Vai fechar mais uma livraria alfarrabista em Lisboa. Desta vez a Bizantina
A Bizantina da Rua das Portas de Santo Antão vai encerrar no final deste mês. O senhorio queria aumentar em cerca de 40% o valor que proprietário da livraria alfarrabista pagava pelo pequeno espaço.
Lisboa vai perder mais uma livraria alfarrabista. A Bizantina da Rua das Portas de Santo Antão, na Baixa alfacinha, fecha as portas no final deste mês, depois de as ter abertas ao longo dos últimos 17 anos. Razão: não ter capacidade de pagar o aumento da “renda” pedida pelo senhorio do espaço.
Carlo Bobone já era empresário no sector, com a primeira Bizantina em funcionamento na Rua da Misericórdia, na zona do Chiado, e conta que, em 2005, um conhecido que fazia parte da direcção da Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP) o abordou. Queria saber se estava interessado em abrir uma livraria alfarrabista na sede da entidade.
“Eles entendiam que a sociedade tinha no seu projecto ter uma livraria aberta ao público. Eu achei interessante e disse que sim”, lembra Carlos Bobone. E assim nascia a nova Bizantina, com porta de entrada nas arcadas exteriores do Palácio da Independência, a sede da sociedade, na movimentada rua lisboeta.
Como a SHIP já era na altura uma sociedade sem fins lucrativos e, como tal, não podia cobrar rendas, ficou acordado pelas partes que a Bizantina faria um “donativo voluntário trimestral à sociedade”. A livraria alfarrabista ficava assim a pagar 4500 euros por trimestre (1500 por mês) pelo espaço de cerca de 13 metros quadrados e por mais um armazém da mesma dimensão.
“Era uma verba alta e com a agravante de não poder ser declarada como renda, ou seja, como despesa de negócio. Mas as vendas sempre correram bem, até porque a Rua das Portas de Santo Antão está quase sempre cheia de gente, muitos deles turistas, e sempre conseguimos pagar o donativo. Sempre tivemos um bom volume de negócio, até porque, além do material alfarrabista, também vendíamos livros que eu chamo ‘livros de ler muito baratos’, alguns deles a um euro”, diz Carlos Bobone.
Só que em Julho deste ano a direcção da SHIP, actualmente presidida por José Ribeiro Castro, comunicou ao proprietário da Bizantina que ia aumentar o donativo voluntário, passando de 1500 euros por mês para 2300. Carlos Bobone disse que ia pensar na proposta e ficou de dar uma resposta quando regressasse ao trabalho. Em Agosto, anunciou que não aceitava. Pediu apenas que lhe dessem três meses para tratar da mudança. “No final do mês, fechamos portas. São dias tristes”, afirma o empresário.
Bobone diz que o valor pedido “é muito alto, um absurdo mesmo, para um espaço tão pequeno” e que “não podia fazer nada para tentar mudar a proposta”. “A sociedade está no seu direito, o espaço é seu, portanto, pode pedir o que quiser. Eu estou no meu direito de recusar. Vamos lá ver se arranjo um novo espaço. Vai ser difícil, pois está tudo muito caro e negócios mais antigos a fechar para dar lugar a restaurantes, casas para alugar a turistas e às chamadas ‘lojas dos chineses’”, salienta.
O alfarrabista diz que “Lisboa está a ficar totalmente descaracterizada” com o encerramento de negócios como o seu. “Já não é a mesma cidade, parece uma cidade apenas virada para o turista. Lisboa, a verdadeira Lisboa, vai morrendo aos poucos. Vai perdendo a alma. Tudo isto é muito triste”, lamenta.
Carlos Bobone lembra que, quando abriu o seu negócio na Rua da Misericórdia, “existiam mais nove alfarrabistas na zona do Chiado”. “Ao longo dos anos, foram fechando uma a uma. Hoje, já só existe a Bizantina”, revela.
O empresário diz que os encerramentos se devem ao facto de “alguns estarem já muito velhos e não têm ninguém que queira seguir o negócio”, mas também de “as lojas mais antigas no centro da cidade serem alvo constante de propostas de venda com muito bons valores”, para “darem lugar a negócios mais virados para os turistas”.
O PÚBLICO contactou a SHIP, para pedir um comentário ao aumento da “renda” e ao encerramento da livraria alfarrabista. Ligámos para o telefone geral da sociedade na quinta-feira, por volta das 15h30. Quando revelámos a razão do telefonema, o homem que atendeu disse de imediato: “A sociedade não tem nada a dizer sobre isso. Falem com o proprietário.” Pedimos então que se identificasse e que revelasse que cargo desempenhava na SHIP. Recusou. Perante a insistência do PÚBLICO, pediu então que lhe déssemos um contacto telefónico. “Se houver alguém para comentar, vai ligar-lhe”, afirmou. Até meio da tarde desta segunda-feira, ninguém ligou.