Óxido nitroso: o gás hilariante é uma ameaça climática (e isto não tem piada)

Um dos gases de efeito estufa mais potentes, o óxido nitroso retém 300 vezes mais calor do que CO2. À medida que as emissões aumentam, torna-se mais difícil limitar o aquecimento global.

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A maior parte do óxido nitroso produzido no planeta (por acção humana) é originada na agricultura Getty/Volker Hartmann

O óxido nitroso (N2O) não é apenas uma substância psicoactiva cujo uso prolongado pode causar graves danos à saúde humana. O chamado “gás hilariante” está também a colocar em risco a saúde do planeta. Um dos gases com efeito estufa mais potentes, o N2O tem um poder de retenção de calor quase 300 vezes maior do que o dióxido de carbono (CO2). À medida que as emissões aumentam, torna-se cada vez maior o desafio de limitar o aquecimento global.

“Uma molécula de óxido nitroso (N2O) equivale a quase 300 de CO2, tem um poder tremendo. Quando falamos de alterações climáticas, falamos muitas vezes do CO2 mas esquecemos o N2O”, explica ao PÚBLICO Célia Alves, investigadora principal do Laboratório Associado do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro.

Este gás incolor é não só utilizado como anestésico em hospitais e clínicas odontológicas, mas também para fins industriais em diversos sectores, da alimentação à pirotecnia. É usado como agente oxidante em motores de foguetes, optimizador na queima de combustível na engenharia automóvel e, por fim, como propelente em aerossóis de chantilly.

As recargas de chantilly, destinadas especificamente para a preparação de sobremesas, têm sido usadas como fonte de “gás hilariante”. Se, por um lado, proporciona descontracção e euforia quase imediatas a quem o inala numa festa ou num encontro íntimo; por outro, o uso excessivo da substância pode causar deficiência vitamínica, neuropatias, infertilidade e até a morte.

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Recargas de gás para a indústria alimentar imnotdead/Pexels

O óxido nitroso integra a lista portuguesa de substâncias psicoactivas de venda proibida desde Setembro. A substância tem sido cada vez mais usada para fins recreativos na Europa, segundo um relatório recente do Observatório Europeu para a Droga e Toxicodependência. No Reino Unido, por exemplo, é a substância psicoactiva mais consumida entre os jovens. Em Nova Iorque, é preciso apresentar um comprovativo da idade para comprar uma recarga de chantilly.

Agricultura é a principal fonte

A utilização do N2O nos diferentes sectores da indústria, contudo, representa apenas uma pequenina fatia das emissões de óxido nitroso que agravam a crise climática. “É necessário deixar claro que a maior parte do óxido nitroso produzido no planeta por acção antrópica [ou seja, pela mão humana] é originada na agricultura, devido ao aumento da disponibilidade de azoto no solo, pela aplicação de fertilizantes e decomposição de matéria orgânica”, observa a cientista do CESAM.

Embora estejamos a falar da mesma molécula, seja no gás do chantilly seja no estrume bovino, o grande sector responsável pela produção antropogénica de óxido nitroso é mesmo a agro-pecuária. O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa) alertava para isso mesmo no relatório de 2022: “os ecossistemas agrários contribuem substancialmente para as emissões globais de óxido nitroso e metano”.

Estas emissões são originadas pela gestão dos solos e da água, como a aplicação de adubos de síntese e a criação de gado (actividade que, por sua vez, pode implicar a desflorestação). Estima-se, ainda segundo o IPCC, que cerca de 60% do total de emissões de óxido nitroso (valor referente ao período 2007-2016) provenha mesmo de ecossistemas naturais, especialmente nos trópicos.

O óxido nitroso, como o CO2, é um gás de efeito estufa de longa duração que se acumula na atmosfera. Na troposfera, tem um poder de absorção “tremendo” da energia térmica – e, portanto, é também um alvo de mitigação –, ao passo que, na estratosfera, degrada a camada de ozono. Como tem um tempo de vida útil superior a um século – à volta de 114 anos –, é um gás que persiste, persiste e vai fazendo estragos.

“Nos últimos 150 anos, o aumento das concentrações atmosféricas de N2O contribuiu para a destruição do ozono estratosférico e para as mudanças climáticas, com a actual taxa de aumento estimada em 2% por década”, alerta um estudo publicado em 2020 na revista científica Nature.

Os cientistas afirmam que as emissões globais de óxido nitroso, produzidas pela mão humana, aumentaram 30% nas últimas quatro décadas. Esta subida deve-se sobretudo à adição do azoto como fertilizante às terras cultivadas países designados como “economias emergentes” – particularmente o Brasil, a China e a Índia. Por fim, os autores do artigo sublinham “a urgência de mitigar as emissões de N2O.”