Como o processo de atribuição do Mundial mudou a face da FIFA

Entre acusações de corrupção, suspensões e saídas forças, o organismo que rege o futebol mundial sofreu um golpe profundo nos últimos anos.

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Blatter abandonou a FIFA em 2015, por ser acusado de vários casos de corrupção. Reuters/ARND WIEGMANN

A 2 de Dezembro de 2010, a FIFA, pelas mãos do seu então presidente, Joseph Blatter, anunciou que o Mundial de futebol de 2022 iria realizar-se no Qatar. Um anúncio que rompeu com a lógica habitual de manter a prova num país com tradição na modalidade e que adensou as suspeitas de corrupção em torno do maior torneio de selecções do planeta.

Ainda antes da votação final do Comité Executivo da FIFA para decidir quem organizaria o Campeonato do Mundo (para além do Qatar, a outra candidatura era a dos Estados Unidos), dois dos seus membros foram impedidos de participar no sufrágio. De acordo com uma publicação do Sunday Times, o nigeriano Amos Adamu e o taitiano Reynald Temarii estariam dispostos a venderem o seu voto e foram, por isso, afastados do processo.

No ano seguinte, a FIFA baniu outro membro do seu comité, o catarense Mohammed bin Hammam, na altura presidente da Confederação Asiática de Futebol e peça-chave na preparação da candidatura do seu país ao Mundial. Tal como Adamu e Temarii, o dirigente foi acusado de tentar comprar votos em favor da sua candidatura.

O caso ganhou tal dimensão que, em 2012, a FIFA convidou mesmo o procurador norte-americano Michael Garcia para liderar uma investigação às suspeitas de corrupção em torno da atribuição do Mundial de 2022 ao Qatar (entre outras). Esse trabalho terminou em 2014, mas o organismo só publicou um resumo de 42 páginas do relatório final (que tinha 400 e ficou conhecido como “Relatório Garcia”). Garcia acabou por demitir-se e o documento só foi divulgado na sua totalidade três anos mais tarde.

No relatório, é apontado que que Harold Mayne-Nicholls, na altura presidente da Federação Chilena de Futebol e líder da equipa que avaliou as propostas para os Mundiais de 2018 e 2022, pediu vários favores pessoais (entre os quais um emprego para o seu filho na Academia Aspire, no Qatar), o que terá posto em causa a integridade do processo.

Denúncias de peso

A polémica, no entanto, continuou a escalar, com o então secretário-geral da FIFA, Jérôme Valcke, a afirmar que o Qatar comprara a decisão de atribuição do Mundial, ou com o encontro entre Michel Platini (então presidente da UEFA) e Nicholas Sarkozy (então Presidente francês), no qual o então chefe de Estado terá pedido a Platini para votar na candidatura do Qatar. Todos estes episódios acabaram por levar à saída de várias figuras da FIFA. E o seu presidente não ficaria imune.

A 2 de Junho de 2015, Blatter demitiu-se do cargo. Durante o seu curto discurso, pôs a nu muitos dos problemas da organização que liderara durante 17 anos: “A FIFA precisa de uma reestruturação profunda”.

O suíço seria, entretanto, afastado do futebol por violações do Código de Ética do organismo (entre as quais se encontrava um pagamento de 1,8 milhões de euros feito a Platini), sendo que esse castigo, que sofreu algumas alterações, durará até 2028. Valcke também sofreu uma punição semelhante, à qual se juntou uma multa de quase 900 mil euros. Já Mayne-Nicholas seria suspenso pela FIFA, também em 2015.

Na realidade, actualmente, o Conselho da FIFA, principal órgão decisório, é composto por 13 membros, oito dos quais nomeados desde 2015, altura em que diferentes casos de corrupção foram denunciados.

Apesar desta aparente tentativa da FIFA de limpar a sua imagem, o organismo tem, ao mesmo tempo, feito de tudo para justificar a opção pelo Qatar enquanto anfitrião do Mundial, não tendo nunca colocado em cima da mesa a possibilidade de activar um plano B.

Uma carta (à qual a Sky News teve acesso) foi enviada às selecções que vão estar em competição no torneio a pedir para se concentrarem exclusivamente na prova: “Não deixem que o futebol seja arrastado por cada batalha ideológica ou política”, exortou, dias antes de ter impedido a selecção dinamarquesa de se treinar com um equipamento que continha a mensagem “Direitos humanos para todos”.

Texto editado por Nuno Sousa

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