Desafiar o género: investigador publica tese sobre trans na literatura infantil

Emanuel Madalena defende que os livros infantis ilustrados sobre pessoas transgénero são importantes para todas as crianças e podem contribuir para “aceitação e integração da diferença”.

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Investigador português publica tese sobre transgénero na literatura infantil Nelson Garrido

A publicação de livros infantis sobre identidade de género ainda é escassa em Portugal, porque este tema ainda não está normalizado no discurso público, afirmou o investigador Emanuel Madalena, que lhe dedicou uma tese de doutoramento.

Emanuel Madalena, investigador colaborador do Centro de Línguas, Literatura e Culturas, da Universidade de Aveiro, escreveu uma tese de doutoramento sobre a presença da temática da identidade de género, em particular sobre transgénero, na literatura infantil, que depois adaptou para livro, intitulado Desafiar o género.

Para a investigação, Emanuel Madalena considerou a edição de livros para pré-leitores e leitores iniciais, publicados entre 2000 e 2019, reunindo 38 obras, editadas em inglês, português e espanhol. Dos livros analisados na tese, há dois que mereceram atenção pela qualidade, apontada pelo investigador, e que estão publicados em Portugal: O Jaime é uma sereia, de Jessica Love (Fábula), “que está a entrar num processo de canonização” pelos leitores, e Os vestidos do Tiago, de Joana Estrela, em edição própria.

Em declarações à agência Lusa, Emanuel Madalena defende que os livros ilustrados para a infância sobre identidade de género, e que abordem em particular pessoas transgénero, “são muito importantes por fornecerem referentes identitários a essas crianças e informam as pessoas em geral sobre este assunto”.

No livro, editado pela cooperativa cultural Outro Modo, Emanuel Madalena escreve que “a literatura infantil com temas transgénero não é importante apenas para as crianças transgénero, mas para todas as crianças, assim como para a sociedade em geral”, porque pode contribuir para “atitudes de aceitação e integração da diferença”.

O investigador não tem uma resposta definitiva por que razão não há mais livros desta temática em Portugal. “Não é que o meio editorial português ande muito à frente em termos de tendências – não anda –, mas se calhar está um pouco do lado dos autores. O próprio discurso público sobre estes temas em Portugal precisa de mais discussão, de informação, mas basta um desses intervenientes querer, um editor ter muita vontade de publicar ou de um autor de o criar, para a coisa acontecer”, opinou.

No processo de investigação, Emanuel Madalena fez leituras de alguns destes livros a crianças e não encontrou resistência. “É completamente um problema dos adultos. (...) É uma questão essencial do duplo destinatário: o livro tem de agradar às crianças e aos adultos e são eles que os escolhem, sobretudo para a primeira infância”, declarou.

O investigador acredita que é pelas editoras independentes, ou com maior margem de liberdade criativa e editorial, que podem sair mais títulos sobre estes temas. “A edição independente é o mais firme primeiro passo para o percurso centrípeto de legitimação do tema do transgénero, desde as margens do subsistema literário da literatura infantil em direcção ao seu centro comercial”, escreveu.

Emanuel Madalena acredita que, ao reflectirem as mudanças na sociedade, ao entrarem no discurso público, “os temas emergentes, controversos e sensíveis acabam por deixar de o ser”, mesmo que possa haver focos de desconforto por parte de alguns leitores. “Como o tema do divórcio, por exemplo, que já foi um tema fracturante na literatura infantil e agora já não. Até parece ridículo achar que é um tabu falar sobre isso com as crianças”, lembrou.

Considerando que “os livros para crianças com temáticas transgénero ainda estão numa fase inicial”, o investigador explica no livro que a maioria da produção literária ainda está focada numa vertente informativa e pedagógica, de legitimação, e não numa fase lúdica para os leitores mais novos.

Emanuel Madalena, doutorado em Estudos Literários, mestre em Estudos Editoriais e em Ciências da Educação, espera que o seu trabalho contribua “para os estudos de género e para o movimento de inclusão e dar visibilidade à diversidade de género na investigação académica”.