Quanta força tem o movimento climático em Portugal?

Levantamento feito por projecto de investigação JustFutures diz que Portugal tem “275 grupos com alguma intervenção no activismo climático”, uma influência a ter em conta em tempo de Cimeira do Clima.

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O relatório ressalta a forte presença dos jovens no movimento climático português Nuno Ferreira Santos

Quão corpulento é e como se comporta o movimento climático em Portugal? O projecto de investigação JustFutures tentou responder a esta questão. Entre Outubro de 2021 e Abril deste ano, foi feito um levantamento dos diferentes “grupos” que, neste espaço temporal, “desenvolveram ou apoiaram alguma forma de activismo climático” em solo nacional. Segundo é possível ler num relatório que foi publicado em Setembro e apresenta os resultados do levantamento, foram identificados “275 grupos com alguma intervenção no activismo climático em Portugal”.

Estes “grupos” vão de colectivos informais que organizam manifestações e outros protestos a organizações não-governamentais (ONG) cuja intervenção é, por assim dizer, mais tradicional. O JustFutures, que é coordenado pela Universidade do Minho (UM) — e que conta ainda com a participação do Instituto Universitário de Lisboa (Iscte) e da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) —, detalha que 68 dos 275 grupos “têm as alterações climáticas como foco de acção principal”.

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Colectivos informais de manifestantes, muitos deles jovens, compõem uma peça relevante do puzzle que é o movimento climático português Nuno Alexandre

Há também 105 que, embora não se foquem exclusivamente nas alterações climáticas, têm as mesmas como “uma das suas áreas de acção”. A ANP/WWF, a Quercus e a Zero, entre outras ONG, fazem parte deste lote.

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Ficam a faltar 102 grupos. Estes, “mesmo não tendo as alterações climáticas como uma das suas áreas de actuação”, “apoiaram alguma acção de activismo climático” entre Outubro de 2021 e Abril deste ano.

Este apoio não foi simplesmente pôr “likes em posts nas redes sociais”, segundo explica Anabela Carvalho, investigadora na UM e do JustFutures. “Identificámos grupos que subscreveram petições ou manifestaram formalmente algum outro tipo de apoio a acções cívicas relacionadas com as alterações climáticas”, diz ao PÚBLICO.

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Anabela Carvalho DR

Como é que o JustFutures chegou a este leque de 275 grupos? Numa primeira fase, explica-se no relatório, os investigadores identificaram os grupos que “nos últimos anos subscreveram manifestações pelo clima”. Num segundo momento, foi levada a cabo uma “análise das interacções nas redes sociais dos grupos subscritores”, o que serviu para identificar “outros grupos e colectivos”. “Uma jovem activista”, ligada ao movimento Greve Climática Estudantil, ainda ajudou a identificar “grupos em falta”.

Sem surpresa: Mais em Lisboa e Porto

Os dois distritos em que o número de grupos é maior são, sem surpresa, Lisboa e o Porto. Na capital, são quase 35 os grupos que têm nas alterações climáticas uma das áreas de acção. Há ainda mais de dez que se focam exclusivamente na crise do clima.

Apesar de as duas cidades mais populosas do país concentrarem o maior número de grupos, existe pelo menos um grupo em cada um dos 18 distritos de Portugal continental (bem como em ambos os arquipélagos). Também há mais de uma dezena de grupos que não têm um lugar específico no mapa, dado que “o seu campo de actuação é a esfera digital”.

Por outro lado, existem nove grupos (como a já referida Greve Climática Estudantil e o braço português do movimento Extinction Rebellion) que foram “identificados como tendo actuação a nível nacional”. Relativamente a estes, o JustFutures contabilizou os respectivos “núcleos regionais”.

Foram identificados 44 “núcleos regionais” da Greve Climática Estudantil. Estes são 44 dos tais 68 grupos que “têm as alterações climáticas como foco de acção principal”. Ou seja: retirando a Greve Climática Estudantil da equação, o leque de 68 passa a ser de 24.

É um número curto? “Para a realidade portuguesa, diria que não”, considera Anabela Carvalho, que vai mais longe, dizendo acreditar que seria um erro desvalorizamos os grupos que, tendo as alterações climáticas como uma das suas áreas de acção, não se focam exclusivamente nelas. “É importante que a actuação destes grupos seja de um âmbito mais alargado. Afinal de contas, as alterações climáticas são uma questão que engloba muitas outras.”

Quem são estes grupos e o que fazem?

“O movimento climático em Portugal é constituído, sobretudo, por colectivos informais”, refere-se no relatório, em que são contabilizados 114 destes grupos. Seguem-se-lhes as ONG (43).

Os investigadores do JustFutures analisaram as redes sociais dos vários grupos, assim como “outros materiais disponíveis online”, para identificar as “formas de acção” que privilegiam. Trinta e cinco dos 68 grupos que têm as alterações climáticas como foco de acção principal recorrem sobretudo a “protestos e manifestações”, que não incluem acções de desobediência civil (estas entram na categoria “acções directas”, cuja expressão não é tão relevante).

No que diz respeito aos 105 grupos que têm as alterações climáticas como uma das áreas de acção, mas não a principal, as formas de acção mais frequentes são o “activismo digital” e as “acções de sensibilização e formação”.

Por outras palavras, muitos dos grupos que se debruçam exclusivamente ou principalmente sobre as alterações climáticas são colectivos informais com uma postura mais activista (havendo um número significativo de grupos estudantis). Por outro lado, os grupos com uma intervenção mais abrangente (como as ONG) tendem a preferir “as formas mais clássicas de se ser ambientalista”, conforme descreve Anabela Carvalho.

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Manifestação da Greve Climática Estudantil em Lisboa, em Setembro deste ano Nuno Alexandre

A investigadora diz que os resultados do levantamento feito pelo JustFutures foram “uma boa surpresa”. “Não estávamos a contar com tantos grupos. Há sempre aquela ideia de que em Portugal não há muita organização cívica relativamente a uma série de questões. Estes números mostram que as pessoas estão a mobilizar-se por causas que as preocupam, mesmo em localidades mais pequenas”, afirma.

O JustFutures frisa no relatório que este seu “retrato do movimento climático em Portugal” é “um retrato ‘tirado’ num momento temporal específico”. Dado que “o movimento climático é muito dinâmico”, “terão ocorrido (e continuarão a verificar-se) alterações nos dados apresentados”, é assinalado.

Ao PÚBLICO, Anabela Carvalho recupera esta ideia, referindo haver “muitos grupos com um tempo de vida curto”. “Surgem em momentos específicos e, passados uns meses ou um ano, já estão inactivos”, diz, comentando, de resto, que isto é normal, dado o número elevado de grupos estudantis. “Os estudantes são pessoas que não só estão em mudança nas suas vidas, como também estão expostas a um risco de burnout [esgotamento], que é normal nestas questões do activismo”, afirma.

“Mas é bom sinal que haja tantos jovens”, continua a investigadora. “Quero acreditar que, no futuro, muitos destes jovens estarão a desempenhar outro tipo de papel, mas permanecerão envolvidos na causa climática.”

Anabela Carvalho revela que, quando este levantamento começou a ser feito, o objectivo era justamente perceber quão significativa é a presença dos jovens no movimento climático em Portugal (enquanto projecto de investigação, o JustFutures “pretende analisar o modo como os jovens concebem o seu papel nas transformações sociais que será necessário implementar nas próximas décadas”). Só quando a recolha de dados já decorria é que os horizontes foram ampliados e os investigadores passaram a tentar caracterizar o movimento na sua totalidade, passando por todas as faixas etárias.

De acordo com Anabela Carvalho, o JustFutures passará os próximos tempos a “estudar os discursos” dos 275 grupos identificados. Também será feita uma análise da forma como os órgãos de comunicação portugueses vêm a falar sobre grupos de activistas climáticos liderados por jovens.

No site do JustFutures há vários materiais sobre o levantamento, incluindo um mapa interactivo com informações sobre cada um dos grupos identificados.