Novo mercado do carbono: mais rigor, mais diversidade, mais tecnologia

Região Norte quer criar um mercado voluntário de carbono à escala regional, com início no Vale do Douro e no Parque Peneda-Gerês. Nova geração de projetos de créditos de carbono decide-se na COP27.

O Acordo de Paris, em 2015, reconheceu no seu artigo 6 que os mercados de carbono são um meio importante para limitar o aquecimento global a 1,5 graus celsius. O Pacto Climático de Glasgow, em 2021, avançou com regras para uma nova geração de mecanismos de mercado com a possibilidade de se regular as transferências internacionais de créditos em favor das metas oficiais de cada país, inscritas nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC).

Agora, na COP27, é necessário passar à implementação de novas metodologias, ferramentas de registo, processos de validação de créditos de carbono e regras do período de transição do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (CDM), o mais importante sistema de créditos de carbono do Protocolo de Quioto, para um novo sistema, tudo sob maior escrutínio de integridade.

Robustez e qualidade dos créditos são elementos críticos para o funcionamento transparente dos mercados de carbono. Mas o crivo não tem sido suficiente. Por exemplo, na Califórnia, investigadores do CarbonPlan afirmam que 400 milhões de dólares de offsets foram transacionados sem absorver uma única tonelada de CO2e [dióxido de carbono equivalente] (London Economics, set. 2022). Um relatório da Bloomberg de 2020 sobre o mercado voluntário de carbono com créditos de conservação das florestas dos EUA revelou casos de áreas que não estavam degradadas nem sequer em risco, e até já protegidas em parte, tendo sido creditadas “sem sentido”.

Algumas iniciativas têm vindo a desenvolver esforços para criar e divulgar boas práticas nos mercados voluntários, com a “Taskforce on Scaling Voluntary Carbon Markets” (TSVCM) e a “Voluntary Carbon Markets Integrity Initiative” (VCMI). De acordo com a TSVCM, as empresas não podem ir ao mercado voluntário e compensar emissões sem darem três passos prévios: reduzirem antes todas as emissões possíveis, terem um plano concreto para chegar à meta da neutralidade carbónica, e guardar para o mercado voluntário apenas as emissões residuais. E provarem que o fizeram.

O VCMI lançou os “Core Carbon Principles” com a definição de diretrizes para assegurar a qualidade dos créditos de carbono. Apesar de críticas de alguns agentes do mercado, estes princípios deverão ser reiterados na COP27, podendo mesmo servir de aproximação para as regras a adotar nos mercados internacionais ao abrigo do Artigo 6 do Acordo de Paris.

As tecnologias emergentes, como o blockchain, a inteligência artificial e a internet-das-coisas podem ajudar a dar credibilidade aos mercados, garantindo a transparência e segurança das transações e a rastreabilidade dos créditos de carbono, evitando a ‘dupla contagem’, assim como digitalizando os processos de monitorização, reporte e verificação das emissões de carbono evitadas/reduzidas ou removidas da atmosfera. Num artigo publicado em julho, Adam Sipthorpe e colegas, na revista One Earth, identificaram 39 soluções blockchain aplicadas aos mercados de carbono, sendo que a maioria ainda apresenta um baixo nível de maturidade. Existem, ainda, barreiras tecnológicas, infraestruturais e regulatórias para a sua implementação em larga escala.

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Reuters/Stringer

Trazer a natureza para a equação

A natureza é crítica para cumprir a meta do Acordo de Paris e atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Existem já vários projetos nos mercados de carbono associados a soluções baseadas na natureza que sequestram ou evitam emissões através da floresta, solo ou proteção da biodiversidade. Diversos atores têm mesmo vindo a defender que se deverá apostar cada vez mais nos créditos de sequestro, em detrimento dos créditos de mitigação.

Em termos de oferta, a disponibilidade de créditos de mitigação é bastante maior do que a de créditos de restauro da natureza. De acordo com o Trove Research, nos registos da Verra e da Gold Standard, existem 17 vezes mais créditos de mitigação do que de sequestro, correspondendo a 461 e 29 milhões de toneladas de CO2e, respetivamente. Por isso, os preços dos primeiros são 50 a 300% mais baixos que os dos segundos.

A qualidade dos créditos de sequestro também tem sido posta em causa, pelo que a recolha de imagens de alta resolução por satélite, complementadas com a medição in situ e tecnologias complementares, como a inteligência artificial, começa a ser utilizada no mapeamento e monitorização do stock de carbono ao longo do tempo, reforçando a credibilidade do mercado.

Neste contexto de valorização do capital natural, a inclusão da biodiversidade na equação dos mercados de carbono é outra das expectativas da COP27, até porque em dezembro irá ter lugar a COP15 sobre Biodiversidade. Em maio de 2022, a ClimateTrade e a Terrasos comercializaram créditos voluntários de biodiversidade do Bosque de Niebla. Esta iniciativa foi reconhecida pelo Fórum Económico Mundial, que se encontra a acompanhar a agenda “Financing for Nature” com a exploração do potencial de criação de mercados de créditos de biodiversidade para financiamento da natureza.

E Portugal?

O despacho do Ministro do Ambiente e Ação Climática de 21 de dezembro de 2020 pretende promover um enquadramento regulamentar para os Mercados Voluntários de Carbono em Portugal. Várias propostas de criação de mercados de carbono no país emergiram, desde então, à espera de regras.

A região Norte, na ambição de antecipar a neutralidade carbónica, começou a estudar um piloto para a criação de um mercado voluntário de carbono à escala regional, com a promoção e valorização de projetos estruturantes de sequestro de carbono, com foco inicial no Vale do Douro e no Parque Nacional da Peneda Gerês.

Prevê-se o lançamento de um observatório para mapear e monitorizar estruturas florestais e agrícolas, com potencial para sequestro de carbono, com base em sistemas de informação por satélite integrados com dados locais dos solos e da vegetação, assim como modelação biofísica, atmosférica e dos solos, para garantir a credibilidade nacional e internacional dos créditos de carbono a gerar.

Também a Agenda para a Biodiversidade 2030, apresentada em maio de 2022, apresenta uma proposta para a transação de créditos de biodiversidade, baseando-se no reconhecimento da importância dos mercados de carbono e da iniciativa privada para reforçar o financiamento necessário à preservação da natureza.

Novas regras e novas tecnologias concorrem para uma maior transparência de processos e resultados, logo, para aproximar diferentes mercados de carbono. A incógnita é se as decisões em Sharm el-Sheikh corresponderão às expectativas.

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