Os preconceitos contra a menstruação no centro de Moçambique
No Parque da Gorongosa, quase uma centena de Clubes da Rapariga lutam pelos “direitos elementares da rapariga” e a “derrubar tabus”.
Rapariga menstruada não pode atravessar as ruas em comunidades rurais do centro de Moçambique, logo, “também não pode ir à escola”, conta Américo Boaze, gestor sénior do programa de educação do Parque Nacional da Gorongosa, que tenta contrariar o fenómeno.
O Clube da Rapariga é uma das iniciativas emblemáticas do parque para “derrubar tabus que não estão comprovados cientificamente”, descreve à Lusa.
Funciona nas escolas da “zona tampão”, a área que circunda o parque. Hoje há 93 clubes a funcionar em horário complementar à escola, com 40 raparigas em cada um deles, dirigidos por promotores formados.
A “violação básica dos direitos elementares da rapariga” está na mira da gestão do parque que só acredita na conservação da natureza “se houver desenvolvimento humano” das populações dessa mesma região.
A lista de violações de direitos humanos das raparigas e mulheres na região inclui casamentos forçados ainda crianças e gravidezes quando ainda são muito novas, tão novas que o parto chega a levar à morte.
“A rapariga vai conhecer o seu corpo, saber tratar da higiene menstrual”, afastar-se de comportamentos de risco e “acima de tudo aprender a negociar com os pais, ou seja, a dizer-lhes ‘um dia me caso, mas não já'”, descreve Américo Boaze.
Um dos objectivos do parque, refere, é acabar com a iliteracia que afecta cerca de metade da população e “a rapariga, a mulher, não pode ser excluída do desenvolvimento”.
Américo Boaze reconhece que será difícil mudar os usos e costumes das comunidades, mas a esperança é que as raparigas que agora frequentam os clubes já sejam, elas próprias, “a defender os direitos das filhas quando um dia forem mães”.
Em cinco anos, “já houve casamentos evitados, raparigas a voltar à escola e menos desistências” das aulas, refere em jeito de balanço.
Cada clube recebeu um livro intitulado Mulheres modelo da Gorongosa que apresenta 22 raparigas e mulheres moçambicanas, algumas das comunidades locais, que trabalham em diferentes áreas do parque, com o objectivo de inspirar as jovens a seguir um modelo.
“Para mim é uma coisa única, nunca imaginei que pudesse estar num livro, com a minha fotografia”, refere Janado Cher, 27 anos, assistente de comunicação do parque que compilou os depoimentos e que também faz parte da publicação.
Cada uma “conta o que foram os seus desafios”, para mostrar que, “com ou sem dinheiro, é possível formar-se e tornar-se numa mulher que possa inspirar outras”.
“Também fui uma mulher da comunidade”, diz Janado Cher, “passei por uma batalha e sofrimento e acredito que isso vai inspirar outras raparigas”. E a verdade é que já está a apoiar uma das alunas de um clube que quer seguir o seu modelo.
Lucinda, 13 anos, também faz parte de um clube. Vive na encosta da Serra da Gorongosa, numa zona remota sem electricidade, nem água ou saneamento, onde tarefas básicas do quotidiano requerem esforço extra. Ainda não está casada nem vai estar tão depressa, garante a mãe, Vaida Fulanguene, em língua local. “Vai ter de continuar a estudar até onde o parque decidir que ela vá”, acrescenta, sentada numa esteira à beira da casa de barro e caniço.
Vaida Fulanguene foi voluntária nas primeiras experiências de plantação de café que hoje é uma nova fonte de rendimento das comunidades e ajuda a reflorestar a serra. Foi aí que ouviu falar do Clube das Raparigas e nele viu uma nova oportunidade de vida para a filha – tal como o café estava a ser para si própria.
“Nós, casávamo-nos pequenas”, conta, mostrando-se feliz por a vida da filha poder vir a ser diferente. É essa a esperança da equipa social do Parque Nacional da Gorongosa, que a força de vontade de Vaida e de outras mães como ela seja capaz de resistir ao peso da tradição.
Agência Lusa