Mudanças climáticas tornaram cheias na Nigéria 80 vezes mais prováveis

Aquecimento global teve um papel nas cheias históricas deste ano na Nigéria e noutros países da África Ocidental. Ao todo, morreram mais de 800 pessoas e 1,5 milhões ficaram deslocadas.

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A Nigéria é o país de África com a maior população AKINTUNDE AKINLEYE/EPA

As alterações climáticas multiplicaram por 80 a probabilidade de chuvas intensas causarem as inundações históricas que a Nigéria sofreu nos últimos meses, que levaram à morte de mais de 600 pessoas e devastaram a agricultura do país, de acordo com um estudo científico divulgado esta semana.

As inundações fora do normal, que também afectaram o Níger, o Chade e mais países vizinhos forçaram a deslocação de mais de 1,4 milhões de pessoas e destruíram centenas de milhares de hectares de searas, em plena crise alimentar decorrente da invasão russa da Ucrânia.

A principal causa identificada foi o nível excepcional de precipitação na região em torno do Lago Chade. Ora, “as alterações climáticas causadas pela actividade humana tornaram este acontecimento 80 vezes mais provável e 20% mais intenso”, concluiu o World Weather Attribution (WWA), que lançou o relatório.

Na África Ocidental, a estação das chuvas decorre normalmente entre Maio e Outubro. No entanto, o relatório aponta que este ano as chuvas “chegaram mais cedo e em muitas regiões foram acima da média”, lê-se no comunicado. Este excesso de chuva provocou cheias na Nigéria e no Níger logo em Junho, no Chade em Julho, no mês seguinte nos Camarões e, por fim, em Setembro no Benim.

O resultado foi devastador, principalmente na Nigéria e no Níger, onde morreram 612 e 195 pessoas respectivamente. Na Nigéria, 34 dos 36 estados tiveram problemas com as cheias. Ao todo, 3,2 milhões de pessoas foram afectadas, 1,5 milhões ficaram deslocadas e 2776 feridas. Mais de 300 mil casas foram danificadas pelas cheias só naquele país.

A WWA foi procurar entender qual o papel das alterações climáticas na quantidade de precipitação. O trabalho juntou cientistas da Nigéria, dos Camarões, da Índia, dos Países Baixos, da França, da Dinamarca, da África do Sul, da Suécia, dos Estados Unidos e do Reino Unido. Pioneira, esta rede mundial de cientistas impôs-se nos últimos anos pela sua capacidade de avaliar, em pouco tempo, a ligação entre acontecimentos meteorológicos extremos e as alterações climáticas.

Para isso, os cientistas foram procurar modelos climáticos que se aproximassem aos padrões meteorológicos daquela região. Os modelos “que passam o nosso teste de avaliação também mostram de uma forma geral um aumento na probabilidade e na intensidade de chuvas extremas, particularmente sobre a bacia do lago Chade”, lê-se no sumário das conclusões.

Os cientistas examinaram o pico de precipitações ao longo de sete dias na bacia inferior do rio Níger, na Nigéria. Concluíram que “as alterações climáticas tornaram o acontecimento duas vezes mais provável e cerca de cinco por cento mais intenso”. Na região do lago Chade, que toca no extremo Nordeste da Nigéria, “as pluviometrias superiores à média” registadas este ano “tiveram uma hipótese em 10 de ocorrer todos os anos”, quando eram raríssimas antes do impacto climático resultante do uso de combustíveis fósseis, avançou o WWA.

Apesar disso, como a precipitação na região é muito variável, há muitas incertezas nas estimativas feitas pelos modelos. Ou seja, apesar das alterações climáticas terem um papel na precipitação futura, são apenas um de vários factores do clima da região. Mas o relatório deixa um alerta: “Há uma necessidade urgente de melhorar drasticamente a gestão da água e reduzir a vulnerabilidade durante a estação das chuvas [naquela região].”

Entre os seus estudos anteriores, o WWA concluiu que a seca do último Verão no Hemisfério Norte tinha tido uma probabilidade de ocorrência “pelo menos 20 vezes superior” devido ao aquecimento global provocado pelos gases com efeito de estufa. Apontou também, da mesma forma, que a canícula de 2021 no noroeste do Canadá e dos EUA teria sido “praticamente impossível” sem as alterações climáticas.

Os seus resultados, produzidos rapidamente e divulgados sem serem revistos por pares, são obtidos com a combinação de métodos aprovados pela comunidade científica, desde logo a informação meteorológica histórica e os modelos climáticos.