Esta newsletter ia ser sobre automóveis. Mas, quando um colega nos interpela assim que entramos no edifício do jornal para falar do Twitter e do Mastodon (a rede social sem fins lucrativos que está por estes dias a despertar interesse), percebemos que não faz sentido fugir ao tema quente das últimas semanas.

Não vamos entrar em todos os pormenores do Twitter, até porque há o risco de este texto ficar desactualizado antes de chegar aos emails de destino. A empresa continua num ritmo atribulado. Já começou a cobrar pelo pequeno símbolo azul que garante que um utilizador é quem diz ser. Também despediu um vasto rol de pessoas na semana passada, para, logo no fim-de-semana, voltar atrás e tentar trazer algumas de volta

Musk, por seu lado, continua a ser Musk: decidiu proibir as contas que imitem outras pessoas (mesmo que de forma óbvia, para fazer humor) e que não tenham na descrição a palavra "paródia". A regra levou à suspensão de uma conta que parodiava o próprio Musk. Libertário, ma non troppo

No meio disto, alguns utilizadores começaram a inscrever-se no Mastodon, uma rede social criada em 2016 por um programador alemão, e que funciona de forma mais descentralizada. Comparação que tem corrido pela Internet: se o Twitter é o Windows, o Mastodon é o Linux. É uma analogia razoável. 

O Mastodon é uma organização sem fins lucrativos. O fundador (e único funcionário a tempo inteiro) tem um salário anual de 36 mil euros. O software do Mastodon é livre e aberto, permitindo que qualquer pessoa possa criar réplicas da plataforma; estas réplicas chamam-se "instâncias" ou "servidores". As instâncias podem ter regras próprias e serem focadas, por exemplo, num país ou tema. A maioria está ligada entre si, criando uma "federação". Na prática, isto significa que não importa muito em que instância um utilizador se inscreve. 

Do ponto de vista do utilizador, o Mastodon é parecido com o Twitter (especialmente, com o Twitter de há uns anos). Tem um limite de caracteres maior. Pode ser um pouco mais complexo de navegar. Também tem muito menos gente e, por isso, muito menos interesse.

O efeito de rede é uma regra bem conhecida. Estipula que um utilizador retira tanto mais valor da pertença a uma rede quantos mais nós essa rede tiver. No início do século, este efeito foi fundamental nas disputas dos operadores de comunicações: uma vez que as chamadas e mensagens eram mais baratas entre pessoas da mesma rede, escolher uma rede de telemóvel dependia sobretudo do número de pessoas que o utilizador conhecia em cada uma; naturalmente, escolhia aquela onde tivesse mais contactos. Transpondo: ninguém quer estar numa rede social semi-vazia.

O Mastodon é muito pequeno. A súbita popularidade provocada pelas tropelias de Musk catapultou a plataforma para um pouco mais de um milhão de utilizadores mensais, um aumento de quase meio milhão em dez dias. O Twitter tem 238 milhões de utilizadores diários "monetizáveis". 

Os efeitos de rede, porém, não são absolutos. Só nas plataformas de comunicação online, assistimos a uma miríade de ascensões e quedas nos últimos 20 anos. O MySpace foi destronado pelo Facebook, que por sua vez já teve dias muito melhores. O Zoom atropelou o Skype, que até tem a força da Microsoft por trás. Ferramentas como o antigo MSN Messenger e o Facebook Messenger cederam o lugar ao WhatsApp ou, noutras geografias, a plataformas como o Telegram. O TikTok anunciou há um ano ter chegado aos mil milhões de utilizadores.

Mas há algo em comum a todas as redes sociais de sucesso: ao contrário do Mastodon, foram criadas com o objectivo de gerar tanto dinheiro quanto possível.

A escala de que uma rede social precisa foi, historicamente, o resultado de enormes investimentos, feitos por detentores de capital que estiveram dispostos a arriscar para obter recompensas enormes. É preciso gastar milhões em programadores, gestores, ferramentas e infraestruturas tecnológicas várias, e ir depois atrás do modelo de negócio que torne tudo isto viável. A não ser que o TikTok se revele uma maquinação de Pequim para exercer soft power ou espionagem, o sucesso das redes sociais na Internet andou invariavelmente de mãos dadas com a vontade de fazer fortuna. 

Há uma hipótese – ​real, mas pequena – de o Mastodon vir a ser a excepção (da mesma forma que a Wikipedia consegue ser uma excepção). Seria talvez uma boa notícia. E seria divertido e irónico que isso fosse motivado por um "bilionário" tecnólogo e libertário. Há celebridades, órgãos de comunicação social, académicos e pelo menos um prémio Nobel a abrir contas na plataforma (o PÚBLICO e o autor destas linhas também estão por lá). Mas ainda faltam ao Mastodon qualquer coisa como 237 milhões de utilizadores para poder ser uma alternativa ao Twitter. E isto é algo que, diz-nos quase toda a História da Internet, só o dinheiro consegue comprar.

Por outro lado, a mesma História também diz que há casos em que nem todo o dinheiro do mundo consegue salvar uma plataforma a naufragar.