Precisamos de “um bilhete limpo para o céu”, pediu Von der Leyen na COP27

As petrolíferas têm de pagar pelas alterações climáticas, disseram os países em desenvolvimento. O Paquistão pediu ajuda com as cheias. Portugal falou nas emissões dos incêndios florestais.

Foto
Ursula von der Leyen disse esperar que a UE consiga produzir para o ano 100 GW de electricidade renovável Khaled Elfiqi/EPA

O terceiro dia da Cimeira do Clima das Nações Unidas em Sharm el-Sheikh, no Egipto, foi aquele em que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen pegou nas palavras da véspera do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, para lançar um apelo à cooperação entre as nações para combater as alterações climáticas: “Não vamos pela auto-estrada que nos leva ao Inferno, tiremos um bilhete limpo que nos leva ao Céu”, afirmou, ao discursar na COP27.

A mensagem da Europa foi fortemente impregnada da crise energética que tem na raiz a guerra da Rússia contra a Ucrânia: “Temos um revólver apontado às têmporas, que é o conflito na Ucrânia. O Kremlin escolheu fazer da energia mais uma arma, apontada ao coração da Europa”, afirmou Charles Michel, o presidente do Conselho Europeu, no seu discurso – a União Europeia teve representação dupla em Sharm el-Sheikh.

“Para a Europa, a resposta é o programa RePowerEU. Não estamos só a cortar a nossa dependência energética da Rússia – isso é bom, mas não basta –, estamos a acelerar de forma maciça o lançamento das energias renováveis”, disse, por seu lado, Ursula von der Leyen. “A capacidade de produção de energia eléctrica renovável na UE mais do que duplicou este ano, para 50 Gigawatts (GW). Se acelerarmos, podemos ter para o ano o maior valor de sempre, 100 GW”, prometeu.

A presidente da Comissão Europeia afirmou que a UE “cumpriu pelo segundo ano seguido” o pagamento do montante que lhe corresponde, calculado com base nas emissões dos países, de 23 mil milhões de euros, para o objectivo de transferir anualmente 100 mil milhões de dólares para os países em desenvolvimento e mais vulneráveis às alterações climáticas. “Isto apesar da pandemia, e da guerra da Rússia. É possível fazermos isto. Vamos fazê-lo”, apelou

“Não pode haver sombra de dúvida que esta crise aumenta a determinação da UE, vamos continuar a ser campeões da acção climática”, prometeu Charles Michel.

Se a União Europeia levou uma mensagem de afirmação do bloco e dos seus objectivos climáticos – reduzir as emissões de dióxido de carbono em 55% até 2030 – outros países, na linha da frente das alterações climáticas, foram chamar a atenção do mundo para o que não está a ser feito.

O apelo do Paquistão

O Paquistão chamou a atenção para a emergência que está a viver. Está a braços com as consequências das cheias catastróficas que afectaram 33 milhões de pessoas. “Caiu uma quantidade de chuva sete vezes superior à média; os nossos glaciares no Norte do país derreteram-se e causaram torrentes violentas que afectaram o Sul, destruíram 1620 hectares de terras agrícolas. Temos 8000 km de estradas arrasadas, 3000 km de ferrovia destruída. Calcula-se que os danos alcancem 30 mil milhões de dólares”, descreveu o primeiro-ministro Shehbaz Sharif.

“Temos de gastar milhares de milhões de dólares para proteger milhões de pessoas afectadas pelas cheias de mais desgraças. Como podem esperar que enfrentemos isto sozinhos? É dever do Norte Global compreender a situação em que estamos”, reclamou o governante do Paquistão, que já na véspera, numa conferência de imprensa com António Guterres, tinha anunciado a intenção de pedir um alívio da dívida externa. Além de querer pedir compensações por perdas e danos climáticos – embora não exista um mecanismo para o fazer, isso é um dos temas-chave desta COP.

“Apesar de termos uma pegada de carbono muito pequena, tornámo-nos vítimas de algo com o qual não temos nada a ver, um desastre provocado pelo homem”, declarou Shehbaz Sharif, responsabilizando os países que, historicamente, têm responsabilidade pela maioria das emissões de gases com efeito de estufa que estão na atmosfera.

Foto
"Calcula-se que os danos provocados pelas cheias alcancem 30 mil milhões de dólares”, descreveu o primeiro-ministro paquistanês Shehbaz Sharif Thaier Al-Sudani/REUTERS

Tratado de não-proliferação

O Estado-ilha de Tuvalu, no Pacífico, pediu que se faça um tratado internacional de não-proliferação – não de armas, mas de combustíveis fósseis, para acabar com o uso do carvão, do petróleo e do gás natural.

“Países como Tuvalu estão na linha da frente, sabem que não podem ceder aos interesses das empresas de combustíveis fósseis”, afirmou Kausea Natano, primeiro-ministro de Tuvalu. “Os oceanos, que estão a aquecer, estão a começar a engolir as nossas terras, centímetro a centímetro. Mas os nossos sonhos não vão ser sepultados sob as ondas por causa da forma como o mundo está viciado no petróleo, no gás e no carvão”, declarou.

Na COP26, no ano passado, em Glasgow, os países prometeram pela primeira vez “limitar” o uso do carvão, embora o petróleo e o gás não tenha sido mencionado.

Vários líderes de países em desenvolvimento fizeram um apelo a que as petrolíferas sejam chamadas a pagar pelas suas responsabilidades por explorarem combustíveis que provocam o aquecimento global. “A indústria do petróleo e do gás continua a ter lucros de quase três mil milhões de dólares diariamente”, afirmou Gaston Browne, primeiro-ministro de Antigua, falando um nome da Aliança dos Pequenos Estados-ilha.

“Já é tempo de estas empresas serem obrigadas a pagar uma taxa global de carbono sobre os seus lucros, e que isso sirva para fundo para financiar as perdas e danos”, completou Gaston Browne.

Portugal não volta ao carvão

O primeiro-ministro, António Costa, também discursou esta terça-feira na cimeira. Confirmou que Portugal está a estudar a viabilidade de antecipar a neutralidade carbónica para 2045, actualmente definida para 2050. “Desde Glasgow [a COP26, no ano passado], conseguimos antecipar em dois anos o encerramento das nossas últimas centrais a carvão, que já deixaram de funcionar no ano passado e não as vamos reactivar”, comprometeu-se o primeiro-ministro, mesmo perante os actuais cenários de crise energética.

Foto
António Costa disse que Portugal está a estudar a viabilidade de antecipar a neutralidade carbónica para 2045 Paulo Vaz Henriques/Gabinete do primeiro-ministro

Costa levou ainda a preocupação com as emissões de gases com efeito de estufa causadas pelos incêndios florestais à Cimeira do Clima (COP27) em Sharm el-Sheikh, no Egipto, nesta terça-feira. “Estima-se que 6% das emissões mundiais de dióxido de carbono (CO2), ou 1,9 mil milhões de toneladas de CO2, resultem de incêndios de causa humana. Em anos mais extremos, pode chegar a representar 20%”, enumerou.

“Esta realidade nem sempre abordada é neste fórum, mas é da maior importância para a redução de emissões e para a capacidade de a floresta desempenhar o seu papel de sequestro de carbono”, sublinhou o primeiro-ministro português, no seu discurso na COP27.