À terceira, foi de vez: a NASA já está a caminho da Lua
Lançamento bem-sucedido. À terceira tentativa, a primeira missão do novo programa espacial Ártemis arrancou em direcção à Lua. É a primeira parte do regresso dos humanos ao satélite natural da Terra.
No último minuto da contagem decrescente para um lançamento espacial, não há nada mais importante. O silêncio só é atacado pelos motores ruidosos do foguetão Space Launch System (SLS) e pelo comentário entusiasmado da transmissão da NASA: 3, 2, 1… A primeira erupção de alegria: a Ártemis I descolou esta quarta-feira de manhãzinha. É a inauguração de um novo programa de exploração espacial, 79 dias depois da primeira tentativa (e de duas fugas de hidrogénio), mas é mais do que isso: é o primeiro capítulo de uma história que nos quer levar a Marte.
Mas com a Ártemis já sabemos que nem tudo tem sido um mar de rosas. Em plena madrugada portuguesa, por volta das 03h30 (hora de Portugal continental), a “equipa vermelha” foi chamada a jogo – é sinal de problemas. Uma válvula de reabastecimento de hidrogénio estava a verter, mas nada que três técnicos da NASA não resolvessem (cerca de duas horas depois). Resolve-se um problema e aparece outro.
Surgia a informação de que um dos requisitos para a Eastern Range (entidade responsável por autorizar o lançamento de foguetões) permitir o voo não estava a ser cumprido. O radar, que permite localizar o foguetão, não estava a funcionar devido “a um interruptor de ethernet” (um equipamento de ligação à rede) – e, se parece uma tarefa básica, esta foi uma longa batalha que demorou cerca de 70 minutos a solucionar.
Estávamos a menos de uma hora da abertura da janela de lançamento da Ártemis 1. Os atrasos iam definir uma nova meta para a descolagem. As 6h04 (hora de Portugal continental) já estavam fora de questão, mas de repente surgiu: 6h48 era a nova hora de descolagem.
Não houve sustos ou contratempos que impedissem esta terceira tentativa de ser bem-sucedida. Duas tempestades (Ian e Nicole), fugas de hidrogénio líquido e sucessivos adiamentos impediram festejos mais cedo.
Eram 6h37 (hora em Portugal continental) quando houve ordem de “avançar” – estávamos a dez minutos do lançamento. Às 6h48, o foguetão SLS e a cápsula Órion descolaram. “Subimos juntos! De volta à Lua e mais além”, sintetizou a transmissão da NASA, na voz de Derrol Nail, comentador da NASA.
A meteorologia colaborou e presenteou o esforço dos engenheiros com um momento histórico. Afinal, não é todos os dias que enviamos uma missão à Lua e preparamos o regresso dos humanos ao satélite natural da Terra. De facto, a última vez que estivemos na Lua foi em 1972 – a descolagem da Apolo 17 fará 50 anos no próximo dia 7 de Dezembro.
A festa estava pronta e a viagem de quase 26 dias da cápsula Órion (que seguiu acoplada no topo do foguetão SLS) começou sem qualquer sobressalto, se conseguirmos descontar os últimos três meses de preparação. É o primeiro capítulo do programa Ártemis: um teste de voo não tripulado em torno da Lua, para garantir que tudo está a funcionar correctamente. O regresso à Terra está previsto para 11 de Dezembro.
Problemas resolvidos, Ártemis a caminho
Desde o final de Agosto que o hidrogénio líquido é uma tormenta para os técnicos da missão Ártemis I. As fugas de hidrogénio líquido fizeram abortar as duas tentativas em que a contagem decrescente já tinha começado – a primeira a 29 de Agosto e, depois, a 3 de Setembro. Desde o início de Setembro que as tentativas têm saído goradas antes mesmo de ligarem o relógio: ora os problemas se mantinham, ora as tempestades se impunham.
No caso da fuga de hidrogénio líquido, os testes ao abastecimento do foguetão deram a confiança necessária para testar de novo – e, desta vez, sem falhas.
A tempestade Nicole ainda tentou estragar a festa. Primeiro, com o adiamento da descolagem (inicialmente agendado para a última segunda-feira). Depois, com alguns danos na cápsula Órion, acoplada no topo do foguetão. A este problema, somava-se a troca de um componente numa ligação eléctrica importante para conduzir o combustível até ao andar principal do SLS. Em nenhum dos casos houve uma solução perfeita – mas a avaliação de risco era favorável e confirmou que as preocupações eram desnecessárias.
A primeira reacção do administrador da NASA Bill Nelson eleva ainda mais o patamar: “Vamos voltar [à Lua], vamos aprender tudo o que temos de aprender e, depois, vamos a Marte.” Entre o legado para as próximas gerações e o contributo (científico e económico) para o presente, Bill Nelson não escondeu o entusiasmo com a “geração Ártemis” que será inspirada por esta missão – e pelas que se seguem.
Nem no discurso da directora de lançamento, Charlie Blackwell-Thompson, a missão Ártemis deixou de pregar partidas. Os primeiros minutos sem som a sair do microfone eram um déjà vu. “Bem, pela primeira vez, vou ficar sem palavras”, apontou Blackwell-Thompson, já com o problema resolvido. “Este momento é vosso. Ninguém está aqui por acaso. Olhem à vossa volta. Vocês merecem este lugar na história”, disse à equipa que a escutava na sala de controlo do lançamento da Ártemis I.
“O que fizeram hoje vai inspirar gerações e gerações. Obrigado pela resiliência. Quanto mais difícil é a subida, melhor a paisagem”, finalizou, antes de cumprir uma das tradições para os novatos no lançamento de voos: cortar a gravata.
China: uma nova corrida espacial
As comparações entre a Ártemis e a Apolo são inevitáveis. A própria NASA fez por isso. O próprio nome simboliza esta proximidade e ambição: Ártemis é a irmã de Apolo e deusa da Lua na mitologia grega. Se tudo correr bem neste teste de voo, será a primeira missão de um programa que quer regressar à Lua (com uma missão prevista para 2025), pôr pela primeira vez uma mulher a caminhar no solo do nosso satélite natural e dar o salto para Marte.
A possibilidade de regressarmos à Lua pela primeira vez desde 1972, quando a Apolo 17 transportou os dois últimos astronautas a pousar no solo lunar, ajuda a alimentar este paralelo entre os dois programas de exploração espacial.
Mas não só. O próprio contexto volta a permitir equivalências. A ambição espacial de John F. Kennedy é fruto da guerra pelo espaço com a União Soviética, num período em que o desenvolvimento tecnológico também marcava pontos na Guerra Fria.
Em 2022, não existe a mesma divisão entre dois blocos geopolíticos, mas a corrida espacial representa mais do que um esforço pela exploração científica. Agora, mais de seis décadas volvidas, é a China o oponente. Apesar de se conhecer pouco do programa espacial chinês, o investimento é claro – e já é praticamente o dobro do da Agência Espacial Europeia, por exemplo.
Até ao final do ano, espera-se que a estação espacial chinesa, em órbita baixa da Terra como a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), esteja concluída – é apelidada de Palácio Celeste. Mais: tal como a Ártemis, o programa chinês também quer criar uma estação espacial lunar até 2035; e pretende colocar pessoas na Lua na próxima década.
Para este programa, a China conta com um aliado de peso e com experiência: a Rússia, com quem assinou um memorando para a criação da estação espacial lunar. É importante recordar que o investimento chinês já deu frutos. Foi o terceiro país a recolher rochas da Lua e o primeiro a alunar no lado oculto do satélite natural da Terra.
O administrador da NASA Bill Nelson já classificou esta luta como uma nova corrida espacial pelo regresso à Lua, desta vez com a China. Em Julho, numa entrevista ao jornal alemão Bild, não poupou nas críticas. “O programa espacial da China é um programa espacial militar”, disse, aludindo à possibilidade de a administração asiática desenvolver satélites com braços robóticos para atacar satélites de outros países.
O antídoto norte-americano para a ambição chinesa já está em marcha. Estamos nas primeiras horas da Ártemis, um programa que quer entrar na história. Esta quarta-feira, a partir das 15h, estão previstas as primeiras imagens do nosso planeta, a partir do olhar da Órion. É o primeiro de muitos dias em que as missões desta cápsula no espaço serão o nosso tema de conversa. Boa viagem, Ártemis.