Carta aberta ao senhor primeiro-ministro
É chegada a hora de valorizar os investigadores dos Laboratórios do Estado: 30 anos na base da carreira será boicote ou incompetência?
Sua Excelência Exmo. senhor primeiro-ministro, Dr. António Costa,
A Carreira de Investigação dos Laboratórios do Estado, onde se encontram muitos dos quadros mais qualificados da Administração Pública, continua a ser desprezada, considerando que: 1) a progressão dos investigadores na carreira esteve congelada por mais de 14 anos; 2) a progressão horizontal (escalões) só recentemente foi considerada mas através de um SIADAP (sistema de avaliação de desempenho de trabalhadores na Função Pública) desajustado à carreira de investigação; 3) o Estatuto da Carreira da Investigação Científica (Decreto-Lei n.º 124/99, de 20 de Abril) encontra-se obsoleto (não é atualizado há mais de 20 anos) e carece de revisão urgente.
A Carreira de Investigação contempla três categorias – Investigador Auxiliar, Investigador Principal e Investigador Coordenador – cada uma com as suas competências e responsabilidades bem definidas. Assim sendo, um Laboratório de Estado tem de ter, no seu quadro, investigadores nas diferentes categorias, constituindo uma estrutura em pirâmide, para que a sua missão não seja colocada em causa. Mas tal não se verifica nos Laboratórios de Estado!
No caso do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA I.P.) não existe nenhum Investigador Coordenador e há apenas um Investigador Principal (que atingirá a idade de aposentação em 2023). Os restantes 78 encontram-se na base da carreira como Investigadores Auxiliares, sendo que mais de 20% têm mais de 60 anos de idade e estão há mais de 30 anos na Carreira de Investigação Científica, num total de cerca de 63% com mais de 50 anos de idade e há mais de 20 anos na Carreira de Investigação Científica. Esta distribuição é totalmente disfuncional, limitando seriamente a intervenção do IPMA na vida científica e académica nacional e internacional, e impondo sérios bloqueios a processos de avaliação em diversas áreas, pela dificuldade em encontrar investigadores de categorias acima de Investigador Auxiliar. E esta situação é uma realidade no IPMA em 2022, devido a três fatores principais: 1) o congelamento da progressão vertical; 2) investigadores que se foram reformando, com o passar do tempo; e 3) a não abertura de concursos para assegurar a estrutura piramidal dos investigadores.
Embora os investigadores reconheçam que a conjuntura nacional nos últimos anos obrigou ao congelamento das carreiras, não compreendem que as progressões na Carreira de Investigação não se concretizem neste momento, nos moldes corretamente aplicados a Universidades e Institutos Politécnicos Academia e em outras carreiras da Administração Pública associadas aos Laboratórios de Estado (Técnicos Superiores e Assistentes Técnicos). Para além dos investigadores se sentirem discriminados relativamente a outras carreiras, inclusivamente dentro de uma mesma instituição, consideram que a atual situação configura desrespeito, desconsideração e descrédito, não só pelo trabalho de investigação que levam a cabo, mas também pelas instituições do Estado que representam.
Verdade seja dita que, cientes da injustiça desta situação, na anterior Legislatura em dezembro de 2021 foi desbloqueado o congelamento da progressão na Carreira de Investigação através da publicação do Decreto-Lei n.º 112/2021 que veio permitir a abertura de concursos internos para a progressão vertical dos investigadores, limitando o impacto orçamental, ao mesmo tempo atendendo às expectativas dos investigadores.
Não obstante, com a publicação do Decreto-Lei n.º 53/2022, que estabelece as normas de execução do Orçamento do Estado para 2022, foram colocados entraves a esta progressão já que no ponto 1 do artigo 136º é referido: “Sem prejuízo dos números 3 a 6, e das alterações obrigatórias de posicionamento remuneratório, progressões e mudanças de nível ou escalão, os processos de promoções, independentemente da respetiva modalidade, incluindo mudanças de categoria ou posto e as graduações do pessoal identificado no n.º 9 do artigo 2.º da Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro, abrangendo os casos em que a mudança de categoria ou de posto dependa de procedimento concursal próprio para o efeito, incluindo procedimento próprio para obtenção de determinados graus ou títulos, desde que exigidos para integração em categoria superior, bem como os procedimentos internos de seleção para mudança de nível ou escalão, assim como os outros processos dos quais possa resultar uma valorização remuneratória, não expressamente prevista em norma específica da Lei do Orçamento do Estado, dependem de despacho prévio favorável do membro do Governo responsável pela área em que se integra o órgão, serviço ou entidade em causa, sendo posteriormente submetidos a autorização dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da Administração Pública e das finanças e, com exceção dos órgãos e serviços das administrações regional e local, em que a emissão do despacho compete ao membro do governo regional responsável pela matéria ou ao presidente do respetivo órgão executivo e das autarquias locais, entidades intermunicipais e empresas locais.”
Numa primeira leitura, este Decreto-Lei não congela a progressão na carreira de investigação, mas na prática suspende efetivamente a referida progressão, pelo tempo que os processos administrativos demoram nas instâncias estatais (no caso em concreto, o Ministério das Finanças e Secretaria de Estado da Administração Pública) para a concretização da abertura dos concursos. De facto, a experiência diz-nos que as autorizações necessárias, a serem dadas, nunca serão emitidas em tempo útil uma vez que no Decreto-Lei n.º 112/2021 se refere que o regime previsto vigora pelo período de 18 meses após a data da sua entrada em vigor, ou seja, até Junho de 2023. Deste modo, os investigadores consideram-se ludibriados pelo Governo, caso esta situação não seja revertida no corrente ano.
Mais de 30% dos investigadores do IPMA pertencem aos seus quadros há mais de 30 anos, têm um currículo igual ou superior aos melhores dos seus congéneres estrangeiros, são reconhecidos além-fronteiras, com elevado sucesso na captura de financiamento internacional para o sistema científico português. No entanto, continuam a ser ignorados internamente, já que 99% investigadores do IPMA continuam na base da carreira de investigação. Assim sendo, resta-nos perguntar ao Governo onde está a cultura de mérito de que tanto se fala e que tanto preconiza? Como pretende atrair capital humano de relevo para os quadros do Estado nestas circunstâncias? Será que apenas existem “mentes brilhantes” a trabalhar fora dos Laboratórios de Estado e só a estes é que se deve permitir uma verdadeira carreira de investigação?
A progressão na carreira de investigação é fundamental para o normal funcionamento das instituições, para aumentar a eficiência, eficácia e produtividade dos serviços, para manter os investigadores motivados, para proporcionar aos investigadores as necessárias expectativas de progressão, para reconhecer o trabalho realizado, e para promover uma verdadeira cultura de mérito.
Embora o congelamento da progressão das carreiras tenha sido cancelado (apenas no papel até ao momento) na anterior legislatura, todos sabemos que nos últimos 2 anos a situação do país e de cada um de nós, se agravou de forma dramática com a pandemia que atravessamos (e da qual ainda não estamos livres) e com a atual situação de instabilidade económica e financeira, que levou a um aumento exacerbado da inflação, com a consequente quebra do poder de compra dos investigadores, à semelhança de todos os outros cidadãos. Paralelamente, e ao nível de Recursos Humanos, cada vez mais se fala, debate, prioriza e tenta implementar uma cultura de “work life balance”, que põe em evidência a necessidade do equilíbrio emocional associado ao desempenho profissional. Profissionais motivados, está provado, têm um melhor desempenho. No entanto, apesar de todas estas tendências societais estarem a emergir no mundo atual, há quem veja o seu mérito e esforço a ser continuamente ignorado ao longo de décadas. E isto é simplesmente inadmissível, porque representa tudo o que foi anteriormente elencado: desrespeito, desconsideração e descrédito por aqueles que toda uma vida se dedicaram às instituições do Estado e à causa pública, muitas vezes com sacrifícios pessoais, sem que vejam por parte daquele que os tutela, o devido reconhecimento.
Face ao exposto, os investigadores do IPMA exigem ao Governo que não dê com uma mão e tire com a outra, e agilize as autorizações necessárias e crie condições, até ao final do ano, para que os concursos internos para progressão na Carreira de Investigação sejam abertos, tal como preconizado no Decreto-Lei n.º 112/2021. Se tal não se vier a verificar, os investigadores do IPMA decidirão quais as ações a implementar de modo a ir ao encontro dos seus fundamentados e mais do que justos anseios.
Pelos Investigadores do IPMA,
O presidente do Conselho Científico do IPMA,
Pedro Pousão-Ferreira
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico