O mais recente relatório publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos a nível mundial destaca o impacto da crise do saneamento nas águas subterrâneas que representam 99% da água doce líquida da Terra. O conteúdo deste documento, divulgado em Março, foi recordado este fim-de-semana quando se assinalou o Dia Mundial de Saneamento.
A directora-geral da UNESCO, Audrey Azoulay descreve no documento um quadro dramático gerador das crises hídricas actuais e futuras em todo o mundo: “Há cada vez mais recursos hídricos contaminados, superexplorados e esgotados pelo homem, às vezes com consequências irreversíveis”.
Uma em cada quatro pessoas a nível mundial não tinha acesso, em 2020, a água potável em condições de segurança, cerca de 4200 milhões de pessoas não dispunha de saneamento básico adequado, 2 mil milhões bebiam água exposta à contaminação por fezes (673 milhões de pessoas ainda defecam a céu aberto) e 80% das águas residuais são devolvidas aos ecossistemas sem serem tratadas ou reutilizadas.
Água imprópria e falta de saneamento são as principais causas da mortalidade infantil, destaca o relatório da UNESCO que adianta que a diarreia infantil, associada à escassez de água, saneamento inadequado, água contaminada com patógenos de doenças infecciosas e falta de higiene, causa a morte de 1,5 milhão de crianças por ano. A maioria deles com menos de cinco anos e em países em desenvolvimento.
Segundo a UNESCO, as necessidades de acesso à água “aumentarão aproximadamente 1% em cada ano” nas próximas três décadas. E “espera-se que a dependência das águas subterrâneas aumente à medida que a disponibilidade de água superficial se torna cada vez mais limitada devido às mudanças climáticas”, acentua o relatório da UNESCO no Dia Mundial do Saneamento.
As principais necessidades de recursos hídricos estão a ser satisfeitas com “as águas subterrâneas fornecem metade do volume consumido pelo uso doméstico da população mundial, e cerca de 25% de toda a água é utilizada para irrigação”, prossegue o relatório publicado em Março que assinala a efeméride deste sábado.
Em 2010 a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu o direito de todos os seres humanos a terem acesso a água em quantidade suficiente para uso doméstico e uso pessoal (entre 50 e 100 litros de água por pessoa por dia). Em Portugal o consumo de água per capita é 180 litros e nas unidades turísticas chega aos 800 litros no período estival.
Na África subsaariana as oportunidades oferecidas pelos grandes aquíferos “permanecem amplamente sub-exploradas”, lê-se ainda no relatório da UNESCO. Apenas 3% das terras agrícolas estão equipadas para irrigação, em comparação com 59% e 57%, respectivamente, na América do Norte e no Sul da Ásia.
A África subsaariana e o Médio Oriente, possuem quantidades significativas de águas subterrâneas não renováveis que podem ser extraídas para manter a segurança hídrica, mas receia-se que no futuro a situação possa vir a ser invertida com a deterioração dos armazenamentos subterrâneos.
Com efeito, taxas de captação “insustentavelmente altas” estão concentradas em áreas áridas e semiáridas, onde o crescimento populacional e a expansão das áreas irrigadas levaram a um “rápido crescimento na procura de água”.
Desta forma, o esgotamento das águas subterrâneas devido a captação intensiva para uso na agricultura está tornar-se problemática em certas áreas, “ameaçando a segurança alimentar, o abastecimento básico de água, a resiliência climática e a integridade ambiental de zonas húmidas e cursos de água dependentes de águas subterrâneas” avisa a UNESCO.
“A agricultura é a principal causa da poluição das águas subterrâneas em todo o mundo”, sublinha o documento que chama a atenção para o impacto provocado pelo uso de nitrato “o contaminante antropogénico mais prevalente nas águas subterrâneas em todo o mundo, levando à eutrofização das águas superficiais”. Acrescem ainda os insecticidas, herbicidas e fungicidas, quando aplicados ou usados de forma inadequada e que “também podem poluir os lençóis freáticos com substâncias cancerígenas e outras substâncias tóxicas”. Estima-se que a poluição agrícola “já ultrapassou” a contaminação provocada pela indústria.
Melhorar a forma como usamos e gerenciamos as águas subterrâneas “é uma prioridade urgente se quisermos alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030” conclui Gilbert F Houngbo presidente do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola.