MP abre inquérito a mensagens de ódio de agentes da PSP e da GNR nas redes sociais

Mais de três mil publicações de militares da GNR e agentes da PSP, nos últimos anos, mostram que as redes sociais são usadas para fazer o que a lei e os regulamentos internos proíbem.

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Todos os agentes e militares da PSP e da GNR que escreveram estas frases nas redes sociais estão no activo. RITA CHANTRE/Arquivo

O Ministério Público (MP) instaurou um inquérito sobre as revelações, publicadas no PÚBLICO e noutros meios de comunicação social, acerca de mensagens de ódio, algumas com teor racista, publicadas nas redes sociais por militares da GNR e agentes da PSP.

Em resposta ao PÚBLICO esta quinta-feira, a Procuradoria-Geral da República confirmou a abertura deste inquérito que corre termos no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa.

Em comunicado divulgado na quarta-feira, a Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP) adiantava a participação às autoridades judiciais dos indícios divulgados por uma investigação jornalística, nomeadamente “conteúdos escritos e frases aparentemente publicados em redes sociais fechadas e alegadamente atribuídos […] a alguns polícias da PSP”.

A PSP referia que desde 2019 se registaram seis condenações disciplinares e que há nove processos disciplinares em instrução “por indícios (…) da prática de comportamentos racistas, xenófobos ou de incitamento ao ódio, no desempenho de funções ou por comentários censuráveis nas redes sociais”.

Racismo e violência

A reportagem, da autoria de um consórcio de jornalistas de investigação e publicada no PÚBLICO, na SIC, no Setenta e Quatro, Expresso e na revista Visão, mostra que as redes sociais são usadas para fazer o que a lei e os regulamentos internos proíbem, com base em mais de três mil publicações de militares da GNR e agentes da PSP, nos últimos anos.

No trabalho são apresentados diversos casos de publicações como: “Procura-se sniper com experiência em ministros e presidentes, políticos corruptos e gestores danosos”, diz o texto sobre a imagem do cano de uma espingarda que um militar da GNR de Vendas Novas publicado no Facebook.

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Agentes da PSP e militares da GNR assinam publicações investigadas Ricardo Lopes/Arquivo

“Enquanto não limparem um ou dois políticos, não fazem nada…”, sugere um militar da GNR de Setúbal no grupo fechado Colegas GNR.

Todos os agentes e militares da PSP e da GNR que escreveram estas frases nas redes sociais estão no activo. Muitos deles usam o seu nome verdadeiro e os seus perfis pessoais para fazer ameaças e praticar uma longa lista de crimes públicos, bem como dezenas de infracções muito graves aos seus códigos de conduta e estatuto profissional.

Várias publicações mostram ainda inclinações racistas, xenófobas e homofóbicas destes agentes. Nos subúrbios de Lisboa, há um agente que trata o primeiro-ministro por “chamuças”. Um colega seu, da Azambuja, junta ao racismo a difamação: “O monhé está por trás da podridão que é o partido xuxa.” Um agente da PSP de Setúbal partilha uma petição para “afastar o juiz Ivo Rosa de toda a magistratura” e classifica o primeiro-ministro de “estirpe indiana” do “vírus que mais ataca Portugal”.

“Sou racista”, orgulha-se um agente da PSP. “Sou racista para quem vive que nem um parasita na sociedade”, repete um militar da GNR do distrito da Guarda. Um agente da PSP de Setúbal refere-se aos ciganos como “raça indesejável”. Um cabo da GNR de Braga discrimina assim: “Os paneleiros não têm sentimentos. Como é que podem falar em educação?”

A Inspecção-Geral da Administração Interna anunciou um inquérito para apurar indícios de procedimentos disciplinares aos agentes das forças de segurança.

O Ministério da Administração Interna afirmou, em comunicado, que “estas alegadas mensagens, que incluem juízos ofensivos da honra ou consideração de determinadas pessoas, são de extrema gravidade e justificam o carácter prioritário do inquérito agora determinado à IGAI.

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António Costa foi um dos visados nas publicações António Cotrim/Lusa

Chega desvaloriza

O presidente do Chega, André Ventura, acusou o Governo de ter uma “atitude persecutória” e de “humilhação” dos polícias e afirmou que vai denunciar o caso à Comissão Europeia. Por outro lado, o partido garante desconhecer a profissão dos seus militantes, pelo que não pode adiantar quantos elementos das forças policiais militam no Chega.

“O Chega é frontalmente contra, conforme os seus estatutos deixam claro, quaisquer práticas de racismo, xenofobia ou discriminação”, disse, numa declaração à imprensa na Assembleia da República, em Lisboa.

Ventura acusou o Governo de ter uma “atitude persecutória sobre as forças policiais” e “querer espezinhar toda uma classe com base em participações de mensagens em grupos privados para denegrir a sua imagem”. “Pior, fá-lo procurando associar estas práticas a um determinado partido, que é o Chega”, criticou.

Classificou como “amostra muito insignificante” os casos conhecidos e referiu que os posts em causa são expressões de “estados de alma”.

PS preocupado com caso

O Partido Socialista adiantou estar a acompanhar este caso com preocupação, com a deputada Joana Sá Pereira a reagir a esta investigação. “São afirmações e comportamentos que, a confirmarem-se, podem ser questionáveis no Estado de direito democrático, e aquilo que nós não podemos fazer é contribuir para a descredibilização das forças e serviços de segurança, para a autoridade do Estado que é fundamental no quadro do Estado de direito democrático”, reagiu a deputada socialista.

O PSD pediu que sejam investigadas “ao limite” as denúncias preocupantes sobre membros da GNR e PSP, considerando fundamental o apuramento de responsabilidades para “separar o trigo do joio” nas forças de segurança, que “são de excelência”.

Já a Iniciativa Liberal condenou “tudo o que sejam manifestações de racismo”, defendendo porém que estes casos “não podem manchar” a confiança na globalidade dos polícias, criticando tentativas de instrumentalização por parte de partidos.

PCP e BE querem ouvir ministro

O PCP requereu uma audição urgente ao ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, e à inspectora-geral da Administração Pública, Anabela Cabral Ferreira, sobre o envolvimento de polícias e militares da GNR em mensagens de incitamento ao ódio.

Também o Bloco de Esquerda (BE) pediu a audição parlamentar urgente de José Luís Carneiro. Num requerimento enviado à Lusa, o BE refere que “muitos dos comportamentos relatados configuram mesmo a prática de crimes como discriminação e incitamento ao ódio e à violência, ameaça, incitamento à desobediência colectiva, coação contra órgãos institucionais, difamação, discriminação racial e religiosa, incitamento à alteração violenta do Estado de direito, incitamento à desobediência colectiva, entre outros”.