Activistas vão à COP27 com medo e sabendo que talvez tenham de ir sem activismo

Estando a acontecer no Egipto, um país que proíbe manifestações, a 27.ª cimeira global do clima deverá dar pouco espaço à sociedade civil para se fazer ouvir.

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Activistas vão tentar arranjar formas de protestar (há quem vá fazer uma greve de fome, por exemplo), mas sabem que terão de ter cuidados redobrados YVES HERMAN/Reuters

A Cimeira do Clima de 2022 (COP27), que arrancou este domingo na cidade egípcia de Sharm el-Sheikh e acontece até dia 18, dificilmente terá, ao contrário de COP anteriores, grandes protestos a acontecerem ao mesmo tempo que, nas salas de negociações, as nações mundiais discutem formas de combater a crise climática. Num país que proíbe manifestações, a participação da sociedade civil neste grande evento deverá ser diminuta, o que está a preocupar activistas climáticos.

“É quando estão sob pressão que os políticos trabalham. Este vai ser um ambiente sem pressão, pelo que esta será mais uma COP em que os decisores políticos não decidirão nada. Vão só vestir fatos bons e caros”, diz ao PÚBLICO Dixon Bahandagira.

O activista de 24 anos do Uganda estará em Sharm el-Sheikh, mas a ideia de ajudar a organizar manifestações, que vê como fulcrais para as vozes dos mais afectados pela crise climática serem ouvidas, não lhe passa pela cabeça.

O jovem simplesmente acompanhará alguns “eventos paralelos” da COP27, sendo que a acreditação que lhe dá acesso à cimeira, uma acreditação de “observador”, não lhe permite entrar na sala dos plenários, as sessões principais em que os países se reúnem e os representantes lêem os seus discursos.

Acompanhe a COP27 no Azul

A Cimeira do Clima das Nações Unidas é o ponto mais alto da diplomacia em torno das alterações climáticas, onde os países discutem como travar as emissões de gases com efeito de estufa que causam o aquecimento global. Este ano é no Egipto, de 6 a 18 de Novembro. Acompanhe aqui a Cimeira do Clima. 

Se entrar na sala dos plenários será impossível, entrar em Sharm el-Sheikh, cidade que é um grande resort turístico, quase que era uma missão do mesmo tipo. Dixon, que está ligado ao grupo ugandês do movimento internacional Fridays for Future, conta que algumas organizações não-governamentais (ONG) africanas deram bolsas para ajudar jovens activistas a ir à cimeira, mas estas foram poucas para os muitos que não têm como suportar uma estadia de duas semanas num resort (mais a aquisição de um passaporte e bilhetes de avião).

Após ter tentado, sem sucesso, obter apoio de três ONG, Dixon angariou dinheiro online, através do site GoFundMe. Já conseguiu somar 2150 dólares (2153,55 euros). Os bilhetes de avião custaram-lhe 1500 dólares (1502,48 euros).

Dixon acredita ser irónico que esta esteja a ser vendida como sendo uma “COP africana”, no sentido em que se discutirão soluções para tornar África mais resiliente às alterações climáticas, quando está a acontecer numa cidade cujos preços afastam e silenciam muitas vozes africanas e desfavorecidas.

Nyombi Morris é outro activista ugandês que, tendo uma acreditação para ir à COP27, teve de se esforçar para obter fundos. Segundo o jovem de 24 anos, o Climate Vulnerable Forum (CVF), uma parceria internacional de países muito vulneráveis à mudança do clima, disse que o ajudaria, contanto que ele conseguisse uma acreditação junto do Governo ugandês. As acreditações governamentais, ao contrário das de observador, permitem estar nos plenários e acompanhar as negociações.

Nyombi, que também está ligado ao Fridays for Future (e é ainda director executivo da organização Earth Volunteers), não teve sorte. “Nós questionamos muitos dos projectos do Governo. Eles acham que, se nos for dado um lugar à mesa, iremos expô-los”, diz, referindo o porquê de não ter conseguido a acreditação governamental e, portanto, os fundos do CVF. O jovem foi, em parte, apoiado pela Universidade de Yale (Estados Unidos), onde recentemente deu uma palestra sobre a crise climática.

Na COP27, Nyombi diz que se juntará a um protesto, caso seja organizado, mas duvida que as condições para tal venham a existir. O jovem sabe de activistas que gostariam de fazer uma manifestação pacífica na segunda semana da cimeira, “caso na primeira os decisores não voltem a temas que em Glasgow ficaram por resolver”, mas há ainda muita indefinição. A situação “terá de ser avaliada no terreno”, resume.

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Nyombi Morris (de camisola azul-clara) com jovens ugandeses numa campanha local de sensibilização para as questões do clima DR

Greve de fome

Haverá uma área especificamente designada para acolher protestos — que só podem acontecer após os manifestantes pedirem autorização à presidência da COP27 —, mas fica junto a uma auto-estrada e longe da sala dos plenários. “Os activistas estariam a protestar somente à frente de outros activistas. Em teoria, os organizadores da cimeira podem dizer que asseguraram o direito à manifestação. Mas aquela área será inútil”, diz Gianluca Grimalda, do Scientist Rebellion, grupo de cientistas activistas cujos protestos consistem em acções de desobediência civil.

O Scientist Rebellion estará em Sharm el-Sheikh, representado por elementos que acompanharão alguns eventos da cimeira, mas dificilmente farão o que costumam fazer como activistas. De acordo com Gianluca (que não estará na COP27, mas, à distância, ajudará os seus colegas com questões de logística), é certo que não ocuparão aquela área. “Estamos a pensar noutras formas de alertar para injustiças climáticas que julgamos serem ultrajantes.”

Gianluca Grimalda na Papuásia-Nova Guiné em trabalho de campo enquanto cientista DR
Gianluca Grimalda sentado no Porsche Pavilion, em Wolfsburgo (Alemanha), onde recentemente o Scientist Rebellion fez um protesto contra as emissões do sector automóvel Isaac Perales
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Gianluca Grimalda na Papuásia-Nova Guiné em trabalho de campo enquanto cientista DR

Desvendando a cortina, o investigador italiano revela que uma das representantes do grupo “fará uma greve de fome em Sharm el-Sheikh”. “Ela exigirá mais rapidez nos esforços de descarbonização e a criação de um imposto para pessoas que andem de avião frequentemente. Também exigirá que os países ricos perdoem a dívida dos mais pobres. Provavelmente, andará com um cartaz pendurado ao pescoço, para os motivos da greve serem claros para todos”, adianta.

“Uma greve de fome não cria problemas, é absolutamente legal”, continua Gianluca. Será que em Sharm el-Sheikh se pensará o mesmo? “Há um ano, alguém que usava uma camisola com a frase ‘tax the rich’ [‘tributem os ricos’] teve de sair da COP. Não faz sentido que, com isto que vamos fazer, aconteça o mesmo. As nossas exigências são as mesmas que justificam a existência da COP. Só queremos reforçar a mensagem, para dizer que a mudança tem de acontecer mais depressa.”

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"Quantos polícias para prender o caos climático?" Protesto do movimento Extinction Rebellion em Glasgow (Escócia), em 2021, a propósito da COP26 Hannah Mckay/Reuters

Palavra-chave: “Cautela”

Kat Meier, do grupo norte-americano do Fridays for Future, diz que neste momento os activistas estão numa posição difícil. “Não podemos simplesmente ficar calados, mas temos de ter cautela. O movimento não fica mais forte tendo activistas na prisão”, diz, referindo que quaisquer acções de protesto, quer no Egipto, quer noutros países, devem ser executadas com inteligência, até para depois não se colocar activistas egípcios em perigo.

“Durante os dias da COP, todos os olhos estarão postos no Egipto. Mas, depois de toda a gente voltar para casa, as autoridades vão cair em cima dos activistas que estiverem ao seu alcance. Não quero dizer que, caso as negociações não andem para a frente, não lutaremos, mas, se colocarmos activistas em risco de vida, protestar não é o caminho para atingirmos os nossos objectivos”, diz Kat, que não estará em Sharm el-Sheikh (o Fridays for Future será representado por pessoas de países especialmente vulneráveis às alterações climáticas).

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Kat Meier, uma "optimista climática teimosa", conforme é possível ler na camisola que enverga DR

A presidência da COP27 diz estar a trabalhar para garantir não só a presença, como uma participação “significativa” das ONG em todas as actividades da cimeira, excepto as negociações. E a Bloomberg escreve que as autoridades egípcias negam terem actuado para, nas últimas semanas, aumentar brutalmente os preços dos hotéis em Sharm el-Sheikh, o que efectivamente aconteceu e levou ONG, activistas e jornalistas a repensarem e/ou cancelarem a sua ida ao Egipto.

Mas os activistas ouvidos pelo PÚBLICO duvidam que o regime de Abdel Fattah al-Sissi, Presidente do Egipto, esteja do seu lado. “Falámos com pessoas egípcias que são activistas pelos direitos humanos e estão neste momento em exílio. Disseram-nos que, se fores a uma praça no Egipto e empunhares um cartaz, podes escapar incólume, assim como podes passar uma hora, uma noite ou o resto da tua vida na prisão”, diz Gianluca Grimalda. “É normal que as pessoas estejam descrentes e com medo.”

“Esta COP está a fazer lembrar o Mundial [de futebol, que arranca no dia 20]. A FIFA terá um evento no Qatar, mas não aproveitou para exigir grandes mudanças em termos de direitos humanos como condições prévias [para ser o anfitrião]. Com esta COP, as Nações Unidas desperdiçam a mesma oportunidade, desta feita no Egipto”, lamenta Pedro Neto, director executivo da Amnistia Internacional Portugal.

“Penso que esta será das COP com menos participação da sociedade civil. Tentaremos estar presentes para, à medida das nossas capacidades, transmitir a mensagem de que o combate às alterações climáticas é um problema de direitos humanos, mas é com muita preocupação que olhamos para este encontro, que deverá acrescentar pouco”, diz ainda.

Fora do Egipto, grupos como o Scientist Rebellion organizarão acções de protesto durante os dias da COP27, mas dizem ser cedo para divulgar informações. Já se sabe, porém, que o próximo sábado, 12 de Novembro, será um dia de acção global. Por cá, em Lisboa, a data será assinalada com uma marcha contra o “fracasso climático”.

Kat Meier reconhece a importância de se protestar um pouco por todo o mundo, mas sublinha que “é diferente quando estamos à porta das salas onde os decisores políticos estão a debater”. “Ainda assim, faremos o que for possível e mais indicado”, diz. Os activistas jogarão com as poucas cartas que têm, sabendo que o seu baralho não está completo.