Há quase um ano, em Dezembro de 2021, Gabriel Boric foi eleito Presidente do Chile. Durante a campanha, a sua companheira, Irina Karamanos, já dava pistas sobre a sua opinião em relação ao papel de primeira dama: “É uma posição que merece ser repensada porque estamos em tempos diferentes, muita coisa mudou e temos que repensar o poder e as relações que dele emergem”, disse, na altura.
Desde que o companheiro (não são casados) de 35 anos tomou posse, em Março, a cientista social de 33 começou a trabalhar para mudar o papel. O seu plano era passar as responsabilidades da primeira-dama para os ministérios que acredita estarem mais vocacionados para as assumir. Neste caso, a direcção de seis fundações, programas relacionados com crianças, um museu de ciência e uma organização para o desenvolvimento das mulheres.
Filha de imigrantes — mãe uruguaia com ascendência alemã e pai grego —, fluente em quatro línguas e com diplomas em Ciências da Educação e Antropologia pela Universidade de Heidelberg, na Alemanha, não se via como alguém que abdicaria do sucesso profissional em prol da decisão de outra pessoa. “A partir de agora, tudo o que eu fizer vem em segundo lugar. A primeira coisa pela qual me vão conhecer é por ter sido a companheira do Presidente”, disse ao Washington Post.
No início de Outubro anunciou que ia deixar a presidência de uma das fundações ao seu cuidado. Irina Karamanos, até então à frente da Direcção Sociocultural da Presidência do Chile, explicou que depois de uma “modificação estatutária” na Fundação Integra, encarregada de administrar 1200 creches e pré-escolas no país, deixaria de a dirigir.
“Durante a campanha comprometemo-nos a transformar este espaço e eu a assumir esse papel. Ontem tivemos uma votação onde se aprovou unanimemente a modificação estatutária que implica que as primeiras-damas como figura já não serão quem preside, mas sim o ministro da Educação, neste caso, que deve designar um presidente ou presidenta segundo critérios de idoneidade profissional e com experiência sectorial”, referiu.
Não é a primeira mulher a não querer ser primeira-dama. Melania Trump foi silenciosa e fechada, Anne Malherbe Gosselin, casada com o antigo presidente do Equador Rafael Correa, não era muito presente, e Beatriz Gutiérrez Muller, casada com o Presidente do México Andrés Manuel López Obrador, continuou a trabalhar como professora. Tal como Jill Biden, que é a primeira mulher de um Presidente americano a ter um trabalho remunerado além do da Casa Branca.
A diferença é que nenhuma destas mulheres tentou mudar o cargo, como explicou Carolina Guerrero, cientista política chilena, ao Washington Post. Mas o caminho para esta mudança já tinha, de certa forma, começado a ser trilhado: Michelle Bachelet, que presidiu o país duas vezes — entre 2006 e 2010 e entre 2014 e 2018 —, delegou as tarefas da primeira-dama a duas mulheres, na primeira vez, e ao seu filho, na segunda.
E Irina aproveitou a rampa. No início de Outubro avisou que “o papel institucional da primeira-dama como o conhecemos” iria acabar. Além da Fundação Integra, também propôs uma votação para que o Museu da Ciência, que integrava as suas obrigações, passasse a ser gerido por uma pessoa escolhida pelo ministro da Cultura. Foi aprovado com unanimidade. E é isto que pretende fazer nas restantes instituições a seu cargo.
Apoiada por muitos chilenos, mas também severamente criticada por “não cumprir o seu papel”, Irina diz que quer acabar com a ideia de que um homem poderoso tem de ter uma mulher do seu lado para o amolecer. “Claro que tomo conta dele. Mas, e se não tomasse? O que aconteceria? Não poderia ser Presidente? Não é auto-suficiente?”
Continua a querer acompanhar o companheiro em alguns eventos, mas não pretende acompanhá-lo em todas as viagens ou cerimónias oficiais. Ainda não sabe o que pretende fazer quando deixar, totalmente, o cargo. A investigação relacionada com a educação é uma forte possibilidade.