Em Lisboa, estas mulheres unem-se pelo Irão: “Não subestimem o poder da voz”
A italiana Elisa Nalin e a iraniana Sanaz Askari são fundadoras do grupo Woman Life Freedom Portugal. Estão a promover encontros para promover a cultura do Irão e sensibilizar para a revolução.
A morte de Mahsa Amini, de 22 anos, às mãos da “polícia da moralidade” no Irão, que a detivera por não usar de forma correcta o obrigatório hijab (lenço islâmico), foi a gota de água para os iranianos, há mais de 40 anos oprimidos pelo seu regime. Desde Setembro, milhares de mulheres, não só iranianas, como de todo o mundo, têm saído à rua, naquela que é uma verdadeira revolução pelos direitos do sexo feminino naquele país. Por cá, em Portugal, Elisa Nalin e Sanaz Askari querem ser voz activa pelo empoderamento daquelas mulheres e convidam todos a juntar-se.
Sanaz Askari, natural do Irão, está em Portugal há um ano e é à distância que tem assistido à tragédia que assola a sua nação. “É extenuante, estou a toda a hora a ver as notícias”, conta ao PÚBLICO. Quando a revolução começou, estava a organizar uma residência artística no Irão, “a construir uma ponte entre o ocidente e o oriente”. Mas a vida mudou: “Deixei o meu trabalho e tornei-me activista.”
Encontrou um grupo de mulheres, onde se inclui Elisa Nalin, que trabalhava no ramo da moda e até já foi directora da Vogue Itália, e uniram-se para fazer eco de o que se passa naquele país. Organizaram um primeiro protesto, em frente à embaixada do Irão, ainda em Setembro. “Foi muito tocante ver que mulheres de todo o mundo, independentemente de serem iranianas ou não, estão a juntar-se por outras mulheres que estão longe”, celebra a curadora.
O activismo de Elisa Nalin começou pelas partilhas nas redes sociais, que não desvaloriza: “Toda a gente pode participar e, desta vez, é mesmo vital e importante. Porque as pessoas do Irão não têm essa possibilidade.” E assevera: “As pessoas pensam que uma publicação não faz a diferença, mas pode fazer.”
As duas explicam que não é preciso ter tantos seguidores como o Cristiano Ronaldo para ser uma voz activa pelas mulheres do Irão. “Tem um efeito de gota. Uma gota cai na água e forma um círculo e depois outro e outro”, compara Elisa Nalin. Fora das redes sociais, pedem que cada um procure sensibilizar para o tema entre as pessoas que conhece. “Não subestimem o poder da voz”, sublinha.
É isso que o grupo de mulheres, que se intitula Woman Life Freedom (principal slogan da contestação no Irão) Portugal, está agora a fazer com encontros fechados a convidados, com o objectivo de “sensibilizar de uma forma mais pequena, mas mais eficaz”, explicam. “Haverá música iraniana, comida e bebida e também vamos ter vozes para falar da causa de forma mais eficaz”, detalha Sanaz Askari.
Os encontros também são uma forma de garantir que o tema não é esquecido, algo inevitável num mundo tão acelerado. “Isto é diferente. Agora temos mulheres de todas as cores, de todas as partes do mundo, a dizer ‘basta’. Por que é que este patriarcado continua a existir no mundo? As mulheres estão frustradas”, defende a iraniana, que conta vir de uma “família muito política” e publicamente assumida contra o regime do país.
Na conta de Instagram do movimento, contam, recebem dezenas de mensagens com dúvidas sobre o tema e, todos os dias, novas mulheres se juntam ao grupo de Whatsapp que criaram — basta clicar na ligação que está na página de Instagram. “Muitos portugueses têm demonstrado interesse. Culturalmente fomos dois impérios e a ditadura faz parte da história de ambos”, observa Sanaz Askari.
A curadora iraniana e a italiana Elisa Nalin acreditam que a revolução será bem-sucedida, mas lamentam a elevada factura que o país está a pagar, lembrando o crescente número de mortes. “É um massacre, um genocídio”, diz, com pesar, Sanaz Askari, referindo-se às mais de 50 crianças que já morreram às mãos do regime desde Setembro. “Isto não é sobre uma mulher deixar cair o seu hijab”, termina.