Arrotos e caganitas – O impacto dos ruminantes no aquecimento global
À saída do aeroporto de Lisboa encontra-se um cartaz de um partido político que quer convencer o observador mais desinformado de que os bovinos são os culpados pelo aquecimento global e pela seca que assola o país. Este cartaz encerra pelo menos um de dois enormes MI: Muita Ignorância ou Má Intenção. É preciso desmascarar os dois.
Ironicamente, o cartaz foi colocado ao lado do aeroporto de onde descolam anualmente qualquer coisa como 255.000 aviões, emissores por excelência de gases com efeito estufa. Porque não pensaram em colocar a imagem de um avião e o pedido de encerramento dos aeroportos para salvar o planeta (para além de tudo resolvia de vez a questão da nova localização do aeroporto)? Porque tal não interessa a quem alimenta esta raiva à produção de ruminantes.
Na verdade, o que interessa é criar a ideia de que os gases emitidos pelos ruminantes têm muito maior responsabilidade no aquecimento global do que a queima dos combustíveis fósseis. Era preciso um bode ou mesmo um boi expiatório. Aliás, estes desinformadores até tiveram a ajuda de um relatório disparatado e cheio de erros de metodologia, publicado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) em 2015. Só depois do relatório circular por tudo o que é redes sociais e media facciosa, é que os autores se vieram retractar. As correcções não tiveram, obviamente, a mesma publicitação.
Lembrar o Ciclo do Carbono
Porque é que este cartaz revela Muita Ignorância? Porque se baseia em falsos pressupostos, nenhuma Ciência, contas malfeitas e, mais grave, completa desconsideração pelas consequências das alternativas – um planeta sem pecuária e principalmente sem ruminantes domésticos.
Comecemos pelo princípio. Sim, é verdade que os bovinos emitem gases de efeito estufa à base de carbono. Sim, é verdade que um desses é o famigerado metano (produzido por bactérias no estômago – rúmen – dos ruminantes) que tem 30 vezes maior potencial de aquecimento do que o dióxido de carbono, apesar de não nos podermos esquecer que é convertido em dióxido de carbono em apenas 12 anos depois de subir para a atmosfera.
Mas o que parecem querer fazer-nos esquecer é o que aprendemos na escola básica – que este carbono provém da erva que os animais ingerem e que, por vez, é retirado da atmosfera através da fotossíntese que ocorre nas plantas. É o chamado Ciclo do Carbono. Nada se acrescenta tudo se recicla, ou como diria Lavoisier “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Isto quer dizer que, se não aumentarmos o número de ruminantes no mundo, o impacto que estes têm no aumento de gases de efeito estufa é… zero. Como, na verdade, o número de ruminantes está a diminuir, porque as vacas são cada vez mais eficientes produzindo mais unidades de leite ou carne por animal, então até temos uma redução da responsabilidade no aquecimento global.
Adicionalmente, a Ciência propõe que o próprio cálculo do potencial de aquecimento global (Global Warming Potential – GWP) deste metano, tradicionalmente associado à capacidade de aquecimento do dióxido de carbono, seja revisto tendo em conta a rápida transformação daquele gás. Em substituição do GWP é sugerido o uso de GWP* que reflete melhor o comportamento e o impacto do metano (ver Allen MR et al. (2018). A solution to the misrepresentations of CO2-equivalent emissions of short-lived climate pollutants under ambitious mitigation.
Ao invés, o metano e o carbono, que resultam dos processos de extracção e queima dos combustíveis fósseis resgatados das profundezas da Terra, onde estavam quietos e guardados há muitos milhões de anos, estão a ser constantemente adicionados à equação. Adicionados, sublinhe-se. Ao libertá-los para a atmosfera, os humanos estão a somar mais carbono e a reciclar nada. Como comparar, então, as vacas do cartaz que nada acrescentam ao que existe com os 250 mil aviões que daquele aeroporto arrotam milhões de toneladas de novo carbono?
Também nos querem fazer crer que o metano emitido nas outras actividades com mão humana é pouco significativo. Que grande embuste. Lembram-se dos ataques às condutas submarinas do Nord Stream? Só no rombo na tubagem dinamarquesa foi libertado para a atmosfera o equivalente a toda a produção de metano (incluindo das vacas) da Dinamarca durante um mês. Aliás, estas fugas de metano são gigantescas em todo o processo de extracção, condução, processamento e uso do gás natural. Das fábricas de fertilizantes químicos usados na agricultura (voltaremos a isto mais abaixo) calcula-se que é libertado 100 vezes mais metano do que era primeiro admitido. Interessa divulgar? Claro que não. Outras fontes esquecidas são os aterros sanitários, os campos de arroz, as estações de tratamento de esgotos, etc.
Mas há ainda vários outros factores que parecem não querer juntar à equação – o impacto positivo dos ruminantes sobre a fertilidade dos solos, sobre a preservação da biodiversidade, sobre a limpeza dos terrenos e, portanto, na preservação dos fogos florestais, sobre a fixação das populações nas zonas rurais; e das pastagens no sequestro do carbono; para além das vantagens da dieta omnívora na saúde humana ao proporcionar nutrientes essenciais, impossíveis de obter dos alimentos ultraprocessados e muito limitados, que compõem a dieta vegetariana ou vegan.
É hoje perfeitamente consensual que a eliminação da pecuária não traria nem maior saúde humana nem maior sustentabilidade ambiental, mas antes desnutrição, empobrecimento e desertificação. A adubação natural desapareceria e seria substituída por fertilização química intensiva e poluidora (e.g. produtora de metano); a imensa flora e fauna que depende da ocupação e renovação dos terrenos pelo gado, estaria condenada à extinção; as zonas rurais seriam (ainda mais) abandonadas deixando as florestas entregues aos incêndios selvagens; os artigos naturais e biodegradáveis à base de couro e lã seriam (ainda mais) substituídos por sintéticos de que resultam os microplásticos. Também está comprovado que não seria possível produzir alimento suficiente para uma população mundial crescente (a caminho dos 9 mil milhões), já que apenas os ruminantes conseguem aproveitar os vegetais que crescem em zonas áridas e pouco férteis transformando-os em nutrientes preciosos para os humanos. Para além disso, as consequências das carências alimentares resultantes de dietas sem produtos de origem animal seriam dramáticas para o desenvolvimento das crianças e jovens.
Taxar os arrotos
Quando vivi na Nova Zelândia percebi como este é um país que suporta quase todas as suas regras e decisões no simples bom-senso. Fiquei, portanto, surpreso quando li a proposta de taxar os produtores pelos arrotos dos seus ruminantes. Este é um país com cerca de 5 milhões de pessoas, 30 milhões de ovelhas e 10 milhões de bovinos, ou seja, com uma produção de arrotos de metano bastante significativo. O que faz pena é verificar que mesmo este país maravilhoso, muito dependente da agricultura e (aparentemente) muito pragmático, se deixou contaminar por medidas populistas. Dizem que a medida se destina a promover melhores práticas e, de certa maneira, forçar os produtores a aumentar a eficiência e, portanto, a produção acrescida por animal. Só que asfixiar o produtor poucos resultados trará.
Aliás, a medida seria mais justa se considerasse devolver o valor dos benefícios que a produção animal traz em termos de sustentabilidade ambiental. Ou seja, cobrar por cada arroto, mas devolver por cada caganita.
Acabo com duas considerações importantes:
Acredito que estão a ocorrer alterações climáticas dramáticas e a uma velocidade estonteante. Acredito que estas alterações se devem, essencialmente, às actividades humanas, e, principalmente, à devolução à atmosfera do carbono armazenado nos combustíveis fósseis.
Considero que a produção animal deve ser regulada e controlada de forma a conseguir uma maior eficiência, resultante de animais com níveis superiores de saúde e bem-estar. A Ciência já mostrou os caminhos para conseguir elevadas produções de animais criados em completo respeito pela sua qualidade de vida e dignidade. Aqueles que não conseguirem atingir estes objectivos deverão ser afastados.