João Oliveira: melhorar resultados eleitorais do PCP “não depende” de Paulo Raimundo
Ex-líder parlamentar e membro da comissão política do comité central, admite que o foco do PCP será agora na organização da contestação social.
Na estratégia de médio prazo que se discute no próximo fim-de-semana na conferência nacional, uma das prioridades do PCP é a aproximação a sectores desiludidos com a maioria absoluta do PS para aumentar o poder nas ruas e forçar nova ‘geringonça’ em 2026. João Oliveira defende, em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, que Jerónimo de Sousa não é responsável pela quebra eleitoral do partido.
No PCP tem-se salientado a capacidade de diálogo do futuro secretário-geral, Paulo Raimundo. Pode ser ele o protagonista de um futuro diálogo com o PS, ou é diferente do que tivemos com Jerónimo de Sousa?
As circunstâncias em que estamos hoje são completamente diferentes das de 2015…
Em 2026, quando o eleitorado já estiver cansado de uma maioria absoluta mas não confie o suficiente na direita e o Parlamento tenha uma configuração próxima de 2015 ou 2019...
Não vamos queimar etapas. Confrontados como estamos agora, com uma maioria absoluta do PS e uma política que está a criar dificuldades enormíssimas a um conjunto muito significativo do povo português, diria que a primeira exigência que está colocada é essa capacidade de diálogo e de estabelecer pontes com outras pessoas que, não sendo militantes do PCP nem subscrevam o nosso projecto político, tenham preocupações convergentes com as nossas.
Um diálogo para um alargamento de uma frente social de luta que exija uma outra política para resolver os problemas para os quais o PS não está a dar solução. Este é o primeiro desafio, o primeiro teste da capacidade de diálogo, de alargamento, de ultrapassagem das nossas próprias fronteiras.
Diálogo com quem?
Com actores de sectores da nossa sociedade particularmente paralisados por esta política do PS: pequenos e médios empresários, agricultores, pescadores, reformados, da juventude, de intelectuais, quadros técnicos.
E que não votaram no PCP recentemente.
Mesmo que tenham votado, precisam de ser despertados para a necessidade de intervenção política.
E o PCP de reconquistar eleitorado...
Naturalmente, o elemento eleitoral tem que ser ponderado, mas não é em função dele. Isso conduziria à circunstância de estarmos a intervir apenas com a perspectiva daquilo que pode vir a acontecer em 2026. É agora que as questões têm de ser tratadas.
Mas esse trabalho, na verdade, é preparar o terreno eleitoral para 2026.
No imediato temos estas exigências e o conteúdo da nossa conferência aponta precisamente isso. O primeiro desafio é essa capacidade de diálogo que está colocada não apenas ao secretário-geral do PCP, mas ao PCP no seu conjunto. A necessidade de encontrar pontes com todos aqueles que, não sendo do partido e que precisamos de trazer para o nosso lado nestas lutas, e são muitos mais do que eventualmente alguns podiam estar à espera. Há muitos desiludidos do PS que nos últimos tempos têm percebido que nós tínhamos razão em Outubro de 2021.
Esse trabalho é necessário e coloca-se do ponto de vista político mais geral e da intervenção política mais diária. As circunstâncias de hoje são muito diferentes das que existiam em 2015, mas tem de haver uma alteração da correlação de forças. Para isso temos de voltar a ter um trabalho de contacto, de influência, ultrapassando as nossas fronteiras.
O facto de Paulo Raimundo não estar na Assembleia da República (AR) é uma dificuldade acrescida?
Não sei se será exactamente uma dificuldade para a sua afirmação, porque pode ser compensada de outras formas, mas não estará nos [momentos] mais relevantes da discussão política, como o Orçamento do Estado e debates com o primeiro-ministro.
E o Parlamento perdeu a centralidade com a maioria absoluta do PS.
Com uma maioria absoluta, o trabalho de fiscalização na AR fica comprometido com o rolo compressor da maioria absoluta e o centro desloca-se para o Governo.
Mas para o PCP a centralidade desloca-se para a rua e para a luta social.
Nunca deixou de estar lá. A intervenção diária, social, a luta quer dos trabalhadores quer das populações, nunca deixou de ser um elemento central. Se todos os sectores da sociedade levam pancada do Governo na mesma altura, tendem a encontrar mais facilmente o denominador comum que os pode juntar, e a luta assume uma dimensão de uma luta contra o Governo, com grandes acções de convergência, com grandes manifestações nacionais.
Esta aposta na contestação de rua não arrisca ser vista como um reconhecer de que a CGTP não está a ser tão combativa como há uns anos e que precisa de uma ajuda?
Não propriamente. Verificamos um grande descontentamento das pessoas com os contrastes, as desigualdades e injustiças. É preciso dar expressão a essa indignação para que seja um elemento de pressão política para alguma coisa mudar. A intervenção da CGTP não substitui a nossa, nem se sobrepõe à nossa. Mas há uma articulação, naturalmente, com a nossa intervenção do ponto de vista político.
Qual é o maior desafio interno para o novo líder do PCP e o maior desafio externo? O desafio eleitoral?
É muito difícil dizer. Nada disto está pensado em função dos resultados eleitorais ou do reforço.
Mais tarde, por exemplo, se o PCP não conseguir eleger deputados, isso não vai ser um problema?
A actual redução do número de deputados na AR significa uma diminuição da nossa capacidade de intervir ali, mas significa objectivamente um prejuízo para os trabalhadores relativamente às condições que há na AR para que tenham os seus interesses e os seus direitos defendidos. Tal como nas autarquias e no Parlamento Europeu.
Paulo Raimundo é a pessoa certa para atenuar as perdas eleitorais e fazer o partido subir?
Isso não depende do secretário-geral. Há múltiplos factores que influenciam as opções de votos e vão até para lá da nossa vontade, acção e intervenção. Se a nossa representação eleitoral se medisse pela simpatia e pelo reconhecimento que as pessoas têm no secretário-geral, provavelmente teríamos uma maioria absoluta no Parlamento.
Não atribui qualquer responsabilidade a Jerónimo de Sousa pelos resultados eleitorais dos últimos anos?
Julgo, manifestamente, que isso não pode ser feito. O contributo que o meu camarada Jerónimo de Sousa deu prestigiou e contribuiu para que o PCP conseguisse resistir a uma boa parte das dificuldades que tinha e dos obstáculos que foram sendo criados.
O PCP não fixa objectivos eleitorais quantitativos. Mas qual é a expressão mínima para não se tornar irrelevante?
A relevância do PCP não se mede pela representação institucional. Durante um bom período não tínhamos sequer possibilidade de existir, quanto mais ter representação institucional, e a relevância do PCP em todo esse período é manifestamente reconhecida e é uma garantia à prova de bala.
O PCP só foi capaz de resistir às ofensivas mais bárbaras, particularmente durante a ditadura, porque manteve sempre aquilo que é a sua força: o enraizamento no povo, o conhecimento da realidade concreta. O que é preciso é – e temos algumas linhas de acção identificadas na resolução da Conferência – identificar prioridades da nossa intervenção, do reforço da nossa organização e da proximidade junto dos trabalhadores, nos locais de trabalho, nas empresas, no movimento associativo, garantindo mais proximidade à dinâmica social.
Isso perdeu-se porquê?
Não se perdeu. Diria é que não somos uma ilha isolada do resto do país: se há um definhamento do movimento associativo popular de forma generalizada, não podemos estar à espera que a intervenção, a proximidade e a ligação dos militantes do PCP ao movimento associativo popular tenha crescido. Se o PCP não tivesse uma intervenção política e social para lá da intervenção institucional, muito daquilo que alcançámos entre 2015 e 2019 não tinha sido possível.
Há dois meses, Jerónimo de Sousa dizia-nos aqui que duvidava que a legislatura chegasse até ao fim. Também é dos que acredita que o PS se vai afundar nestas guerras internas e polémicas?
Eu não entendi aquelas palavras do meu camarada Jerónimo de Sousa como se a subsistência da maioria absoluta estivesse mais ou menos dependente de golpes palacianos dentro do PS, de desentendimentos e de quezílias. A duração de qualquer governo está dependente da política que faz: se for uma política contra os interesses do povo, está naturalmente sujeito a durar menos do que um governo que corresponda aos interesses.
Já em anteriores maiorias absolutas do PS e até mesmo do PSD, o facto de terem levado por diante uma política absolutamente injustificável e insustentável criou dificuldades ao próprio partido que a executa.