Cimeira do Clima: “Estamos numa auto-estrada para o inferno”, disse Guterres

No Egipto, o secretário-geral da ONU propõe Pacto de Solidariedade Climática para acelerar transição energética e taxar os lucros inesperados das empresas de combustíveis fósseis.

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António Guterres disse que as instituições financeiras internacionais devem mobilizar melhor fundos privados para investir de forma maciça na acção climática Reuters/MOHAMMED SALEM

O secretário-geral das Nações Unidas não poupa no dramatismo quando fala dos riscos que corremos com as alterações climáticas: “Estamos numa auto-estrada rumo ao inferno, com o pé no acelerador”, disse no seu discurso na abertura da cimeira de implementação da COP27, o segmento da Conferência do Clima das Nações Unidas em que discursam os chefes de Estado e de Governo.

O objectivo do discurso era acentuar a urgência de as nações chegarem a acordo para reduzirem as emissões de gases com efeito de estufa e financiarem as medidas necessárias para que todos os países, mesmo os mais pobres, consigam fazer essa redução, por um lado, e adaptarem-se às alterações climáticas. “A humanidade tem uma escolha: cooperar ou morrer”, afirmou Guterres em Sharm-el-Sheikh, no Egipto, onde decorre, até 18 de Novembro, a Cimeira do Clima.

Permanece aberta uma janela de oportunidade, mas só resta uma estreita faixa de luz. A luta global do clima será ganha ou perdida nesta década crucial — por nós. Uma coisa é certa: os que desistirem vão perder de certeza”, afirmou o secretário-geral das Nações Unidas, apelando ao trabalho em conjunto. “O nosso planeta está a aproximar-se de pontos de viragem que vão tornar o caos climático irreversível”, avisou.

A actividade humana é a causa do problema das alterações climáticas e a solução tem de passar pela acção humana, sublinhou. “E é preciso acção para restabelecer a confiança entre [os hemisférios] Norte e Sul]”, disse António Guterres, que apresentou algumas propostas concretas.

Apelou ao estabelecimento de um “Pacto de Solidariedade Climática”, entre as economias desenvolvidas e as emergentes. “Neste pacto, todos os países fariam um esforço extra para reduzir as emissões [de gases com efeito de estufa] nesta década, para cumprirem o objectivo de 1,5 graus [de aquecimento para além dos valores antes da Revolução Industrial, que o Acordo de Paris estabelece como meta a alcançar]”, explicou António Guterres.

Neste pacto, os países mais ricos e as instituições financeiras internacionais prestariam apoio técnico e financeiro às economias emergentes para que acelerassem a sua transição para energias renováveis. Em que ficasse escrito o caminho para a saída da dependência dos combustíveis fósseis — com o compromisso de que os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico abandonariam as centrais eléctricas a carvão até 2030 e os restantes até 2040.

“As duas maiores economias — os Estados Unidos e a China — têm uma responsabilidade particular em juntar esforços para tornar este pacto uma realidade”, incentivou o secretário-geral da ONU.

Finanças climáticas

Por outro lado, Guterres recordou a promessa feita pelos países ricos na COP26, em Glasgow, no ano passado, de duplicar os apoios à adaptação para os países mais pobres para 40 mil milhões anuais até 2025. É preciso ter um plano para essa distribuição, frisou. “E temos de reconhecer que este é apenas um primeiro passo: as necessidades de adaptação devem crescer para mais de 300 mil milhões de dólares por ano até 2030”, recordou.

“As instituições financeiras internacionais e os bancos multilaterais de desenvolvimento devem mudar o seu modelo de negócio e fazer a sua parte nas finanças climáticas, mobilizando melhor fundos privados para investir de forma maciça na acção climática”, afirmou Guterres.

Por outro lado, o secretário-geral da ONU fez um apelo a avanços nas negociações para que passe a existir um mecanismo de compensação das “perdas e danos” sofridas devido aos efeitos que estão já a acontecer por causa das alterações climáticas — secas, ciclones, cheias. Estes são sentidos de forma mais drástica pelos países mais pobres e vulneráveis, que pedem aos países mais industrializados, que são historicamente os maiores emissores de gases com efeito de estufa, mecanismos de compensação.

Acompanhe a COP27 no Azul

A Cimeira do Clima das Nações Unidas é o ponto mais alto da diplomacia em torno das alterações climáticas, onde os países discutem como travar as emissões de gases com efeito de estufa que causam o aquecimento global. Este ano é no Egipto, de 6 a 18 de Novembro. Acompanhe aqui a Cimeira do Clima. 

“Ao mesmo tempo, temos de reconhecer uma verdade difícil de aceitar: não nos conseguimos adaptar ao número crescente de acontecimentos catastróficos que estão a causar enorme sofrimento em todo o mundo. As perdas e danos não podem ser postas debaixo do tapete”, avisou Guterres, que apelou à solidariedade internacional e à justiça climática.

“É por isso que estou a pedir que todos os governos taxem os lucros inesperados das empresas de combustíveis fósseis. Podemos dirigir este dinheiro para as pessoas que estão a sofrer com os preços altos da alimentação e da energia e para os países que estão a sofrer perdas e danos causados pela crise climática”, defendeu António Guterres.