Na Escola António Arroio, protesto pelo clima está para durar: “Só acaba quando nos expulsarem”

Alunos bloquearam entrada e ocupam a escola de Lisboa desde segunda-feira, mas defendem que o protesto tem sido pacífico. “Estamos todos do mesmo lado no objectivo, nos meios é que não”, diz director.

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Os alunos impediram a entrada na escola e não houve aulas

À porta da Escola Artística António Arroio, em Lisboa, dezenas de alunos gritam pelo “fim ao fóssil”. Os gritos vêm do exterior do portão, de cima das grades, de dentro do recinto escolar e do telhado, onde cerca de 20 alunos conseguiram chegar e lá se mantiveram de punho cerrado. De manhã, os alunos fecharam o portão da escola depois da entrada dos professores e funcionários e alguns estudantes colaram as suas mãos, uma de cada lado, nas portas do estabelecimento de ensino. Assim, mesmo que a polícia chegasse, não conseguiria entrar tão facilmente e impedir o protesto.

Agarrada ao portão da escola, Marta Alves é uma das alunas que cantam e que têm dormido nos corredores da escola nos últimos dias, em protesto. “Estamos aqui a lutar pelo nosso futuro e pelo dos outros”, conta a estudante de 16 anos. Querem dar voz à crise climática e dizem que só daqui saem quando alguém os obrigar.

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A maior parte dos alunos estava concentrada na zona exterior da escola e muitos eram os que iam entrando e saindo do recinto da escola ao trepar as grades, que vão perdendo a sua tinta branca, sempre ao som dos cânticos e de tambores. As mochilas ficam empilhadas a um canto e em torno dos muros da escola. Os alunos vão comunicando por telemóvel, distribuindo água e bolachas, dão de beber a quem se colou nas portas. Os cânticos são constantes e amplificados pelos megafones: “Ocupa a Arroio!” “Deixa ocupar, deixa, sou activista e o mundo eu vou mudar.”

Fora da escola, a vida continua. Os carros vão passando, muitos deles buzinam em solidariedade; recebem em reacção palmas e gritos. Com o passar das horas, alguns alunos vão abandonando as imediações da escola. As aulas continuam suspensas.

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“Não vai haver faltas justificadas”

Da janela, o director Rui Madeira diz que tem olhado para estas manifestações “com muita calma e muita tranquilidade”, mas reconhece que os protestos subiram de tom e geraram alguma clivagem. “Estamos todos do mesmo lado no objectivo, nos meios é que não”, diz ao PÚBLICO. O diálogo tem sido de conflito, comenta, e é nesse sentido que o vê como “criticável”. E garante que os alunos vão ser penalizados, “porque não vai haver faltas justificadas, como é óbvio”.

O director da escola diz estar em comunicação com os alunos, mas acredita que houve uma “quebra da confiança” que lhes depositou até esta quinta-feira. “Tenho confiança absoluta nos alunos, até prova em contrário. Sinto que hoje poderia ter havido maior lealdade.”

Quanto às acusações dos alunos de que a direcção trancou os alunos que estavam barricados no telhado, o director diz não ter conhecimento disso. Os alunos acusam ainda a direcção de ter cortado o acesso a água aos estudantes no edifício e de ter confiscado um telemóvel. A polícia acabou por não ser chamada, ainda que os alunos estivessem preparados para essa possibilidade.

O estudante Mateus Dias, de 16 anos, ressalva que a direcção mostrou flexibilidade e que sentiram esse “grande apoio” do director ao início. Com mais protestos e “mais agressividade”, o cenário foi mudando de figura. “Isto não é nada contra a escola, apoiamos toda a escola e todo o ensino, mas é um protesto que tem de ser feito”, justifica. “Neste momento, acredito que estamos a ter mais voz e atenção”, diz. “O protesto só acaba quando nos expulsarem. É para durar.”

Mateus é outro dos alunos que têm dormido no corredor da escola, com mantas e colchões do ginásio. “Eles devem ter passado bué frio à noite”, comenta uma aluna na zona exterior da escola, assim que chegamos. Foi-lhes dada permissão pelo director para pernoitarem no interior do recinto escolar, para que tivessem o mínimo de condições e pudessem usar as casas de banho.

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Também Marta Alves tem dormido na escola desde segunda-feira: na primeira noite ficaram uns 60 alunos no corredor; na segunda noite foram cerca de 80. Têm várias reuniões e têm de ter tudo “super bem preparado”, explica. “Dormimos umas três horas, mas está toda a gente aqui.”

“Estamos revoltados, mas vamos tentar ser pacíficos à mesma”, ressalva ainda a aluna, que é uma das peacekeepers do protesto. O seu objectivo é “manter a calma, ter a certeza de que está tudo bem, dar água, falar com a polícia e explicar”, diz. “Isto é mesmo para romper a normalidade, mas não estamos a fazer nada de errado, não estamos a fazer nada ilegal, não magoamos ninguém”, considera a aluna.

E sublinha que têm sido cautelosos: “Temos estado sempre com cuidado para ver se está toda a gente bem. Estamos a dar água, comida. Deixámos as pessoas de ensino especial entrarem para não estarem aqui.”

Pelas 17h, os professores e funcionários tinham já saído por uma porta secundária (que esteve sempre disponível para emergências) e muitos dos manifestantes tinham também saído das imediações. O ambiente ficou mais calmo, os alunos deixaram de estar colados à porta e grande parte estava sentada no recinto escolar. Marta Alves explica que alguns alunos ainda pernoitarão na escola esta noite e que outros regressarão pela manhã para continuar o protesto, apesar de o director ter enviado um email a informar que não haverá aulas na sexta-feira, diz. No sábado, os alunos seguirão para a marcha contra o fracasso climático, que começa às 14h no Campo Pequeno, em Lisboa.

Aulas de desobediência civil

Para ajudar neste protesto, os alunos tiveram sessões de formação sobre desobediência civil. Tentaram juntar o máximo de pessoas possível e houve profissionais de organizações e de movimentos de activismo climáticos que explicaram quais as diferenças entre manifestações mais pacíficas e manifestações mais violentas, quais os direitos de quem se manifesta e “algumas técnicas importantes, se a polícia tiver de intervir”.

Nem todos os alunos compareceram, sobretudo pelo receio das faltas injustificadas. Podem ter apenas cerca de oito faltas, e já têm algumas. “É um receio, claro, mas isto é uma luta para o nosso futuro. Se o mundo não existir, o que é que interessar ter oito faltas injustificadas? Para mim isto é mais importante”, argumenta Marta Alves.

De forma geral, têm sentido o apoio por parte dos pais e dos professores, tendo alguns deles entrado pelas portas antes de serem fechadas, tal como as funcionárias da escola. “Alguns professores estão connosco e estão a ajudar, há outros que acham que estamos a ser demasiado brutos”, refere a estudante. “A maioria dos pais está connosco, está orgulhosa de nós, compreende e está connosco nesta luta”, diz ainda.

As alunas Núria Monge e Margarida Henriques não estão envolvidas na organização do protesto, nem dormiram na escola, mas estão solidárias com a causa. Do topo das grades, contam ao PÚBLICO que a mudança é necessária, mas está a ser demasiado lenta. “Não dormimos na escola, mas há amigos que dormiram e estão exaustos. É mesmo luta e protesto”, conta Margarida Henriques, de 17 anos, que está a estudar Cerâmica.

“Este foi o dia em que a manifestação teve mais impacto”, observa. E Núria complementa: “Tem sido assim nos últimos quatro dias, mas foi-se [intensificando] cada vez mais. Antes só estavam a fazer manifestação nos corredores e agora estão a fazer cá fora, de forma mais pública.” O maior risco agora é mesmo o de poderem chumbar por faltas injustificadas, dizem.

Os protestos têm acontecido desde segunda-feira por várias escolas e faculdades. Também houve estudantes que ocuparam o Liceu Camões, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, assim como a Faculdade de Letras e de Ciências da Universidade de Lisboa e ainda o Instituto Superior Técnico (IST).

Embora as exigências deste protesto sejam o fim da exploração dos combustíveis fósseis até 2030 e a demissão do ministro da Economia e do Mar, António Costa e Silva, os jovens manifestantes sabem que essa não será a consequência mais plausível. Catarina Almas, de 16 anos, estudante de Cinema, resume: “Neste momento só queremos mesmo ser ouvidos”, resume Catarina Almas, de 16 anos, estudante de Cinema. “E tentar fazer a mudança, porque o mundo não pode continuar assim.”