Uma proposta apresentada pela União Europeia que prevê a criação de um fundo para financiar as perdas e danos nas nações mais vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas foi o motor da discussão nesta sexta-feira na Cimeira do Clima das Nações Unidas, em Sharm el-Sheikh. Mas foi já anunciado pela presidência egípcia que a COP27 se vai prolongar pelo menos até sábado, por falta de consenso.
“Em cima da mesa estão várias discordâncias, mas um dos aspectos mais cruciais são as perdas e danos, o apoio que pedem os países em desenvolvimento para lidarem com as catástrofes naturais agravadas pelo aquecimento global”, explicou, a partir de Sharm el-Sheikh, Francisco Ferreira, da associação ambientalista Zero, numa comunicação enviada a jornalistas portugueses.
A União Europeia apresentou uma proposta que tinha intenção de desbloquear as negociações sobre este tema. “Algumas partes insistem que querem um fundo, embora lhes tenhamos proposto um mosaico de possibilidades que permitiriam financiar as perdas e danos imediatamente, sem que fosse necessário um fundo. Mas, se essa é a única forma de chegarmos a acordo, podemos propor esse fundo, mas com algumas condições”, explicou aos jornalistas, em Sharm el-Sheikh, Frans Timmermans, vice-presidente executivo da Comissão Europeia que é responsável por pôr em prática o Pacto Ecológico Europeu, e que lidera a missão da UE.
O fundo deve ser dirigido aos países mais vulneráveis às alterações climáticas, afirmou. “E deve ser levada em conta a situação económica dos países em 2022 e não em 1992 [quando foi assinada a Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas], que é a proposta do G77 [o grupo de 134 países em desenvolvimento mais a China, que está a fazer finca-pé para que da COP27 saia um compromisso sobre um mecanismo para financiar as perdas e danos sofridos por causa das alterações climáticas]”, avisou Frans Timmermans.
O ano de referência é importante, porque a China, actualmente o maior emissor de gases com efeito de estufa e a segunda maior economia mundial, foi classificada como um país em desenvolvimento na convenção de 1992 – e poderia assim evadir-se de contribuir para este fundo.
Quem é “vulnerável"?
“No entanto, esta linguagem da UE não é aceite também por muitos países em desenvolvimento e pela sociedade civil, porque, ao considerar elegíveis apenas os países mais vulneráveis, exclui alguns que são cruciais em termos de prejuízos, como é o caso do Paquistão”, explica Francisco Ferreira.
Só os países que constam na lista da ONU dos países menos desenvolvidos podem ser considerados como mais vulneráveis às alterações climáticas. Assim sendo, o Paquistão, a braços com cheias colossais que cobriram um terço do país e foram relacionadas com o aquecimento global, não seria beneficiário de um fundo de perdas e danos criado com o critério apresentado no documento da UE.
“O Paquistão, pelas recentes cheias, é um exemplo de que a discriminação entre países é complicada. Devemos, sim, falar das pessoas mais vulneráveis às alterações climáticas”, acentua Francisco Ferreira.
Um dos momentos altos do dia de sexta-feira foi quando a menina ganesa de dez anos Nakeeyat Dramani, convidada por 58 nações menos desenvolvidas, se dirigiu ao plenário da COP27. Ela falou de como imagina o seu mundo se viver até chegar à idade de John Kerry, o enviado especial para o clima dos Estados Unidos, que tem 78 anos.
“Algumas comunidades têm pago um preço elevado desde que algumas pessoas lançaram fogo ao nosso planeta”, disse Nakeeyat Dramani, citada pelo Washington Post. “Isto exige que se ponha uma questão simples a quem começou estes fogos: quando é que nos podem reembolsar? O pagamento está atrasado”, disse ela.
É uma pressão intencional sobre os Estados Unidos, o país que, historicamente, é o maior emissor de gases com efeito de estufa para a atmosfera, e se tem mantido renitente na questão das perdas e danos. “Países como os EUA, o Japão ou a Suíça consideram que avançar com um fundo seria assumir a responsabilidade, admitir que há uma causa e efeito em termos jurídicos” entre as suas emissões, o aquecimento global e as catástrofes naturais agravadas pelas alterações climáticas, explica Francisco Ferreira. “Seria como abrir um precedente.”
Estados Unidos e China são hoje os dois maiores emissores, e nesta COP27 retomaram a colaboração na área do clima. Mas nenhum dos dois respondeu ainda à proposta da UE.
Nas contrapartidas da proposta europeia, está ainda que os países devem esforçar-se mais para reduzir as suas emissões de gases com efeito de estufa. “Mitigação, adaptação, perdas e danos, tudo isto funciona em conjunto. Se a proposta europeia for aceite, tudo isto funciona como um pacote”, afirmou Frans Timmermans.
“A UE quer assegurar-se de que fica presente [na declaração final da COP27] o objectivo de aquecimento global máximo de 1,5 graus, e de linguagem sobre o fim dos combustíveis fósseis, nomeadamente o carvão”, salienta Francisco Ferreira.
Há mais uma proposta de ministros presentes nas negociações que, resumidamente, colocam três hipóteses: criar um fundo já; criar um fundo daqui a um ano, na COP28; ou não criar um novo fundo, canalizando antes meios já existentes para este fim.
Ainda sem se ver o fim
Existe ainda um novo documento de trabalho para o texto final da cimeira, mais conciso, mas que continua a deixar em aberto estes pontos polémicos, como que mecanismo financeiro poderá ser criado para ajudar os países mais vulneráveis a enfrentar as consequências das alterações climáticas – como tempestades, inundações e secas mais frequentes e mais intensas.
“O documento é agora mais curto e objectivo, mas ainda está longe daquilo que é necessário. Por exemplo, a linguagem relativamente aos combustíveis fósseis está praticamente igual à usada no ano passado, na COP26, em Glasgow, não há melhorias”, frisa Francisco Ferreira. “Também é fraco na ambição para a redução de emissões, que é crucial”, acrescenta.
Além de deixar literalmente um espaço a preencher para o que for decidido sobre um fundo para as perdas e danos. O documento apenas “expressa profunda preocupação com os custos financeiros significativos associados às perdas e danos que têm os países em desenvolvimento, o que resulta no aumento do peso do endividamento e prejudica o cumprimento dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável de 2030”.
“O tema das perdas e danos surgiu pela primeira vez em 2013 e o que é um facto é que já se passaram nove anos e não foi operacionalizado”, sublinha Francisco Ferreira. Tanto que só este ano entrou na agenda oficial da cimeira.
“Em síntese, a conferência vai continuar com reuniões esta noite, com a apresentação de novos textos pela presidência, muitas reuniões bilaterais e entre vários países. Vamos a ver se temos de amanhã [sábado] a domingo um progresso significativo e se se chega a boas decisões. Sabemos que não será fácil”, concluiu.