Medicamento experimental contra a Alzheimer conseguiu atrasar declínio cognitivo

Os resultados mostram que o lecanemab pode “mudar o curso” da doença de Alzheimer, um grande avanço, mas há ainda questões sobre os seus efeitos secundários.

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Os dados completos mostram que alguns doentes com um risco genético não beneficiaram do lecanemab RUI GAUDêNCIO

Um medicamento experimental contra a doença de Alzheimer, das farmacêuticas Eisai e Biogen, conseguiu atrasar o declínio cognitivo, de acordo com os resultados de ensaios clínicos, mas pode ter efeitos secundários graves em alguns doentes, de acordo com os dados apresentados nesta terça-feira.

O medicamento, o lecanemab, foi associado a um edema cerebral que pode ser perigoso em quase 13% dos doentes no ensaio que durou 18 meses e no qual participaram cerca de 1800 doentes com Alzheimer em fase inicial — metade destes doentes recebeu o medicamento e a outra metade um placebo.

Alguns doentes também tiveram hemorragias cerebrais, com cinco deles a sofrer cinco macro-hemorragias e 14% a micro-hemorragias – um sintoma que se liga às mortes das duas pessoas que receberam o medicamento, conforme consta num estudo de seguimento.

As empresas disseram, em Setembro, que o lecanemab – um anticorpo concebido para remover os depósitos pegajosos de uma proteína chamada beta-amilóide – reduziu a velocidade relativa de declínio cognitivo na escala de demência clínica em 27%, quando comparado com um placebo.

Medicamento pode “mudar o curso da doença"

“Todos estes medicamentos que se focam na redução de beta-amilóide envolvem um risco aumentado de hemorragia cerebral”, disse Ronald Peterson, da Mayo Clinic em Rochester, Minnesota. “Acho que os principais resultados, os resultados secundários e a redução de beta-amilóide são muito impressionantes.”

A Associação de Alzheimer disse que os dados confirmam que o medicamento consegue “mudar, de forma significativa, o curso da doença” e pediu ao regulador norte-americano de medicamentos para que a candidatura da empresa tivesse uma aprovação rápida.

Os dados completos mostram que alguns doentes com um risco genético de poder desenvolver a doença não beneficiaram do lecanemab, de acordo com a escala de demência clínica. Contudo, mostraram melhorias nos objectivos secundários deste estudo, que incluíram medições de funções cognitivas e tarefas diárias.

No geral, os doentes que receberam lecanemab tiveram benefícios entre os 23% aos 37%, quando comparados com os que receberam placebos, nos objectivos secundários do estudo. “Acho que é importante e que irá justificar a aprovação completa, mas, claro, queremos um benefício ainda maior”, disse Paul Aisen, o director do Instituto de Investigação Terapêutica da Universidade do Sul da Califórnia e co-autor do estudo, publicado na revista New England Journal of Medicine.

Disse também que o lecanemab poderá ter um maior benefício se for administrado no início da doença, “antes de se terem acumulado danos irreversíveis que causam os sintomas”.

A empresa acredita que estes ensaios comprovam uma hipótese de longa data de que remover as placas de beta-amilóide do cérebro das pessoas que estão nas fases iniciais da Alzheimer pode atrasar o avanço da doença. Depois de 18 meses, 68% dos doentes tratados com lecanemab registaram remoção de beta-amilóide, de acordo com a empresa. O medicamento também baixou os níveis de tau, uma proteína diferente que forma “emaranhados” tóxicos dentro das células cerebrais.

Duas mortes “não podem ser atribuídas ao lecanemab"

Duas mortes por hemorragias cerebrais foram reportadas no estudo de seguimento – trata-se de uma mulher de 65 anos que recebeu um tipo de medicamento conhecido como activador do plasminogénio tecidual para limpar coágulos sanguíneos depois de ter sofrido um AVC e uma mulher de 87 anos que tomava o anticoagulante Eliquis.

A empresa farmacêutica Eisai disse que ambas as mortes “não podem ser atribuídas ao lecanemab”.

A empresa tem protocolos activos para monitorizar o edema cerebral e não vê necessidade de restringir quem poderá estar elegível para o lecanemab, disse o responsável norte-americano da empresa, Ivan Cheung, numa entrevista à agência Reuters.

A Food and Drug Administration (FDA), o regulador norte-americano de medicamentos, deverá tomar uma decisão sobre este medicamento até 6 de Janeiro, quando poderá aprovar o medicamento no âmbito de um programa de revisão “acelerada”, que exige a prova de que um fármaco é capaz de ter impacto num biomarcador associado a uma doença, como acontece no caso da redução de beta-amilóide no cérebro.

Independentemente dessa decisão, Cheung disse que a Eisai planeia submeter o medicamento a uma aprovação normal da FDA e também vai procurar a aprovação dos reguladores europeus e japoneses.