Nastassja Martin teve um encontro com um urso. É ela que o diz: “Nesse dia 25 de Agosto de 2015 o acontecimento é: um urso e uma mulher encontram-se e as fronteiras entre os mundos implodem.” O momento marcou para sempre a vida da antropóloga francesa e resultou em Croire aux fauves (Escute as Feras, na edição brasileira da Editora 34), um relato daquele incidente e dos seus desenlaces que, numa fúria calma, nos suga. No extremo leste russo, a antropóloga embrenha-se no quotidiano de uma família: pesca com eles, caminha na floresta gelada, desenvolve laços profundos, deixa-se atravessar. Mas há um fogo interno em Nastassja, um abismo que acompanha um mundo em abismo. Há um sonho que é destino. E o choque: pele com pêlo, olhos nos olhos. Na brutal convalescença do depois, da psicanálise ao mito indígena, todos tentam dar uma explicação para o acontecimento, fixando-o em matrizes reconhecíveis. Mas a antropóloga recusa. Não há jaula semântica para o que se passou, não há jaula para um mundo que (ainda) possibilita um encontro daqueles. Escuta as Feras expõe limiares, é transformação. Quem somos nós, no reflexo do olhar de um alguém urso? Que corpo se resgata de tamanha experiência?
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