Clima: os nossos cinco milhões de euros anuais para os países mais pobres “ficam aquém”

A associação ambientalista Zero defende que o Governo deve abrir mais a carteira para financiar os esforços de adaptação às alterações climáticas dos países mais vulneráveis.

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Criação de mecanismo financeiro para ajudar países em desenvolvimento (como o Paquistão, na imagem) é um dos grandes temas da Cimeira do Clima de 2022 AKHTAR SOOMRO/Reuters

O contributo português de cinco milhões de euros anuais para ajudar as nações mais pobres a se adaptarem às alterações climáticas é um compromisso que fica “muito aquém das nossas responsabilidades”, afirmou o presidente da Zero, Francisco Ferreira, num vídeo enviado esta quarta-feira à imprensa. A associação ambientalista vai “certamente conversar com o Governo nos próximos tempos” sobre como o país pode ter uma “comparticipação mais equitativa”, acrescentou o responsável, que está na cidade egípcia de Sharm el-Sheikh, onde decorre a Cimeira do Clima de 2022 (COP27).

Juntamente com as associações Oikos e Business as Nature e ainda a Casa Comum da Humanidade, a Zero conversou esta quarta, no Egipto, com o ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, bem como, numa outra reunião, com nove deputados portugueses que também estão na COP27 neste momento: Tiago Brandão Rodrigues (PS), presidente da comissão de ambiente e energia da Assembleia da República; Hugo Pires (PS); Hugo Martins de Carvalho (PSD); Rita Matias (Chega); Bernardo Blanco (Iniciativa Liberal); João Dias (PCP); Joana Mortágua (Bloco de Esquerda); Inês de Sousa Real (PAN); e Rui Tavares (Livre).

As associações disseram a Duarte Cordeiro que é fundamental o Governo aumentar o financiamento climático que concede aos países mais vulneráveis. Este relaciona-se com o compromisso que foi assumido pelos países ricos quando assinaram o Acordo de Paris de 2015: o compromisso de financiarem a luta dos mais pobres contra a crise climática com 100 mil milhões de dólares anuais até 2025.

Numa entrevista concedida à agência Lusa no início deste mês, o ministro do Ambiente e da Acção Climática assegurou que Portugal estava a “trabalhar no aprofundamento do reforço de financiamento”, dialogando com “algumas instituições financeiras internacionais”. Dias depois, António Costa anunciou que a verba passará dos quatro milhões anuais, onde estava, para os cinco.

Mas continua a não ser suficiente, acredita Francisco Ferreira, dizendo que, embora sejamos um país pequeno no grupo de nações desenvolvidas, não podemos contribuir com apenas 0,005% dos 100 mil milhões de dólares anuais. Não é proporcional, considera.

Na reunião desta quarta-feira com as organizações não-governamentais, Duarte Cordeiro “assumiu que Portugal será mais activo nas próximas COP, a começar já pela de 2023”, diz o presidente da Zero. A intenção, explica, é o país “assumir determinados dossiers [o ministro não especificou quais, segundo Francisco Ferreira] e ter o seu próprio pavilhão” na cimeira.

“Há muitos países aqui em Sharm el-Sheikh, e em qualquer COP, com áreas próprias, que se destinam ao encontro entre pessoas. Portugal não tem o seu próprio pavilhão; usa o da União Europeia”, diz Francisco Ferreira, explicando que a mais-valia destes stands, como os apelida, é que são “locais onde os países podem apresentar as suas políticas climáticas e organizar pequenos eventos”.

Tirar a Lei de Bases do Clima do papel

Na reunião com os deputados, a Zero e as restantes associações frisaram que “tem de haver um trabalho rápido e determinante de implementação” da Lei de Bases do Clima. Este é um tema que “merece conversas não só no Egipto, mas sobretudo ao longo dos próximos meses”, em solo português, afirmou Francisco Ferreira no já referido vídeo.

Ao PÚBLICO, o presidente da Zero diz ser fundamental que se avance com a prometida criação de um Conselho para a Acção Climática, um órgão independente para, entre outras coisas, fiscalizar o cumprimento de diferentes metas ambientais. Igualmente importante, acrescenta, é garantir que são activados instrumentos como o IRS Verde, uma “categoria de deduções fiscais” que, em teoria, beneficiará “os sujeitos passivos que adquiram, consumam ou utilizem bens e serviços ambientalmente sustentáveis”, pode ler-se em Diário da República (artigo 30.º).

Contanto que peçam a factura com o seu número de identificação fiscal, os contribuintes podem deduzir no IRS o valor do IVA pago na compra de passes mensais de transportes colectivos. Neste momento, esta é, ao nível do IRS, a única coisa que existe em termos de incentivos a comportamentos mais “verdes”.

Ainda sobre a Lei de Bases do Clima, Francisco Ferreira frisa que é essencial “definirmos os orçamentos de carbono”, que, segundo prevê o texto aprovado no Parlamento em Novembro do ano passado (e promulgado por Marcelo Rebelo de Sousa no mês seguinte), estabelecerão para cada sector — transportes, energia, agricultura, etc. — um limite máximo permitido de emissões de gases com efeito de estufa em períodos de cinco anos.