Lisboa respira níveis de dióxido de azoto perigosos para a saúde

A partir de 80 estações com sensores atmosféricos no concelho, foi possível ter uma análise de poluentes atmosféricos que têm impacto na saúde.

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Os carros são uma das principais fontes de poluição atmosférica Rui Gaudêncio

A poluição do ar no concelho de Lisboa está acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo menos em relação ao dióxido de azoto (NO2). Esta conclusão surge de uma análise feita por uma equipa de investigadores do Instituto Universitário de Lisboa (Iscte) e do Instituto Superior Técnico, a partir dos dados de 80 estações com sensores atmosféricos existentes por todo o concelho. O estudo mostra ainda que numa parte importante da área de Lisboa a concentração no ar de partículas PM 10 – que não ultrapassam os 10 micrómetros de diâmetro – está acima dos níveis recomendados pela OMS.

As conclusões preliminares deste trabalho, que irá continuar para estudar outros poluentes atmosféricos na capital, vão ser apresentadas nesta segunda-feira na conferência sobre Transformação Digital em Tempos de Crise no Iscte.

A poluição do ar exterior é uma causa de mortalidade em todo o mundo, principalmente nas cidades, com efeitos nefastos nos sistemas pulmonar e cardiovascular. Segundo a OMS, a exposição a concentrações indesejáveis de NO2 piora o funcionamento do pulmão e agrava os sintomas de bronquite e de asma nas crianças. Já as partículas PM 10 podem causar vários problemas pulmonares.

Este tipo de poluição é originado frequentemente pelo processo de combustão, como o que acontece nas fábricas, nos carros e em outros veículos. Mas fenómenos como os incêndios e as poeiras vindas do deserto do Sara também são responsáveis pelo aumento da concentração das partículas. Um trabalho recente mostrava que, por ano, há mais de 5000 mortes em Portugal devido à poluição do ar, onde o NO2, as partículas finas (PM2.5 – com um diâmetro até aos 2,5 micrómetros) e o ozono tinham um papel maior.

Quando se observa as imagens desenvolvidas pela equipa coordenada por Catarina Ferreira da Silva, investigadora na área das ciências da informação, e por Nuno Nunes, sociólogo, ambos do Iscte, torna-se claro a poluição do NO2. No primeiro semestre de 2021, Lisboa passou a ter sensores em 80 estações capazes de medir parâmetros ambientais como o ruído urbano e a concentração dos gases atmosféricos, entre os quais o NO2 e as partículas PM 10. Para o trabalho, as medições usadas foram feitas entre Agosto de 2021 e Julho de 2022. Em relação ao NO2, todas as 80 estações mediram uma média anual superior a dez microgramas por metro cúbico.

Valor médio anual do dióxido de azoto para o concelho de Lisboa Data science analysis for environmental inequalities
Valor médio anual das partículas PM 10 para o concelho de Lisboa Data science analysis for environmental inequalities
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Valor médio anual do dióxido de azoto para o concelho de Lisboa Data science analysis for environmental inequalities

Para cada poluente, a OMS define o nível máximo de concentração atmosférica recomendável num período mais curto, normalmente de um dia, e num período mais longo, em geral de um ano. No caso do NO2, a média anual saudável deverá estar abaixo dos dez microgramas por metro cúbico, enquanto a diária deverá estar abaixo de 25 microgramas por metro cúbico. Isto significa que não há grande problema se num dia ou outro a concentração daquele gás for de 20 microgramas por metro cúbico. No entanto, se, ao longo do ano, a média for de 15 microgramas por metro cúbico, então já se está perante um problema para a saúde.

A média geral para o NO2 anual de Lisboa foi de 71,08 microgramas por metro cúbico, “bem acima do patamar definido pela OMS”, lê-se no comunicado do Iscte sobre o trabalho. As estações colocadas na calçada de Carriche, na alameda da Encarnação, na avenida 24 de Julho e na avenida Infante Dom Henrique apresentam os valores médios anuais mais altos, acima dos 150 microgramas por metro cúbico.

Mais sensores

No caso das partículas PM 10, a situação não será tão grave. Entre Agosto de 2021 e Julho de 2022, a média anual foi de 15,7 microgramas por metro cúbico. Para a OMS, a média anual e diária da concentração daquelas partículas deverá estar, respectivamente, abaixo dos 15 e dos 45 microgramas por metro cúbico. Há várias regiões da cidade em que a média anual está abaixo do valor definido pela OMS, mas há outros pontos dispersos em que está acima dos 20 microgramas por metro cúbico, como na calçada de Carriche, na zona dos Anjos da avenida Almirante Reis e na calçada da Ajuda.

“A investigação em curso corrobora, na sequência de estudos anteriores, o trânsito elevado e o transporte marítimo como factores determinantes nas situações de poluição registadas na região de Lisboa”, lê-se no comunicado do Iscte.

O que se poderá fazer para alterar a situação? “As políticas podiam passar por um maior incentivo ao uso do transporte público”, sugere Catarina Ferreira da Silva numa conversa com o PÚBLICO. Ou seja, seria importante “que houvesse mais linhas de transporte público e transportes com mais frequência, que sirvam as populações e estejam bem distribuídos para haver menos utilização do transporte privado, onde muitas vezes só vai uma pessoa”.

Por seu lado, Nuno Nunes aponta para a importância de se conseguir identificar o problema da poluição atmosférica. “Um aspecto essencial é a necessidade de termos mais sensores”, afirma o sociólogo, tanto em Lisboa, como em outras regiões metropolitanas do país. Só assim é possível actuar: “Quando encontramos pólos de poluição, devemos sempre encontrar soluções políticas de maneira a que a qualidade do ar melhore.”