Viagens presidenciais. Sampaio faltou a funeral do rei da Jordânia por não ter autorização da AR

Em 1999, Jorge Sampaio não foi à Jordânia por não querer incumprir com a norma constitucional.

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Jorge Sampaio não foi, em 1999, ao funeral do rei da Jordânia porque o Parlamento não conseguiria votar a tempo a sua deslocação Daniel Rocha

Esta terça-feira, o Parlamento dividiu-se quanto à aprovação da viagem de Marcelo Rebelo de Sousa ao Qatar, acabando por aprová-la. Eurico Brilhante Dias, líder da bancada parlamentar socialista, afirmou que a norma que obriga as visitas oficiais do Presidente da República a serem aprovadas na Assembleia da República é apenas uma “caução constitucional”. Dá-se que, em 1999, a interpretação restrita da mesma norma feita por Jorge Sampaio impediu-o de ir ao enterro de Hussein, rei da Jordânia: o rei havia morrido num domingo e o Parlamento não conseguiria votar a viagem presidencial a tempo do funeral. Jorge Sampaio optou por não ir.

Sampaio reflectiu, reflectiu, mas às oito da noite decidiu que não arriscava.” Era assim que, em Fevereiro de 1999, a jornalista Isabel Braga narrava aos leitores do PÚBLICO a dúvida constitucional de Jorge Sampaio, à época Presidente da República, aquando da morte do rei Hussein da Jordânia. Acabou por ser António Costa, actual primeiro-ministro e na altura ministro dos Assuntos Parlamentares, a ser mandatado para representar Portugal nas cerimónias fúnebres.

Em Portugal, soube-se da morte do rei da Jordânia ao meio-dia de domingo. Para poder participar nas cerimónias fúnebres, Jorge Sampaio teria de partir no mesmo dia. Só que o artigo 129.º da Constituição deixa clara a “perda de cargo” se o Presidente da República se deslocar em visitas oficiais sem autorização da Assembleia da República ou da sua Comissão Permanente. Depois de algumas horas de ponderação, Jorge Sampaio interpretou o artigo à letra e optou por não ir.

António Almeida Santos, então presidente da Assembleia da República, sugeriu-lhe que fosse na mesma, garantindo-lhe que não levantaria qualquer problema. Mas Jorge Sampaio, considerando que tal abriria um precedente grave, recusou a sugestão. Apesar da consideração de Sampaio, durante a presidência de Mário Soares era prática parlamentar aprovar as deslocações presidenciais após estas ocorrerem.

A presença do rei na capital

Depois deste dilema constitucional — que resultou na ausência do Presidência da República de um funeral onde se encontraram muitos dos principais líderes mundiais de então —, Jorge Sampaio escreveu a Almeida Santos uma carta em que considerava que a norma constitucional não se aplicava à realidade e propondo que esta passasse a prever situações de emergência. Hoje, a norma constitucional mantém-se com a mesma redacção de 1999.

Esta terça-feira, no Parlamento, Eurico Brilhante Dias recorreu à história para explicar o contexto deste artigo 129.º: “Esta norma que encontramos na Constituição recua a 1822, quando se determinava que o rei não podia sair do território nacional.” Numa altura em que está aberto um processo de revisão da lei fundamental, o PS não faz qualquer referência a esta questão na proposta de alteração à Constituição que entregou no Parlamento.

Em 1999, o constitucionalista Jorge Miranda recordava, ao PÚBLICO, a mesma origem: “As cortes, que ficaram em Lisboa [durante e após as invasões napoleónicas], desejavam a presença do rei na capital do país, o que acabou por acontecer em 1821. Daí ter aparecido nas constituições que os reis, e depois os presidentes da República, não poderiam ausentar-se sem autorização dos parlamentos.”

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