Estudantes detidos na ocupação de Faculdade de Letras escolhem ir a julgamento

Alunos foram ouvidos pelo Ministério Público e recusaram a suspensão provisória do processo. “Não aceitamos a suspensão do processo porque este processo não pode ser silenciado”, avisa estudante.

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Os quatro estudantes ouvidos esta segunda-feira pelo Ministério Público, em Lisboa Daniel Rocha

Os quatro estudantes que foram detidos na noite de sexta-feira para sábado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) escolheram ir a julgamento, soube-se esta segunda-feira. Os jovens faziam parte da ocupação da FLUL pelo clima e recusaram-se a sair do edifício depois da Polícia de Segurança Pública (PSP) – chamada pela direcção da instituição – ter exigido que saíssem, acabando por serem detidos. Nesta segunda-feira, os estudantes foram ouvidos pelo Ministério Público, no Campus de Justiça, mas recusaram a possibilidade da suspensão provisória do processo. O julgamento que vai ocorrer no próximo dia 29 de Novembro.

“Vamos a julgamento”, disse Ana Carvalho aos jornalistas nesta tarde. “Não aceitamos a suspensão do processo porque este processo não pode ser silenciado”, sublinha a estudante, que foi uma das quatro pessoas detidas.

O caso aconteceu na sexta-feira, quando a PSP interveio na FLUL para retirar os estudantes que estavam a ocupar a instituição desde segunda-feira, 7 de Novembro, no contexto de duas semanas de acções “Unir contra o fracasso climático”. A maioria dos ocupantes saiu, mas três estudantes mantiveram-se na faculdade com as mãos coladas ao chão e Ana Carvalho ficou a dar apoio.

Os quatro alunos foram detidos durante algumas horas na madrugada de sábado e depois foram libertados, tendo sido notificados para uma audiência com o Ministério Público para esta segunda-feira.

Os alunos foram acusados de “introdução em local vedado ao público” e “não dispersão de uma reunião pública”, informou aos jornalistas André Ferreira, advogado dos quatro jovens, que aceitou o trabalho pro bono. Se os estudantes forem considerados culpados, podem ter “uma multa ou pena de prisão”, disse. Mas “são dos crimes mais leves do código penal”, assegurou o advogado, adiantando que agora terão 15 dias para preparar a defesa.

Depois da audiência, quando saíram pela porta do edifício do Campus da Justiça, os quatro jovens foram recebidos por aplausos de colegas, outros estudantes e mais algumas pessoas que estavam ali em apoio à causa.

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Estudantes à frente do edifício do Campus da Justiça (em Lisboa) em apoio aos quatro alunos detidos Daniel Rocha

Aos jornalistas, Ana Carvalho explicou porque preferiram ir a julgamento e não aceitar a suspensão provisória do caso. “Isso seria despachar o caso, seria assumir uma culpa que não é nossa”, referiu Ana Carvalho. “Agora temos de preparar a defesa para o processo.”

Sobre a posição da direcção da FLUL, a estudante é muito crítica: “Deixa-me profundamente triste que esta tenha sido a resposta da direcção da Faculdade de Letras, do professor doutor Miguel Tamen, que nem sequer se dignou a aparecer no dia [em que expulsaram os estudantes]. Acho triste a polícia entrar na própria faculdade para retirar os alunos.”

Exigências e acusações

A estudante foi uma das organizadoras da ocupação na FLUL e foi quem estava a dar apoio aos três estudantes colados no chão que, segundo a aluna, foram arrancados pela polícia. “Eles ficaram com feridas nas mãos. Foi uma força excessiva para retirar alunos que estavam a lutar pelo futuro”, tinha dito Ana Carvalho ao PÚBLICO no sábado, durante a marcha pelo clima, que reuniu centenas de pessoas.

Ao longo da última semana, a ocupação na FLUL tinha realizado várias actividades relacionadas com a questão do clima, ao mesmo tempo que tentou dialogar com a direcção da instituição apresentando as suas reivindicações. Parte destas exigências são gerais ao movimento português: os activistas querem que o Governo se comprometa a realizar políticas para que o país atinja a neutralidade carbónica em 2030 e querem a demissão do ministro da Economia e do Mar, António Costa e Silva, devido ao seu passado profissional ligado à indústria dos combustíveis fósseis.

Ao mesmo tempo, cada ocupação tinha reivindicações associadas ao contexto local. No caso da ocupação da FLUL, as reivindicações passavam por questões como a melhoria da alimentação e da habitação dos alunos, da eficiência energética da faculdade e o aumento de espaços para os estudantes poderem estar e, também, o fim de assédios por parte de funcionários da faculdade.

“A faculdade recusa-se a ouvir, desresponsabilizou-se de qualquer acção. Acho que as instituições não estão a perceber a influência que podem ter”, disse ao PÚBLICO Ana Carvalho. Apesar desta contrariedade, os alunos vão continuar as acções até que as suas reivindicações sejam ouvidas.

Apoio da sociedade civil

Entretanto, durante o fim-de-semana, surgiram dois manifestos de apoio aos estudantes vindos da sociedade civil. A comunidade cultural anunciou uma “Declaração de apoio aos jovens activistas climáticos” assinada por mais de 300 pessoas de diversas áreas.

“Saudamos os jovens activistas climáticos que se têm manifestado nas escolas portuguesas contra a inércia dos nossos governantes na resposta à emergência climática. Estas pessoas (…) sabem que é urgente e possível a mudança de paradigma”, refere o documento, assinado por personalidades como o escultor e prémio Pessoa Rui Chafes, a realizadora Teresa Villaverde, a jornalista Anabela Mota Ribeiro, o artista plástico Alexandre Estrela, a socióloga Ana Drago, o encenador e director artístico do Teatro Nacional Dona Maria II, Pedro Penim, a empresária Catarina Portas e o realizador João Salaviza.

“Repudiamos qualquer tentativa de intimidação, de silenciamento e condenação do activismo climático”, lê-se ainda na declaração. “Apelamos às escolas e faculdades portuguesas, assim como aos museus e a todas as instituições culturais, para que iniciem uma reflexão interna, e em diálogo com a comunidade, a respeito da emergência climática e assumam uma posição inequívoca e comprometimento sério na luta pelo clima.”

Outra missiva de defesa veio dos professores e investigadores em “Apoio ao movimento pacífico de ocupação de escolas pela Greve Climática Estudantil”, que tem um formulário e pode ser assinado por qualquer professor ou investigador.

“Move-nos um imperativo de solidariedade. Somos um grupo independente de professoras e professores, de investigadoras e investigadores, que se constituiu para declarar apoio ao movimento pacífico de ocupação de escolas da Greve Climática Estudantil pelo ‘fim ao fóssil'”, lê-se no início do documento.