As esperanças dos migrantes ouvidas na Cimeira do Clima

Iniciativa Cartas para a Terra levou à COP27, no Egipto, as palavras de refugiadas que fogem das alterações do clima e das condições que tornaram a vida impossível nos seus países.

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Migrantes levam um barco pneumático para tentar viajar de Calais até ao Reino Unido Gonzalo Fuentes/REUTERS

São cartas de três jovens mulheres da Eritreia, e de uma mãe iraniana com os seus dois filhos, de cinco e 14 anos que se encontravam numa casa de refúgio em Calais, no Norte de França, o ponto terminal onde milhares de migrantes esperam conseguir passar para o Reino Unido, para pedir o estatuto de refugiado. “Vêm de populações pobres, vulneráveis, marginalizadas, frequentemente as mais atingidas pelos efeitos das alterações climáticas”, explica Kay Michael, fundadora da iniciativa Letters to Earth (Cartas para a Terra), que levou as suas vozes à Cimeira do Clima das Nações Unidas, em Sharm el-Sheik, através das cartas que escreveram.

“As mulheres da Eritreia estavam a fugir de um Estado muito opressivo, onde muitos são obrigados a alistar-se no Exército desde muito cedo, devido às guerras com a vizinha Etiópia. A iraniana estava a imigrar para tentar garantir a segurança dos seus filhos”, explicou ao PÚBLICO, por email, Kay Michael.

São representantes de um movimento de massas que está a acontecer no mundo. Prevê-se que em 2050 possam existir 1200 milhões de refugiados climáticos – o clima em mudança provocará sempre alterações nas condições de vida, agravará conflitos, forçará as pessoas a procurar outro sítio para fazer a sua vida.

“O meu sonho é paz. A minha vida no meu país está cheia de conflitos. Na Eritreia, não temos liberdade. Temos de passar muitos anos como soldados. Espero conseguir chegar a Inglaterra e que esse país nos dê os parabéns e nos dê as boas-vindas, para que eu possa descansar. Quero ter uma boa vida e descansar”, escreveu uma das jovens da Eritreia.

Na Eritreia, um país na região semiárida do Sahel, a maioria da população vive em áreas rurais ou onde há pouco mais do que a agricultura. Há projecções de que a temperatura média naquela região suba quatro graus até 2050, introduzindo uma grande inconstância nas chuvas e redução das fontes de água, como poços, secas mais frequentes e prolongadas.

Mas se o contexto climático é adverso, o político não o é menos. A Eritreia envolveu-se na guerra actual no território de Tigré, na Etiópia, contra as forças da região, que combatem o Governo central. O regime eritreu, que durante anos lutou pela sua independência face à Etiópia, que obteve em 1991, é altamente repressivo, e muito centrado na guerra.

A Eritreia, que já foi apelidada de “Estado-quartel” obriga os seus cidadãos a passarem pelo exército. “Não temos liberdade, nem democracia, porque com 16, 17, 18 anos todos temos de nos tornar soldados!”, escreveu uma das mulheres cujas cartas foram lidas nesta segunda-feira na COP27.

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Duas das cartas escritas pelas refugiadas em Calais Letters to Earth

“As mulheres sentaram-se connosco e escreveram cartas, na sua língua. Algumas conseguiam falar um pouco de inglês, mas usavam sobretudo a sua própria língua. Usámos o Google Translate para comunicar com elas”, explica Kay Michael, uma das fundadoras da iniciativa Cartas para a Terra.

Cartas de todo o mundo

“A iniciativa Cartas para a Terra foi co-fundada em 2019 por quatro encenadores de teatro, escritores e actores no Reino Unido, e fizemos um apelo ao sector da criação: para que escrevessem uma resposta criativa, uma resposta à emergência climática e ecológica. Pode ser uma carta da Terra ou para a Terra, para outra espécie, pessoa, sítio ou momento”, expõe Kay Michael.

“Passado um mês, tínhamos 1000 cartas de todos os continentes, de crianças de três anos, de pais, professores, cientistas do clima famosos, jornalistas, políticos, activistas, líderes de povos indígenas e artistas como Yoko Ono”, conta.

“As nossas campanhas internacionais alcançaram milhões de pessoas, envolvendo figuras públicas, como a designer de moda Viviene Westwood, o director de investimento da [seguradora] Aviva ou a deputada do Partido Verde britânico Caroline Lucas”, explicou Kay Michaels. Fazem workshops em escolas, comunidades locais, e empresas, “para que as pessoas tenham espaço para partilhar as suas respostas à emergência [climática] e as suas visões para um mundo melhor”, adiantou.

Foi assim que em Abril deste ano resolveram ir à procura do que teriam para dizer ao mundo algumas das pessoas mais desprotegidas – as que são obrigadas a imigrar, a buscar refúgio noutro país, porque o seu modo de vida foi de tal forma posto em questão, seja qual for a razão, que não podem permanecer no sítio onde viveram até então.

Foram até Calais, que é um ponto nevrálgico destas rotas de desespero que milhões de pessoas percorrem.

“Ajudem as pessoas como eu”

Encontraram lá também a mãe iraniana com os seus filhos. Disse que saiu do seu país para tentar dar-lhes um futuro melhor, que não via como possível no Irão. “Gostava de levar os meus filhos para um sítio onde pudessem desenvolver o seu potencial. O meu filho é um bom desportista e a minha filha é muito inteligente, mas infelizmente no Irão não se vai a lado nenhum só com talento”, escreveu (as mulheres não quiseram que os seus nomes fossem usados).

As alterações climáticas estão a tornar a água um bem escasso e é possível que a temperatura aumente ali cinco graus Celsius até ao fim deste século. O Irão já é considerado um país com grande insegurança alimentar – uma estimativa do Centro do Clima, uma instituição que dá apoio à Cruz Vermelha e ao Crescente Vermelho, diz que 49% das famílias iranianas vivem numa situação de insegurança alimentar. Os preços dos alimentos têm vindo a aumentar, e o país está sob os efeitos de muitos anos de sanções norte-americanas por causa do desenvolvimento do nuclear no Irão.

Perguntaram a esta mãe iraniana se tinha uma mensagem para os líderes mundiais. Ela pediu ajuda para poder ajudar outros. “Gostava que os líderes de todos os países ajudassem pessoas como eu. Se me tornar refugiada num país que me aceite, espero poder depois ajudar outras pessoas que precisam de apoio. Ajudem-me.”