de três meses”, acrescenta Alfred Mwanake, da TTWCA.

Este processo é muito mais rápido do que os pagamentos que a KWS dá actualmente às vítimas de danos causados pela vida selvagem, que os aldeões dizem que podem levar anos – se forem pagos –, tornando o sistema inútil para as famílias que tentam sobreviver durante a próxima época de colheita.

Um relatório recente do governo disse que, entre os primeiros pagamentos do KWS em 2014 e 2018, libertou 1,2 mil milhões de xelins quenianos (9,4 milhões de euros) em fundos de compensação para o KWS. No ano passado, o KWS anunciou a libertação de mais 500 milhões de xelins (quase quatro milhões de euros) para compensação de conflitos, o que, segundo o mesmo, ajudaria a eliminar a acumulação de pedidos de indemnização.

Mwanake revelou que a esperança é que o novo seguro venha a substituir o sistema de compensação da KWS, com o governo a canalizar esse financiamento para subsidiar as taxas de seguro, tornando o regime acessível ou mesmo gratuito para os membros. A KWS não respondeu aos pedidos de comentários.

Usar o medo que os elefantes têm das abelhas

O sucesso do projecto de seguros dependerá de abordar os “baixos níveis de confiança” entre os agricultores que não compreendem como funciona ou a tecnologia utilizada para reportar reclamações, disse Barbara Chesire.

A AB Consultants pretende responder a questões que os habitantes locais possam ter através de campanhas de sensibilização, formação e reuniões comunitárias. A educação é fundamental, especialmente ensinar aos residentes a importância de viver ao lado da vida selvagem, considera Derick Wanjala, gestor de projectos da Save the Elephants sem fins lucrativos.

Os elefantes têm medo das abelhas, por exemplo, e, por isso, o grupo tem estado a dar colmeias aos aldeões para usar como dissuasores não violentos – e também podem vender o mel para obter rendimento extra, segundo explica Charity Wanda, uma agricultora da aldeia de Mware. Wanda tem várias colmeias nas suas terras, mas, de vez em quando, os elefantes chegam mesmo a ficar desesperados o suficiente para passarem pelas abelhas e se alimentarem das suas colheitas, relata.

Há três anos, a agricultora perdeu toda a sua colheita de milho para os invasores, conta, acrescentando que espera que o seguro de vida selvagem fique disponível em breve para que a sua família não tenha mais de lutar por rendimentos até à próxima época de plantio após um ataque.

“O esquema de seguro será um alívio porque a compensação governamental demora demasiado tempo”, comenta.

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