Cidade de Kherson recebe as forças ucranianas em clima de festa
A chegada das forças ucranianas a Kherson, a única capital regional ocupada pela Rússia desde a invasão da Ucrânia trouxe alegria à população e revela as marcas da ocupação de mais de oito meses.
Forças ucranianas foram recebidas em clima de festa no centro da cidade de Kherson, nesta sexta-feira, depois das forças russas terem abandonado a única capital regional que tinham capturado desde o começo da invasão, em Fevereiro.
A Rússia afirmou que retirou 30 mil soldados para a outra margem do Rio Dniepre sem perderem um único homem, mas a Ucrânia traça um cenário de uma retirada caótica, com soldados russos a deixarem para trás os seus uniformes, a abandonarem as armas e, mesmo, a afogarem-se durante a fuga.
Imagens verificadas pela Reuters mostram dezenas de habitantes de Kherson a aplaudirem e a receberem com cânticos de vitória os soldados ucranianos na praça principal da cidade. Os soldados aproveitaram para tirar selfies com a multidão.
Dois homens colocaram uma mulher soldado aos ombros e atiraram-na ao ar, enquanto alguns residentes surgiam embrulhados em bandeiras ucranianas. Um homem chorava de felicidade.
Os serviços secretos de defesa ucranianos afirmaram que o controlo de Kherson estava nas mãos da Ucrânia e ordenou às forças russas remanescentes que se rendessem às forças ucranianas que entravam na cidade.
Alguns habitantes hastearam bandeiras ucranianas na praça principal enquanto as notícias do fim da ocupação de mais de oito meses se espalhavam.
“Glória à Ucrânia! Glória aos Heróis! Glória à Nação!”, gritou um homem num vídeo verificado pela Reuters.
As forças ucranianas avançaram durante uma das mais rápidas e humilhantes retiradas em toda a guerra, os habitantes das vilas saíram dos esconderijos para descrever como as tropas russas tinham morto residentes e saqueado casas.
Na recém-capturada vila de Blahodatne à qual a Reuters teve acesso, localizada 20 km a norte de Kherson, soldados ucranianos tomaram posições onde os russos estavam entrincheirados. À entrada da vila, as forças da Ucrânia encontraram uma reserva grande de morteiros de 120 milímetros abandonados pelas tropas russas num armazém destruído
Serhiy Khlan, um membro do conselho regional ucraniano de Kherson, afirmou que a capital regional estava quase toda sob controlo de forças da Ucrânia.
Muitos soldados russos afogaram-se no rio ao tentarem escapar e outros vestiram roupas civis, afirmou, aconselhando os residentes a não saírem de casa enquanto decorriam as buscas pelos soldados russos.
Natalia Humeniuk, porta-voz do comando do sul do exército ucraniano, disse que “a ocorrência de operações de sabotagem” por tropas russas vestidos à civil “não pode ser descartada”.
Mais cedo, o ministro da Defesa russo declarou que a retirada da margem ocidental do Dniepre, junto ao qual se localiza a cidade de Kherson, foi completada com êxito apenas dois dias depois de Moscovo a ter anunciado.
“Nenhum equipamento militar ou nenhuma arma foi deixada na margem esquerda ou direita (ocidental) do rio. Todos os militares russos atravessaram para a margem esquerda”, acrescentou, afirmando que a Rússia não sofreu qualquer perda de pessoal ou de equipamento.
Jornalistas de blogs pró-russos adiantaram na quinta-feira à noite que as forças da Rússia que atravessavam o rio estavam a sofrer fortes ataques ucranianos. O ministério russo afirmou que forças ucranianas atingiram as travessias do rio Dniepre cinco vezes durante a noite com rockets HIMARS fornecidos pelos Estados Unidos.
O avanço das forças da Ucrânia desenrolou-se muito mais rapidamente do que havia sido sugerido por representantes ucranianos horas antes. O ministro da Defesa, Oleksii Reznikov tinha contado à Reuters na quinta-feira que levaria pelo menos uma semana para a Rússia se retirar de Kherson. O ministro estimava que a Rússia teria ainda 40 mil soldados na região e disse que as informações na sua posse mostravam que os russos permaneciam na cidade e nas redondezas.
“Conseguiram escapar, a escumalha”, publicou no seu Twitter Oleksiy Arestovych, conselheiro do Presidente Volodymyr Zelensky. “Não há muitos prisioneiros, maioritariamente perdas. Mas os troféus são suficientes”, contou.
“Estavam a roubar tudo”
Não havia sinal de forças russas quando a Reuters chegou a Blahodatne. Habitantes relembraram a vida durante a ocupação, contando que 100 russos assumiram o controlo da vila por oito meses. Os russos retiraram sem lutar na quarta-feira e as forças ucranianas entraram na quinta, contaram os habitantes.
Os soldados russos mataram um homem que se aproximou demasiado das trincheiras e levaram com eles outros dois e uma jovem, cujo destino se mantém desconhecido, acrescentaram.
“Durante os primeiros dois meses, eles chegaram e foram extremamente agressivos”, disse Serhii Kalko, de 43 anos, explicando que os soldados russos disparavam para o ar enquanto andavam pela rua.
Forças russas também ocuparam e saquearam casas vazias, retirando mobiliário, televisões, fogões e frigoríficos, contaram os habitantes.
Os russos roubaram tudo. Tudo o que conseguiam levar, levavam”, relembrou uma mulher chamada Halyna, de 50 anos. “Tentámos não atrair a atenção deles”, contou, acrescentando que só 60 dos aproximadamente mil habitantes da vila tinham permanecido.
A saída de Kherson é a terceira maior retirada russa da guerra e a primeira a envolver uma cidade ocupada assim tão grande. As forças de Moscovo foram afastadas dos arredores de Kiev em Março e do nordeste de Kharkiv em Setembro.
A província de Kherson é uma das quatro regiões que o Presidente russo Vladimir Putin afirmou ter anexado em finais de Setembro. A perda da capital regional terá aparentemente acabado com o sonho de alguns russos de tomar toda a costa ucraniana do mar Negro, embora o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, tenha afirmado que o estatuto de região anexada se mantenha.
A única travessia do rio perto de Kherson, a já danificada ponte Antonivskiy, caiu. Jornalistas de blogs militares russos afirmaram que foi provavelmente destruída depois da retirada das forças russas.
O ministro da Defesa russo afirmou que as suas forças adoptaram “linhas e posições defensivas” na margem oriental do rio, algo que Moscovo espera conseguir abastecer e defender melhor.
Dmitry Peskov afirmou, por seu lado, que a decisão de retirada foi tomada pelo ministro da Defesa. Quando questionado por jornalistas se foi humilhante para Putin, Peskov respondeu: “Não”.